Livros são armas perigosas / Coluna da Taiza

Por Taiza Fonseca

Livros são armas perigosas, principalmente para aqueles que sabem que quanto mais conhecimento uma sociedade adquire mais organizada contra as injustiças sociais ela é.

E é dentro dessas concepções que o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, se alinha, ao tentar censurar um livro na Bienal do Livro da cidade, no dia 06/09/2019. O livro em questão é uma História em Quadrinhos da Marvel, na qual dois super-heróis trocam afeto. Um dia antes do início do evento, o prefeito publicou um vídeo em seu Twitter, solicitando que o livro fosse retirado das prateleiras do evento, pois ele seria impróprio por conta do seu conteúdo ”sexual”. Esse pedido foi negado pela organização do evento. A resposta imediata do político foi desferir uma ação da prefeitura no primeiro dia do evento, fazendo uma busca por livros que poderiam ser considerados impróprios, com conteúdo pornográfico (sic) e, principalmente, onde apresentasse a temática LGBTQ+ [1]

(O beijo. A cruzada das Crianças, Marvel, 2012 de Allan Heinberg)

Entretanto, nenhum material foi recolhido, visto que a HQ dos Vingadores já havia sido esgotada em menos de duas horas de evento.

A história não acaba por aí, na noite da sexta-feira (dia 6 de setembro), a justiça do Rio de Janeiro concedeu uma liminar que impedia que as autoridades do município apreendessem obras literárias na Bienal do Livro, porém, no sábado (dia 7 de setembro), o presidente do Tribunal de Justiça, Claudio de Mello Tavares, concedeu uma liminar em favor à Prefeitura do Rio. Eliminando a decisão anterior, determina-se então que obras que ilustram a temática LGBTQ+ atentam contra o Estatuto da Criança e do Adolescente, e devem ser comercializadas em embalagens lacradas, com advertência sobre o seu conteúdo. [2]

A censura desferida pelo prefeito Marcelo Crivella não tem respaldo na lei, e também fere uma decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2011, que reconhece a união estável de casais homossexuais. Ao tentar proibir a distribuição de um livro ou tentar lacrá-lo como impróprio, porque em seu conteúdo um casal homoafetivo troca afeto e beijos, é sem dúvida alguma um ato homofóbico. Mais uma vez, o conservadorismo tentando dizer que pessoas LGBTQ+ são inadequadas. Enquanto isso, na literatura, cinematografia, TV, propagandas temos casais heterossexuais trocando afeto, inclusive, nos livros infantis, e esses não são vistos como impróprios, visto que a heterossexualidade está dentro dos padrões que são impostos pela sociedade. 

Em contrapartida a essa censura imprópria, o youtuber Felipe Neto comprou 14 mil livros com a temática LGBTQ+ e distribuiu gratuitamente na Bienal. A distribuição foi feita de acordo com as medidas solicitadas pela prefeitura do Rio de Janeiro, lacrado e com o aviso de seu conteúdo [3]:

(Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas. Distribuição de livros com temática LGBTQ+ na Bienal)

A censura já fez parte da nossa história, na Ditadura Militar. A literatura, a arte, o cinema e toda manifestação que pudesse vir a politizar os cidadãos e denunciar as mazelas do regime foram censurados, e em muitos casos, a censura se manifestou em forma de tortura e assassinato [4]. A censura foi e continua sendo perseguição e é por isso que a literatura é uma ferramenta perigosa, pois a aquisição de conhecimento desperta a consciência, ela humaniza e abre os olhos para os problemas sociais. Quanto mais conhecimento uma sociedade tem sobre sua história melhor organizada ela é, quanto mais lemos, mais questionamos. E é isso que amedronta quem está no poder, pois, quanto mais conhecemos os fatos ocorridos passado, menos corremos o risco de vivenciá-lo novamente.

O ocorrido na Bienal me preocupa, pois o aparato do estado está sendo utilizado para discriminar pessoas que são assassinadas diariamente no Brasil. Valores conservadores e religiosos não podem se opor à organização da nossa democracia, dentro das concepções do Estado Laico. Atitudes como a de Marcelo Crivella, estão intimamente ligadas a sua ideologia religiosa, e essas amarras prejudicam diretamente o poder do Estado e as vidas das pessoas LGBTQ+. Os índices de violência contra as pessoas LGBTQ+ aumentam a cada ano, e essa é mais  uma forma de violência que incita mais violência. Ninguém é inadequado pelo simples fato de amar.

LEIA COM ORGULHO! Faço minha lista de indicação de livros incríveis com a temática LGBTQ+ para serem lidos:

Não existe amor errado, de Aharom Avelino, Editora Metanoia

Dois garotos se beijando, de David Levithan, Galera Record

As vantagens de ser invisível, de Stephen Chbosky, Editora Rocco

Amor entre meninas, de Shirley Souza, Panda Book

Com amor, Simon, de Becky Albertalli

O terceiro travesseiro, de Nelson Luiz de Carvalho

A garota dinamarquesa, de David Ebershoff

Amora, da Natalia Borges Polesso (Em particular, meu favorito!)

[1] https://oglobo.globo.com/cultura/funcionarios-da-prefeitura-fazem-vistoria-na-bienal-do-livro-em-busca-de-material-improprio-23931567

[2] https://revistaforum.com.br/politica/celso-de-mello-do-stf-sobre-censura-a-livros-na-bienal-do-rio-um-novo-e-sombrio-tempo-se-anuncia/

[3] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/09/07/livros-com-tematica-lgbt-comprados-por-felipe-neto-sao-distribuidos-na-bienal.ghtml

[4] http://memoriasdaditadura.org.br/repressao/

Taiza da Hora Fonseca é Acadêmica do curso de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Federal do Pampa, fez parte do Diretório Acadêmico de Letras no período de 2015 a 2017 e participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) no período de 2016 a 2018. Atualmente faz parte do Movimento Estudantil da Universidade e seus interesses são: Temas Transversais, Política e Movimentos Sociais, Literatura, Poesia e Arte.