Ano 08 nº 050/2020 – FEMINISMO EXAGERADO

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Imagem: Luna Araújo, filha do autor.

Por Leandro de Araújo

Acabo de ler o texto de uma jovem criticando nas redes sociais o que ela chama de “feministas exageradas”. Em seu breve texto, ressalta que não concorda com atitudes extremistas, como mostrar os seios, pintar o corpo, confrontar a polícia. Chama as mulheres com este tipo de atitude de fiasquentas e vulgares. Achei legal sua atitude, posicionando-se publicamente. Expor-se, mesmo sabendo que nas redes sociais polarizadas certamente seria alvo tanto de elogios quanto de críticas, algumas violentas. Tentei entendê-la como jovem que é. Contudo, não deixei de refletir sobre o assunto, principalmente em uma época que serve justamente para lembrar-nos de quanto respeito devemos a ela, menina, em um mundo ainda majoritariamente controlado por homens.

Então, peço desculpas a todas as mulheres por me posicionar aqui sobre um assunto que repercute explicitamente em suas vidas, mas exercendo uma consciente obrigação, da mesma forma que já me manifestei sobre o respeito devido a negros, homossexuais, sem-terra…

Não há feminismo exagerado. Há apenas a necessidade urgente de revermos o patriarcado estabelecido há cerca de cinco mil anos. CINCO MIL ANOS. No Código de Hamurabi (conjunto de leis criadas na Mesopotâmia, por volta do século XVIII a.C., pelo rei Hamurabi) já havia penas previstas para quem cometesse atos de agressão contra homens ou mulheres. Penas quando aplicada a vítimas masculinas muito mais pesadas do que aquelas impingidas aos agressores de mulheres. Quantos milênios se passaram e agora começamos a entender que há homens que violentam e matam mulheres apenas pelo fato de elas serem mulheres.

O que a jovem do início de minha reflexão não entende é que, ao mostrar os seios, pintar o corpo ou enfrentar as forças de repressão, as feministas estão tentando fazer com que ela mesma, a jovem, seja respeitada por ser mulher. No mundo todo, apenas em 1893, na Nova Zelândia, as mulheres começaram a ser “equiparadas” aos homens, em direitos. No Brasil, o “país do futuro”, apenas o Código Eleitoral de 1965 equiparou o voto feminino ao do homem, pois desde a Constituição de 1934 a mulher tinha relevância política, mas restrita ao “voto facultativo”. Ou seja, votava apenas se e como o marido/pai permitisse.

O direito ao voto, assim como os demais conquistados na sequência, não foram obtidos com textos ou reflexões em redes sociais. Foram duramente arrancados da cultura machista, muitas vezes sob violência das forças repressoras masculinas, que viam na reivindicação de igualdade política um ato de “feminismo exagerado”.

Toda quebra de paradigma é vista inicialmente como exagero. Toda subversão de padrões é maldita por quem prefere a confortável conformidade do “sempre foi assim e sempre deu certo”. Dar certo, neste caso, quer dizer “mantenha-se no poder quem está no poder e dócil aquele que deve servi-lo”.

Foram mulheres que queimaram sutiãs, que ficaram nuas, que morreram queimadas em fogueiras em praça pública as que fizeram a diferença e que hoje dão direito a voz à jovem que reclama do feminismo exagerado nas redes sociais. Foram as fiasquentas e vulgares que conquistaram direito ao respeito, à liberdade, ao reconhecimento e ao orgasmo. E de reclamar publicamente sem ser ridicularizada ou internada em um sanatório, quando algum destes não se faz presente. 

Graças às feministas exageradas hoje sabemos que 12 mulheres são mortas por dia Brasil. No período de 24 horas, em nosso país, mais de 160 mulheres são estupradas. Os dados podem ser mais alarmantes, pois apenas 10% dos casos são notificados à polícia. Sem as que gritam, se escabelam e se pintam, sequer teria porque levantar estes dados. Expressões como “crime passional”, “lavar sua honra” e “dever conjugal” ainda seriam argumentos para amenizar as penas de homens que violentam mulheres.

Aqui no Rio Grande do Sul, estado onde a mulher é chamada de “prenda”, até o século XIX as meninas tradicionalmente casavam-se por volta dos 14 anos. Muitas vezes conheciam seus noivos apenas no dia do casamento. O Império estimulava que se casasse as meninas muito jovens para que tivessem vida fértil mais longa. Tendo muitos filhos, povoariam o Continente, e isto era necessário para garantir a segurança da fronteira. Quantos filhos tiveram suas avós? E bisavós? Por isso mesmo não havia escolas para meninas, pois para elas apenas era importante, além de engravidar, aprender a costurar, cozinhar e fazer artesanato. Não, não estou descrevendo um concurso de mais prendada prenda, apenas retratando a vida de uma mulher gaúcha nos séculos XVIII e XIX. Parir, cozinhar, servir ao marido. E parir novamente. A cultura do estupro e da servidão eram avalizadas pelo Império.

Dito tudo isto, minhas caras leitoras, às feministas exageradas, radicais e escandalosas… às fiasquentas, vulgares e esquisitas, eu só tenho a agradecer. Agradeço por mim, por minha filha de quatro anos que vai crescer em um mundo menos machista e pela jovem menina que hoje tem o direito de dizer publicamente o que pensa, o que lhe agrada e desagrada, sem ser considerada louca por isso.

 

*Texto já publicado no Blog pessoal do autor.

Leandro de Araújo, é acadêmico de Letras Língua Portuguesa da UNIPAMPA, Polo de Esteio/UAB. Atua há vinte anos como profissional de Tecnologias Educacionais. Apaixonado por escrever, é o autor do blog https://blogdoleandroaraujo.blogspot.com/  e tem um livro publicado pela Amazon chamado “A menina que podia voar e outros contos”. É um dos responsáveis pelo Projeto Aquecimento Cênico, que há 14 anos trabalha expressividade corporal e facial, inteligência emocional e relações interpessoais com equipes.

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