Ano 03 Nº 014/2015 – Um ode às culturas esquecidas

Quando pensamos na formação de uma cidade, de um estado ou de um país, principalmente como o Brasil, sempre nos lembramos da influência e da colonização de portugueses, espanhois, alemães, italianos, e assim por diante. Nada contra estes países, mas dá pra perceber que todos eles têm uma coisa em comum: são da Europa. Muito pouco ainda se fala na participação dos negros e indígenas na nossa cultura.

Assim como os negros e negras, em pleno 2015, ainda são associad@s com a escravidão e os índios e índias são vistos ainda como pessoas que andam nuas, não poderia ser diferente a visão de quem está de fora do sul do sul. As pessoas no resto do país normalmente associam o Rio Grande do Sul à pessoas loiras e descendentes de euroupeus, todas pilchadas e andando a cavalo. Quando nós, gaúchos e gaúchas metropolitanas ouvimos esse tipo de coisa, ficamos pensando que o resto do país deveria ter uma visão mais real de nós e, principalmente de nossa cultura, que não se resume só a polenta e a oktoberfest. Como saber, por exemplo, que nem todas as cidades aqui no RS são Gramados da vida.

Uma coisa que pouquíssimo se fala é da grande presença da cultura negra e indígena no RS. Sim, pasmem. Nem os próprios rio grandenses sabem disso, mas aqui há muita influência do candombe, batuques e tambores. Isso é tri legal. Aqui na região da fronteira, assim como no Uruguai e Argentina, foi onde os escravos inventaram o tambor de sopapo, um instrumento feito de madeira e couro de cavalo que tinha o som muito grave. Há a lenda de que quando a peste dos gafanhotos se aproximava das plantações, os senhores de escravos puniam-os, dizendo que era sua culpa por seguirem uma religião diferente da católica. Para se livrar das punições, os escravos utilizavam-se desse tambor para imitar o som de trovões e tempestades. Quando os bichinhos ouviam esse barulho, se afastavam.

Tambor de sopapo, apresentado por Richard Serraria no evento “Tambor, canção e poesia”, dias 19 e e 20 de agosto. Foto: Mariane Rocha


Essa lenda, assim como muitas outras, quase se perdem ao longo do tempo, já que a cultura negra, assim como a indígena e cigana, ainda utilizam-se muito da transmissão oral de suas histórias. Por ser oral, muita coisa se perde e, por não ser vista ainda como importante na formação do estado em que vivemos, acaba não sendo lembrada quando investiga-se a história e culturas gaúchas. Um dica muito legal de projeto de extensão ou até mesmo de TCC pra quem curte o assunto e pesquisar sobre isso. Não podemos deixar que essa cultura se perca e nem que as diferentes culturas que existem dentro do RS sejam apagadas em detrimento de outras.

Falando em culturas esquecidas, em povo negro, indígena e cigano, é impossível não lembrar que normalmente essas pessoas acabam sendo escanteadas do centro da cidade e jogadas para a periferia. Aqui em Bagé, por exemplo, existe um bairro que é fruto de uma ocupação. O bairro foi pensado para ser um tipo de “condomínio” que acabou não dando certo e ficou dois anos parado. Vendo as casas paradas e se deteriorando e não tendo onde morar, um grupo de pessoas – não por coincidência muitas delas negras – se juntaram em um movimento e ocuparam o bairro. Isso já fazem mais de vinte anos.

Hoje em dia as casas já estão todas quitadas, mas óbvio que o bairro ficou com uma fama de perigoso e de abrigar “apenas gente que não quer trabalhar” que dura até hoje. O interessante é que os moradores do bairro afirmam que é um dos lugares mais tranquilos para se viver. Por antes terem sido muito pobres, essas pessoas ligaram-se umas às outras de uma forma muito profunda, tanto que se consideram uma grande família. Isso fez com que lá se instaurasse uma política de intervenção, onde as pessoas intervém quando vêem que está ocorrendo alguma coisa estranha – como agressões entre casais, por exemplo – na casa umas das outras. O interessante disso tudo é que, por ser um bairro bastante afastado do centro, as pessoas que nunca foram lá alegam ter medo e etc. sem nunca terem conhecido ou pisado no bairro. Irônico, não? Duvido muito que o caso de favelas e periferias de outras cidades não se assemelhe muito a essa história. O legal disso tudo e que precisamos de poucos dias de convivência pra aprender esse monte de coisa. A lição que se pode tirar é: não julguemos pelo senso comum, procuremos mais a fundo antes de afirmar algo.

Mesa redonda de discussão sobre patrimônio, na Semana do Patrmônio de Bagé. Foto: João Vicente de Oliveira

Tá, mas o que isso tem a ver com o Junipampa? Esse jornal é um lugar de pluralidade, queremos ver histórias como essa. Já deu de se falar sobre assuntos que todo mundo conhece, né?! Essas e outras importantes discussões aconteceram em Bagé na última semana: Richard Serraria, importante nome da música afro-gaucha, palestrou sobre a invisibilização da memória negra no Rio Grande do Sul, em um evento promovido pelo Ponto de Cultura Pampa sem Fronteiras; e na semana do Patrimônio, a Casa de Cultura Pedro Wayne sediou uma importante conversa sobre a preservação do patrimônio material e imaterial na cidade de Bagé, que ainda estará aberta até quinta.

Escrito por Emili Peruzzo e Mariane Rocha, bolsistas do Laboratório de Leitura e Produção Textual.

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