Ano 05 nº 078/2017 – Sobre vida e suicídio. De: alguém que nunca esperou viver muito.
Autor: Jane
Quando escrever esse texto me veio à cabeça, pensei em diversos títulos, muitos dos quais incluíam especificamente “Setembro amarelo”. Pensei, pensei e pensei até que percebi que a campanha Setembro Amarelo em realidade foi só o gatilho, mas não a “bala” dessa escrita. A bala é outra, ela é o fato de que, desde sempre, eu não espero viver muito (tempo). Dia desses (não era setembro) o post de uma amiga próxima sobre o Setembro Amarelo me fez lembrar desse fato. Eu sei ele, eu sinto ele, eu vivo ele diariamente desde que me entendo por gente, eu sonho ele, mas esse post dessa amiga me fez lembrar dele, me fez realmente pensar sobre isso.
Nunca havia parado para pensar como chocante o fato de que penso em suicídio desde a infância, ou que também desde a infância eu já tinha planos sobre isso, com que idade seria meu “máximo”, entre outras coisas… Isso até que contei para uma amiga e ela pareceu surpresa e perturbada. Eu nunca achei que fosse normal, mas também nunca achei que despertaria reação de tamanho choque. Eu cheguei a contar parte dessa história para algumas pessoas. Foram raras, mas em sua maioria não pareceram achar nada demais, não considerar importante. Então, concluí que não era nada demais mesmo. A surpresa dessa amiga foi a primeira vez que realmente percebi isso como algo que merecia maior atenção. Eu tenho vivido com isso desde criança, assim como sentimentos de tristeza constante, sensação de culpa, vazio, baixa autoestima, ansiedade, sensação de inferioridade, paranoias, e por aí vai. E só atualmente procurei ajuda profissional (a que pude). Nunca parei, no entanto, para refletir que sentimentos como esses fizeram parte de toda minha construção como pessoa. Isso leva a fatos curiosos, como o de que coisas ruins sequer percebo como ruins, elas são simplesmente coisas porque estão embutidas no meu pacote de “normal” já que sempre estiveram lá. Os pensamentos suicidas são uma dessas coisas.
Como penetras em uma cidade sem festa, eles vêm por qualquer motivo ou sem motivo nenhum. E isso inclui os dias bons. Como hoje, em que escrevo esse texto. A diferença é que nos dias bons, eles são apenas um pensamento, lá no fundo, escondido e sem tanta força. Nos ruins, eles são um convite. Nas duas vezes que realmente planejei suicídio e não consegui por não conseguir ir até o fim, eles foram uma ordem. Mais do que isso, uma necessidade.
Por muito, muito tempo eu me isolei do mundo por me sentir assim e vez ou outra ainda me isolo. Atualmente, no entanto, antes que venha a curiosidade, sim, eu tenho amigos, eu tenho família, eu estudo, eu ganho um pouco de dinheiro que dá para pouca coisa, mas dá para o suficiente. Eu saio de casa, eu pego sol, eu vou para a praça tomar mate com amigos, eu faço parte de projetos, eu tenho hobbies. Eu amo música. Intensamente. Eu sou uma pessoa, como tantas outras que você vê por aí, na rua, em um bar ou comendo lanche. Eu amo pessoas e pessoas me amam. Eu sou grata por elas e sei que elas são por mim. Sim, muitas vezes me sinto um saco na vida delas, mas, não, eu não acho que a vida delas seria melhor sem mim, assim como a minha jamais seria melhor sem elas.
Dia desses eu li um comentário que dizia que pessoas que se matam sem ter ninguém é diferente de pessoas que se matam tendo quem lhe ame, o comentário concluía que essas segundas são egoístas e ingratas. E eu discordo. Suicídio nada tem a ver com egoísmo ou ingratidão. Isso porque egoísmo e ingratidão são coisas que escolhemos praticar, o sofrimento que envolve desejar morrer, e o desespero que envolve tentar suicídio, não. Jamais é uma escolha. Para mim, sempre foi um fato e nunca tive nenhum controle sobre isso. O máximo que posso é lutar contra. E isso eu faço. Todos aqueles que vivem isso, fazem.
E talvez você se pergunte, por que fazendo tudo que falei anteriormente eu ainda penso em suicídio. O fato é que se eu não fizesse nada disso, você diria que o problema é que não faço nada que me motive e por isso eu penso nisso. Mas respondendo à sua pergunta inicial, eu não sei. Parte da resposta certamente está associada à depressão, a outra parte não sei ao certo. Porque quando falo que penso em suicídio não significa que deliberadamente ponho esses pensamentos na mente. Mais do que pensamentos, pra mim, eles são presenças constantes. Você pode construir estratégias para lidar com eles, mas não são algo que você consegue parar, pelo menos não no meu caso. Eu cresci com eles, quase como irmãos ou amigos que crescem juntos. Mas nesse caso não são uma boa irmandade. Eu sou grata por tudo que tenho, e se soubesse como meu coração se enche por coisas bobas, ficaria surpresa (o). Mesmo assim, a dor está lá, o desespero está lá, a sensação de que algo em mim nasceu estragado está lá. Eu não controlo isso. E, acredite, se tem algo que faço é me esforçar para não deixar isso me dominar.
Hoje eu tinha que sair, mas fiquei deitada 2 horas além do que devia porque simplesmente não conseguia levantar da cama. Não foi uma escolha. Imagine um peso em cima de você, uma nuvem cinza na sua cabeça, imagine não ter energia nem pra trocar de posição na cama ou mover os cobertores do rosto para respirar melhor. Não é uma escolha. Semanas atrás chorei descontroladamente por horas, até o rosto inchar e me render uma dor de cabeça que durou dois dias. Não é uma escolha. Semana passada peguei ônibus mesmo querendo ir a pé pra casa porque eu me sinto tão feia em aparência que evito andar em público em dias ruins. Me sentir assim não é uma escolha. Há dias, e eles são muitos, e foram eles que ocuparam pelo menos 60% de toda minha vida, em que eu não sinto nada, eu sou uma coisa… vazia. E, acredite em mim, esses dias podem ser piores que os dias de dor. Esses dias também não são uma escolha.
Outras coisas, no entanto, eu escolhi. Eu escolhi estudar. Eu escolhi tentar ser a melhor amiga que puder para meus amigos. Escolhi demonstrar mais que me importo com quem me importo. Escolhi não desistir da faculdade. Escolhi incentivar alguém que amo a estudar outra língua depois de anos sem estudar. Escolhi procurar trabalho antes de terminar o ano, pois preciso construir uma vida, morar sozinha enfim. Isso foram coisas que escolhi.
Dia desses eu cheguei à conclusão que na esmagadora parte do tempo viver é uma obrigação para mim. Talvez soe estranho, mas é basicamente isso. Eu não amo viver, eu me obrigo a viver. Pelas pessoas que amo, por curiosidade do que pode acontecer no futuro, mas principalmente por quem amo. Eu sei que meu suicídio teria grande impacto em suas vidas e eu não quero que passem por isso. Mas se um dia acontecer, e minha luta diária é para que não, espero que saibam que tudo que vivi e todas as melhores coisas que vivi terão sido em muito por elas.
Por agora, eu escrevo, e faço um monte de outras coisas. Eu acordo todo dia e levanto todo dia, nem que seja só para ir ao banheiro e passar o resto dele na cama. Eu sei que nunca sei se vou estar vazia, tendo crises de choro ou se simplesmente vou estar bem. Não sei como vai ser nem amanhã, nem mês que vem, nem daqui a um ou 10 anos. Eu nunca sei. E acho que prefiro não saber. Lembra que falei que além das pessoas que amo, a curiosidade também me motiva a continuar viva? Pois bem. Dia após dia, assim eu vou, enchendo tudo de pontos de interrogação. E vou me mantendo viva. Um dia mais.
Lindo texto. Me conectei em diversas partes. Estamos na mesma luta. Espero que sigamos vencendo. <3