Ano 04 nº 016/2016 – Construir é mais demorado do que desmontar…
Maria Inêz Probst Lucena – UFSC
Conheci a Unipampa em fins de 2013. Durante três dias, em meio a palestras, oficinas e participação na apresentação de trabalhos finais de alunos e alunas do curso de letras, o trabalho e o ânimo de professores, professoras e estudantes me entusiasmaram! O prédio do campus de Bagé, isolado no meio do campo, acessado por estrada de terra batida, circundado por bois e vacas, que pacientemente se moviam, contrastava com a pressa acadêmica e com a energia que ali vigorava. Esse campus é um dos dez campi espalhados em outros municípios da região, construídos com a intenção de abrigar alunos/as da região sul do Rio Grande do Sul. A minha visita à Universidade Federal do Pampa aconteceu sete anos após a sua instalação e escutei muitos relatos sobre os reflexos da sua presença na economia e no desenvolvimento econômico e cultural da região. Com cursos de graduação, de pós-graduação, centenas de cursos de extensão, a Unipampa inseriu centenas e centenas de trabalhadores no mercado de trabalho, numa zona rural, com poucas perspectivas de emprego. Lembro da minha conversa, na ocasião, com o motorista (o qual chamarei aqui de João) que me conduziu ao campus. No trajeto, conversamos sobre as eleições do próximo ano (no caso, 2014) e sobre a reeleição, ou não, de Dilma Rousseff. Para João, espaço para dúvida, na sua família, não havia. Nunca antes na história daqueles pampas, disse-me ele, tanto emprego e gente estudando havia. Ele, por sua vez, não pode estudar. Mas agora, enfatizava, com a voz forte: “Só não estuda quem não quer”! Na continuação de sua análise, João me falou da sua constatação em relação ao desenvolvimento da cidade que veio no reboque da implantação da universidade. Segundo ele, nunca antes Bagé tinha tido tantos restaurantes, tantos lugares com gente lendo, tanta gente fazendo ‘coisas’, tanta gente construindo casas…. Como relatou-me, ao final, a construção de tudo aquilo não foi fácil e por isso, segundo ele, a vida, dali para adiante seria muito diferente e melhor… João só não lembrou que para muitos, todo esse projeto poderia incomodar mais do que agradar e para tanto, melhor seria desmontar….
Foto: Clara Dornelles
Construir é mais demorado do que desmontar…Lembro que li esta frase em um artigo há alguns anos, cujo autor não lembro o nome, mas lembro que se referia ao desmonte que as universidades sofreram na década de noventa e no avanço que tiveram nos anos 2000. Hoje, diante de tamanha crise política, social e cultural pela qual passamos, a expressão retorna à minha mente aflita, enquanto assistimos apreensivos e indignados as primeiras medidas tomadas por um governo ilegítimo e imoral que põe em risco amplas e concretas conquistas no ensino público brasileiro.
Sim, construir é bem mais demorado do que desmontar….
Foram construídos nesses últimos 14 anos, nos quatro cantos de um país de território tão vasto, centenas de unidades de ensino que trouxeram esperança e dignidade para espaços e gentes esquecidas durante décadas. Foi produzido um processo de expansão nas universidades federais e em institutos federais que mudaram a realidade, neste Brasil afora, de milhares e milhares de jovens, fadados, antes disso, ao isolamento espacial e cultural dos centros urbanos. Aliado à presença dessas instituições nos locais mais longínquos do país, onde jovens teriam pouca ou nenhuma possibilidade de estudar em metrópoles distantes, o sistema de cotas para negros e negras e para alunos e alunas provenientes das escolas públicas tornou-se um dos maiores e mais justos sistemas de ingresso no ensino superior. Sem dúvida, algo muito difícil de ser construído! Esse processo de expansão e de criação de universidades, juntamente com as cotas, fez com que o ensino fosse democratizado e acessado pelo povo a quem é de direito e não somente a uma elite branca, classe média e urbana. A diversidade tomou conta dos cenários universitários, colorindo-os e trazendo para dentro deles a identidade do povo brasileiro.
Sim, construir é bem mais demorado do que desmontar…
As políticas públicas e efetivas construídas durante anos podem por em risco o empenho de servidores e de servidoras, técnicos/as e docentes da Unipampa. A continuidade de projetos, de cursos, de iniciativas que envolvem milhares de recém inseridos, de fato, em ensino público superior, de qualidade, está ameaçada por um ministério que aposta na privatização da educação e que inicia com a noticia de cortes para o setor.
Sofremos todos, por parte de uma classe política conservadora e retrógrada, uma tentativa de desmonte! Temos que lidar com um projeto de Brasil com o qual não concordamos. Além de tudo, temos que lutar contra a mídia conservadora que emite preconceitos, estimula o descaso com a educação e difunde inverdades, tentando silenciar movimentos de resistência ao projeto Ponte para o Futuro, apresentado pelo governo ilegítimo.
Por outro lado, ganhamos todos, especialmente pelo esforço de jovens, uma construção inovadora! As ocupações, atos legítimos e corajosos dos secundaristas e agora também de professores/as e alunos/as das instituições superiores demonstram que os protagonistas não estão dormindo. A ocupação tornou-se uma das saídas criativas e corajosas de indivíduos, cujas vozes tem sido silenciada pela grande imprensa. Os cortes anunciados de quase 44% do orçamento da Unipampa causarão danos imensuráveis para toda uma região que agrega uma diversidade rica, intensificada pela dinamicidade territorial da fronteira e afetarão o cotidiano de uma população que já tinha se acostumado, nesses dez anos, a enxergar o mundo com dignidade e com as melhores perspectivas de futuro. A construção, as conquistas, o respeito e os ganhos foram demorados e o desmonte pode ser rápido….em um plano ágil, o novo e ilegítimo governo estipula, no projeto que está em curso, a precarização do ensino público. Ao negar a vinculação constitucional, os articuladores golpistas desvinculam a obrigação do Estado em repassar uma porcentagem para a educação pública. As consequências serão a falta de recursos para os projetos, para a contratação de servidores e docentes e a falta de materiais para a pesquisa.
O desmonte é rápido, mas nossa construção pode ser mais forte! Afinal, construir é mais demorado do que que desmontar, mas resistir é muito mais duradouro do que se entregar. Apoio total e com muito orgulho aos estudantes e colegas da Unipampa pela resistência e pela luta! Estamos juntos!