Ano 08 nº 068/2020 – Crimes de responsabilidade e o presidente da República / Coluna da Taiza
Hoje quero conversar com vocês a respeito da lei que configura o crime de responsabilidade. Ouvimos falar sobre esse termo com certa frequência, desde o impeachment da ex-Presidenta Dilma Rousseff, e agora o tema é discutido novamente devido ao comportamento do atual presidente da república. Então, afinal, o que é crime de responsabilidade?
Em tese, não é um crime, e sim diz respeito a uma conduta ou comportamento no que se refere ao conteúdo político, é então, tipificado e nomeado enquanto crime, ainda que não tenha tal natureza. Nesse caso, o político que venha a cometê-lo, poderá perder o cargo ou, eventualmente, pode ter o exercício de cargo público ou cargo político considerado inelegível. Assim reitera os dados retirados da Agência Senado onde diz que ”A Lei nº 1.079/50 regula o crime de responsabilidade cometido por presidente da República, ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, governadores e secretários de Estado. O crime de responsabilidade dos prefeitos e vereadores é regido pelo Decreto-Lei nº 201/67.”
Assim consta no site do governo, que o crime de responsabilidade é configurado quando o presidente da República atentar contra a constituição, a existência da União, o exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, também do Ministério Público e dos estados, bem como em diversas outras esferas, dos direitos políticos individuais e coletivos, a segurança interna do país, à democracia, a lei orçamentária e o cumprimento da lei de decisões judiciais.
A partir da definição disponível no site do Governo Federal, é possível questionar a conduta do atual presidente Jair Bolsonaro, de acordo com a lei do crime de responsabilidade? A primeira pergunta que pode surgir é a de que se é necessário o presidente implementar alguma ação específica contra as instituições democráticas ou existe a previsão de um crime de responsabilidade que tenha em vista os danos causados pelo discurso de tal chefe de estado?
Na lei 1.079, que tipifica o crime, consta que pode configurar até mesmo quando tal autoridade não se comporta com a dignidade ou o decoro necessário para o exercício de tal função. Dessa forma, se a atuação do chefe de estado for inadequada ao que pede a lei e o cargo, a lei de crime de responsabilidade pode ser julgada pelo Congresso Nacional.Outras previsões na lei mencionam o ato de ameaçar ou hostilizar, que dizem respeito à comportamentos ligados ao discurso verbal, e que também podem ser julgados.
É muito importante essa reflexão, tendo em vista que o discurso de um presidente da República repercute em ações reais do cotidiano, e influem na vida e nas opiniões dos cidadãos brasileiros. Exemplo disso é que Bolsonaro ofende quase que diariamente os jornalistas em exercício de sua função, por outro lado vemos uma crescente grande nos números de profissionais da área sendo agredidos e hostilizados por aqueles que foram afetados pelo discurso do presidente.
Vou citar aqui alguns exemplos em que advogados da OAB apontam onde Jair Bolsonaro, possivelmente, poderia vir a ser responsabilizado dentro da lei de crime de responsabilidade.
Como quando Bolsonaro desautorizou a autoridade de seu Ministro da Saúde, em meio a pandemia, apesar das recomendações de que aglomerações eram terminantemente não aconselhadas, tendo em vista ao grande risco de disseminação do vírus, o presidente ainda assim, além de fazer o chamamento para tais manifestações, ele compareceu a diversas delas, o que culminou na demissão de seu ministro, Luiz Henrique Mandetta. [1]
Desde então, apesar dos crescentes números de infectados pela covid-19, Bolsonaro continuou a atender a diversas manifestações em apoio ao seu governo e também em defesa a questões que afetam diretamente a democracia brasileira, como os pedidos de Intervenção Militar, fechamento do STF e pedidos pelo AI-5, que foi um golpe duríssimo que o Brasil sofreu em 1964. [2]
Em abril, ao participar de uma das diversas manifestações com esse cunho antidemocrático, o presidente afirmou aos manifestantes que estaria presente em tais ações pois acreditava nos apoiadores. [3]
A retórica do presidente, nesses casos, tem efeitos concretos, porque além de autorizar que a população atente contra a democracia, ainda contribui para a disseminação do coronavírus, uma crise sanitária que está tomando lugar no mundo, apontando o Brasil como próximo epicentro da doença.
Agora, buscando na memória atos do chefe de estado que poderia ser configurado enquanto quebra de decoro, portanto, crime de responsabilidade:
– Quem não lembra, em 2019, quanto Bolsonaro publicou em seu twitter e canal oficial, um vídeo pornografico perguntando sobre o que era Golden Shower? [4]
– Quando Bolsonaro afirmou ter conhecimento dos autores do crime contra Fernando Santa Cruz, torturado e assassinado pelos militares durante a Ditadura Militar. Bolsonaro em live afirmou que os assassinos teriam sido os próprios amigos de Fernando, o que não consta em documentos oficiais. Felipe Santa Cruz, que é presidente da OAB e filho de Fernando Santa Cruz entrou com um processo contra o presidente, exigindo provas do que foi afirmado. [5]
– As agressões com cunho sexual que Bolsonaro desferiu contra a jornalista Patrícia Campos Melo, [6]
– Quando Bolsonaro se exime de prestar esclarecimento sobre um dos piores PIB das últimas décadas e em seu lugar mandou um humorista dar bananas para os jornalistas que aguardavam coletiva. [7]
– Entre tantos outros, para finalizar, falando sobre o mais recente, que sob ordem de Bolsonaro, o Ministério da Saúde passou a atrasar e omitir dados da disseminação do coronavírus no Brasil, o presidente chegou a afirmar que a falta de conhecimento sobre os casos seria melhor para o país. O Ministro do STF, Alexandre de Moraes, já emitiu a ordem para que os dados sejam retificados de maneira correta e amplamente divulgados para população e ao jornalismo. [8]
Mas e agora surge uma questão, se existem tantos atos que configuram crime, por que tais atos não são adequadamente julgados e Rodrigo Maia não aceita os tantos pedidos de impeachment já protocolados? Gabriela Prioli, professora de direito e advogada, informa que a resposta é porque o impeachment não depende apenas do juízo se houve ou não crime de responsabilidade, mas que também depende de um juízo político, da natureza de questionar se esse seria o melhor momento para acontecer um impeachment, mesmo que a permanência de tal sujeito no poder possa vir a gerar inúmeros problemas, e isso é apenas dito, visto que, um impeachment é um processo muito delicado dentro do nosso processo democrático.
É preciso que fiquemos atentos a esses discursos, e ao quão nocivos eles são para a democracia e a integridade dos três poderes. O que não podemos é dar munição para essas narrativas, tendo em vista que a figura de Bolsonaro é transitória, a Presidência da República é muito maior do que um homem só.
(Imagem jornal EL PAÍS, abr 2020.)
Fontes:
Gabriela Prioli sobre os crimes de responsabilidade – https://www.youtube.com/watch?v=1eVcAAjsriM&t=225s
Taiza da Hora Fonseca é Acadêmica do curso de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Federal do Pampa, fez parte do Diretório Acadêmico de Letras no período de 2015 a 2017 e participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) no período de 2016 a 2018. Atualmente faz parte do PET – Programa de Educação Tutorial e seus interesses são: Temas Transversais, Política e Movimentos Sociais, Literatura, Poesia e Arte.