Ano 12 Nº 069/2024 – Preparação de Elenco: criando um romance a partir da técnica

Por Felipe Cremonini

Sempre parto de um raciocínio de que a linguagem cinematográfica faz com que diversos universos se relacionem ao mesmo tempo. Entre esses universos, encontramos: de um lado, a técnica audiovisual, que envolve domínio de equipamento de áudio, vídeo e transformações desse aparato tecnológico em uma poética. De outro lado, a técnica de atuação, que tem sua origem em uma outra formação, fundada nos princípios do teatro e das artes cênicas. Ainda que esse raciocínio não seja uma regra, existem diversas variáveis neste espectro. Grande parte da “magia do cinema” está nas engrenagens funcionais de um mar de segmentos e setores que giram ao mesmo tempo em prol de uma obra. Tudo isso para dizer que acredito que a preparação de atores é uma parte fundamental desta engrenagem. Pelo menos, foi assim que estruturamos a preparação de “Da Janela do Teu Quarto”.

Desde que comecei a trabalhar como preparador de atores em 2017, com Bicha Camelô (filme dirigido, também, por Wagner Previtali), busco desenvolver minha própria ‘técnica’ de preparador, que envolve conseguir transportar o que aprendi na minha formação em teatro para as obras audiovisuais em que sou designado como preparador de elenco. Então sempre separei meu trabalho como ator do meu trabalho de preparador. O desafio em “Da Janela do Teu Quarto” foi justamente unir esses meus dois universos particulares e fazê-los funcionar como as engrenagens de um set de filmagens, pois eu era além do preparador, um dos protagonistas do filme, junto com Vinicius Domenech.

Os processos de preparação com Vinicius foram uma fusão de outros dois universos. Vini, que vem de uma formação como dançarino e possui um corpo já predisposto a práticas corporais, e a união a toda prática vocal e tonalidades de texto que o trabalho como ator exige. Essa fusão de duas das artes cênicas (teatro e dança) trouxe à tona vários jogos e técnicas de corpo em comum. O roteiro do filme aborda uma concepção do relacionamento do casal em seu início, passando pela complexidade de se relacionar com alguém em toda sua intimidade, até o término por divergências. Toda essa relação passa pelo corpo, pela voz e pela interpretação dos atores. 

Em determinado momento precisei suspender o trabalho como preparador para focar na atuação. Então, diferente de outras experiências em que eu fico de fora da cena e posso dar todo o suporte aos atores, eu precisava contar com que havia sido trabalhado nos ensaios com Vinicius, e só pude ver o resultado recentemente, quando tivemos acesso aos cortes finais do filme. O que mais está explícito para mim na relação entre os dois personagens no filme é o olhar entre os dois, ora tímido e rápido, ora intenso e demorado, revelando o afeto e vivência entre os dois. Lembro bem que um dos jogos que fizemos para criar técnica de atuação para esses personagens envolvia uma espécie de “jogo do espelho” entre nós dois, atores, que acabou se desenvolvendo e criando uma relação de olhar, em que não tiramos os olhos um do outro. E em um feeling de improviso, criamos várias pequenas cenas apenas com essa troca de olhares. 

Ver em tela uma relação que foi criada em uma sala de ensaios pra mim é uma bela prova de que a engrenagem do cinema, mais uma vez, funcionou.

Da Janela do Teu Quarto, uma apresentação

Felipe Cremonini é ator, professor e pesquisador. Graduado em Teatro pela UFPel e Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Trabalha na relação entre corpo do ator e tecnologias da imagem. Possui sua trajetória reconhecida com o Prêmio Trajetórias Culturais – Mestra Sirley Amaro (2021) e pela Câmara de Vereadores de Sant’ana do Livramento (2023).

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