A vida cobra

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Por Ana Isabel de Sousa Amorim

A vida ocorre de uma forma engraçada, você a planeja, coloca tudo nos trilhos e, em um belo dia, você simplesmente abandona tudo e vai embora. É como se algo se rompesse dentro de você, como se aquela linha tênue que te mantém viva fosse cortada, finalmente. E eu gostaria de poder dizer que isso não é doloroso, mas é. A vida é dolorosa. Viver mata tudo o que realmente somos.

Eu lembro como as estrelas costumavam significar pra mim, lembro dos seus olhos castanhos me dizendo que quando eu sentisse sua falta bastaria olhar para a estrela mais brilhante, ele estaria lá. Lembro de como horas iguais eram sinal de seu amor por mim, e como borboletas amarelas significavam que ele ainda estava aqui. Quando tudo isso parou de fazer sentido para mim?
Quando eu me tornei a adulta descrente que só segue o fluxo? Que se contenta em fazer parte da multidão? Quando eu olhei para o espelho e parei de me encontrar, ou encontrar quem eu costumava ser? Agora, ele é só mais um cadáver em meio a tantos e eu sou só mais uma pessoa em meio a outras, e eu não sei o que isso faz de mim.

Eu comecei a escrever quando ele partiu, escrever parecia ser a única solução, as palavras pareciam ser tudo o que eu era capaz de dominar, mas, agora, eu me sinto infantil, me sinto como as crianças que cuido escrevendo palavras que não entendo apenas para que elas sejam escritas. E isso dói.
Dói tanto quanto todas as horas que eu passei sem comer pensando que assim eu me tornaria o corpo estampado nas revistas que ele comprava pra mim, dói tanto quanto todos os copos quebrados em mim, quando ela não conseguia controlar o seu próprio mundo. Dói tanto quanto dizer adeus.

Ele não disse que iria doer. Ele não disse que iria partir. Ele não disse que a vida cobra cada ato que cometemos, e que algumas vezes pagamos pelos erros alheios. Ele não disse que as vozes se tornam insuportáveis, que a dor é desesperadora e que a desistência está no meu sangue. Ele não disse que a dor nos fazia esquecer o que é se sentir amada. E, agora, eu sequer sei se algum dia fui realmente amada.

Ele sempre disse que viver é para os fracos, que sobreviver é para os fortes. Mas eu não sei mais, se ele tem razão no que diz. Eu sou uma sobrevivente e não me sinto forte, sinto minhas asas sendo cortadas a cada minuto, sinto meus ombros pesados e o fardo se tornando cada vez pior. Eu sou uma sobrevivente cansada de sobreviver.

Lembro de seus olhos, enquanto me dizia que eu era uma guerreira, que eu vim ao mundo lutando, que exército nenhum poderia me parar. Mas, agora, sem ele aqui, sem a sua esperança, sem as suas memórias, sem o seu amor, eu não sei se sou uma guerreira ou alguém que deu sorte. E eu não sei como voltar atrás. Eu tomei caminhos errados, fiz péssimas escolhas, abandonei coisas que não deveria. Em que parte eu abandonei quem ele me tornou? Eu não sei.

Mas a vida segue cobrando cada passo errado que eu cometi.

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