Ano 01 Nº 001/2013 – Por que quadrinhos?

ppRodrigo Borges de Faveri.

Universidade Federal do Pampa.

Rede de Estudos de Narrativas Gráficas.

Campus Bagé

 

O que são quadrinhos? A linguagem (deveria dizer textualidade) dos quadrinhos; Os quadrinhos e a leitura (como se lê o texto multimodal escrito na linguagem dos quadrinhos?); Os quadrinhos e a interpretação do mundo (?); Os quadrinhos no Brasil e no mundo.

Para alguns, a pergunta “por que quadrinhos?”, pode parecer sem sentido. Como exemplo de perguntas um pouco mais significativas, podemos ter: por que ler quadrinhos? por que estudar quadrinhos? Outros podem querer ir um pouco além e devolver a pergunta: por que perguntar, afinal, por que ler ou estudar quadrinhos? Estes alegariam que a resposta é evidente ou óbvia. Contudo, a evidência ou obviedade da resposta nem sempre garante sua boa qualidade. Mas admito que a indagação a respeito dos quadrinhos possa parecer estranha a alguns, pois não poderíamos deixar de lado a ideia de que estudar quadrinhos possa parecer algo sem sentido 
de os quadrinhos circularem entre nós seja motivo suficiente para que sejam lidos, ainda assim, não parece fazer sentido que sejam estudados.

Os quadrinhos são um tipo de texto apropriado a uma determinada forma de expressão narrativa. Reproduzem-se em uma série de gêneros de característica multimodal, ou seja, sua textualidade pode depender de uma série de autores trabalhando em conjunto, de uma série de procedimentos, e de uma série de “modos de expressão” (daí, modalidades). É assim que se constrói o texto dos quadrinhos, como um texto que faz uso de determinadas modalidades semióticas e as combina de maneira apropriada ao gênero específico que representa.

Exemplos de modalidade nos quadrinhos são, principalmente, de três tipos e todas contribuem, em combinações variadas, na construção narrativa do texto dos quadrinhos. São elas: 1. Modalidades de nível linguístico [assumem, principalmente, a forma de diálogos (nos balões) e texto narrativo (nas legendas)]; 2. Modalidades de nível gráfico-imagético [cores, traço, linhas de expressão e de movimento, balões, moldura, grau de representação (realista, caricato, antropomórfico), forma e modo de organização (composição) dos painéis]; 3. Modalidades de nível intermediário [onomatopeias, ‘sinalização’, simbologia/iconografia].

Os quadrinhos, enquanto artefato cultural, são um tipo de produto artístico com ampla função comunicativa. Isso quer dizer que os quadrinhos, por serem um tipo de arte popular produzida pela indústria cultural de massa, e por terem iniciado e permanecido, até hoje, de várias maneiras, vinculados aos meios de comunicação impressos (e digitais), — deveria dizer, editoriais – também de massa, se caracterizam, assim, como um produto artístico com função de comunicação de massa – promovendo a circulação de valores simbólicos na forma de mercado editorial, vendas, práticas da leitura. Curiosamente, o desenvolvimento deste contexto sócio cultural editorial (impulsionado pelas tecnologias de comunicação e de reprodução) levou os quadrinhos (parte deles, deveria dizer) a darem seu primeiro passo para se tornarem independentes de veículos de comunicação de massa como os jornais e outros periódicos, e a definirem e reivindicarem seu espaço enquanto forma autônoma de expressão narrativa.

Em alguns contextos, os quadrinhos começam a ter sua legitimidade reconhecida. Quadrinhos são um tipo de leitura, mas não são necessariamente um tipo de literatura. Isso não quer dizer que não possam ser vistos como literatura, alguns os enxergam como para-literatura, seja o que isso for. Alguns acontecimentos, promovidos principalmente da parte dos meios acadêmicos e do mercado, evidenciam, por exemplo, a formação de um cânone para os quadrinhos. Historicamente, o desenvolvimento das novelas gráficas, um dos gêneros/tipos de quadrinhos, atesta que estes continuam sua trajetória e a se desenvolver, no mundo todo.

Os quadrinhos servem para a construção de uma interpretação do mundo? Sim, claro que sim, mas também, não necessariamente. Eles fazem uso de uma forma de representação caricatural da realidade. Como qualquer tipo de leitura os quadrinhos também podem ser lidos a partir de seus vários níveis de significação. Podem ser lidos como puro passatempo e diversão, pela apreciação de belos desenhos, uma história envolvente e bom acabamento gráfico. Os quadrinhos estabelecem e constituem uma cultura, são um sistema sócio cultural de circulação de signos, organizados sob os mais variados regimes semióticos, de acordo com suas modalidades de expressão narrativa e de organização textual. Não importa como se chamem, secomics, bandedessinée, historietas, fumetti, manga etc.

No Brasil, a inclusão dos quadrinhos em contextos escolares parece querer resolver o problema da falta de uma cultura de letramento forte e, ao mesmo tempo, redimir todas as investidas contra os quadrinhos ao longo da sua história. Na próxima edição desta coluna: os quadrinhos na escola e mais perseguição aos quadrinhos, os movimentos de moralização, censura, formas de autoproteção etc.

 

 

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