Ritmo e poesia nas disputas de narrativas

Por Andresa Cristina Xavier de Souza

Primeiramente licença pra chegar. Esse texto é sobre Ritmo e Poesia (RAP), um dos elementos que compõem o movimento Hip Hop (que fez 50 anos esse ano) junto com break e grafite, além dos DJs e MCs. Moraes (2019) registra que “apesar de uma semelhança quanto aos elementos que o compõem (rap, break e grafite), o Hip Hop é constituído de diferentes formas políticas e organizativas que versam sobre assuntos variados e muitas vezes antagônicos politicamente”. Aqui, hip hop será compreendido como movimento plural cultural e político contra opressão colonial de marginalização sistêmica.

“O rap é compromisso, não é viagem

Se pá fica esquisito, aqui, Sabotage

Favela do Canão, ali na Zona Sul

Sim, Brooklin” 

(Sabotage – O Rap é compromisso)

Fonte: Freepic (2023).

O universo envolvendo RAP possibilita a existência de relações que questionam a homogeneização cultural imposta pelo colonialismo, além de contribuir para conscientização e educação a partir de lugares plurais. Artistas como Zudizilla, Rap Plus Size, Monna Brutal, Sé da Rua, Djonga, Tasha e Tracie, Rincon Sapiência, para registrar alguns exemplos, expõem questões fundamentais existentes na colonialidade/modernidade expondo, muitas vezes, como estão presentes os “carregos modernos ocidental” (RUFINO, 2019) no nosso cotidiano.

A colonialidade pode ser compreendida como “uma dimensão simbólica do colonialismo que mantém as relações de poder que se desprenderam da prática e dos discursos sustentados pelos colonizadores para manter a exploração dos povos colonizados” (TONIAL; MAHEIRIE; GARCIA , 2017). 

“O mundo tem que melhorar

Eu já mudei minha percepção

Agora eu sou preta demais

Mas, não na sua conotação”

(Tássia Reis – Preta D+)

 Nesse sentido, RAP é pensado como ferramenta de disputa de narrativa pois tem sido fundamental para inverter a lógica reproduzida na colonialidade e colocar em xeque valores que muitas vezes não chegam a ser questionados. A exemplo, na canção “Languëmchefe” do álbum “Newen” de Brisa Flow, a artista, através da narrativa, faz referência ao período colonial e à política de violência adotada como repressão, muitas vezes naturalizada em nossa sociedade.

“Vi de longe você chegar em seu grande barco

Depois em cavalo, pela terra

Vi de longe você chegar, matando meu povo

Escravizando outro, fogo contra flecha

Vi de longe você chegar em tanques de guerra

Fogo en la moneda, no mapocho corpos

Vi de perto você chegar

Sirenes vermelhas na comunidade, anunciando mortos”

 (Brisa Flow – Newen (Intro))

Nas mesmas periferias que são vítimas da violência policial, nas margens da cidade, emergem ritmos e poesias que subvertem valores individualistas do capital e pensam o coletivo, a partir de variadas formas de organização. 

“Menos presídios, mais escolas

Mais livros e menos pistolas

Ou seremos Zé do Caroço ou vamos todos puxar carroça

Quem mandou matar Marielle?

São quatro anos sem respostas

O sistema sorri, favela chora, querem apagar nossa história

Aos antepassados, glórias, glórias

E atravessando as águas igual Harriet, cantaremos nossa vitória

Porque a favela quer viver

A favela quer viver

A favela quer viver

Mas a burguesia não se importa”

(Leci Brandão – Favela vive 5)

Para finalizar, e na tentativa de aproximar as discussões, em Bagé, geralmente aos domingos, ocorre a “Batalha do Brete”, na Praça Esporte. Nesse contexto, além dos jurados, o público ajuda definir qual MC passa para as próximas fases a partir de seu desempenho na batalha de rima. A “Batalha do Brete”, tem sido espaço de expressões e resistências culturais e políticas, além de promover por meio do RAP que a cidade seja representada em outros espaços disputando também as competições regionais. 

“Eles vêm/veem a roda cultural

Acha que é gang

Vêm/veem o brete crescer 

Acha que é gang 

Vêm/veem os pretos crescer

Acha que é gang…”

 (versos aprendidos na Batalha do Brete)

REFERÊNCIAS 

FREEPIK. Adesivos coloridos de hip hop ingênuo. [S. l.]: Freepik, 2023. Disponível em: https://br.freepik.com/vetores-gratis/adesivos-coloridos-de-hip-hop-ingenuo_15537951.htm#page=8&query=rap&position=45&from_view=search&track=sph. Acesso em: 15 set. 2023.

MORAES, Flávio Henrique. A voz decolonial do RAP Nacional. 2021. 241 p.  Tese (Doutorado em Linguística). Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/15210/A%20VOZ%20DECOLONIAL%20DO%20RAP%20NACIONAL.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso: 15 set. 2023.

RUFINO, Luis. Pedagogias da encruzilhada: Exu como educação. Revista Exitus, Santarém – PA, v. 9, n. 4, p. 262 – 289, out./dez. 2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/336203093_Pedagogia_das_encruzilhadas_Exu_como_Educacao. Acesso em: 15 set. 2023.

TONIAL Felipe Augusto Leques ; MAHEIRIE, Kátia; GARCIA JÚNIOR, Carlos Alberto Severo.  A resistência à colonialidade: definições e fronteiras. Revista de Psicologia da UNESP, São Paulo, v. 16, n. 1, 2017. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/revpsico/v16n1/v16n1a02.pdf. Acesso em: 15 set. 2023.

Andresa Cristina Xavier de Souza, 28 anos, natural de Guarulhos – SP, reside em Bagé – RS desde de 2016. Graduada em licenciatura em letras línguas adicionais, discente do mestrado acadêmico em ensino (MAE) e discente do curso de licenciatura em música, cria da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Membro do Núcleo de Estudos Afro Brasileiro e Indígena (NEABI) Oliveira Silveira desde a criação do grupo e membro do movimento Enegrece.

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