Ano 08 nº 024/2020 – Breve análise de Morro dos Ventos Uivantes

quotes morro 3O afamado clássico de Emily Brontë: breve análise descritiva com spoilers moderados de O Morro dos Ventos Uivantes

“[…]ele nunca saberá como eu o amo; e não é por ele ser bonito, Nelly, mas por ser mais parecido comigo do que eu própria. Seja qual for a matéria de que as nossas almas são feitas, a minha e a dele são iguais […]” (p. 83).

Procrastinei a leitura de O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights, 1847) por alguns anos. Minha primeira tentativa de lê-lo ocorreu no “remoto” ano de 2015, quando “aluguei” um exemplar da obra na biblioteca de minha Universidade. Li mais ou menos umas 50 e poucas páginas na época. Devolvi o livro à biblioteca, seja em razão das incontáveis tarefas universitárias, medo de multas por atraso de renovação ou simplesmente pelo fato que o pouco que li não saciou minhas elevadas expectativas, pois passei a vida ouvindo os mais variados tipos de elogios rasgados à obra máxima de Emily Brontë. Porém, no final de 2018, resolvi retomar essa leitura, lendo integralmente o livro através de meio digital.

O Morro dos Ventos Uivantes é narrado por Ellen Dean (ou Nelly), governanta da Granja da Cruz dos Tordos ao seu momentaneamente patrão doente, Sr. Lockwood. Dean relata a ele a história da família Earnshaw e como a mesma foi afetada por gerações após a adoção de um menino, aparentemente de etnia cigana, por Sr. Hareton Earnshaw quando este realizava uma viagem. Dono de uma propriedade antiguíssima, casado com Sra. Earnshaw, pai de duas crianças, Hindley e Catherine, o velho Earnshaw resolve chamar seu filho adotivo de Heathcliff, desenvolvendo uma afeição pelo garoto que gera, inicialmente, ciúmes por parte de seus dois filhos biológicos.

Com o passar do tempo, no entanto, Catherine passa a simpatizar com Heathcliff e, posteriormente, passa a amá-lo, embora Hindley suceda a odiar descomunalmente o irmão adotivo, principalmente em razão do explícito menosprezo que sofre do pai (“Hindley é um incapaz e nunca vencerá na vida, nem aqui, nem em qualquer canto do mundo. p. 45”) e das próprias provocações oriundas de Heathcliff ao perceber que se tornou o filho favorito.

No entanto, alguns anos após adotar Heathcliff, Sr. Earnshaw morre, e seu filho mais velho assume a propriedade do pai, tornando o irmão adotivo em uma espécie de servo, submetendo-o diariamente à diversas agressões verbais e físicas. Catherine, por sua vez, teoricamente apaixonada por Heathcliff, permanece omissa ao sofrimento que este vivencia através de Hindley, e se aproxima de uma família rica que vive próximo à sua casa, visando casar com Edgar Linton, um jovem rico, passivo e que para Catherine não possui qualquer valor imaterial, vislumbrando que terá uma vida financeiramente miserável se casar com Heathcliff.

Ciente de que jamais terá Catherine, respeito social e uma vida minimamente digna se continuar vivendo na Fazenda aos mandos e desmandos de Hindley, Heathcliff decide ir embora do Morro dos Ventos Uivantes. Sentindo-se abandonada pelo amado, Catherine se casa com Linton, passando a viver em meio ao luxo que tanto almejava e à completa infelicidade conjugal. Enquanto isso, o calvário de seu irmão também inicia, quando sua esposa, Frances, morre após dar à luz a seu único filho, Hareton, transformando Hindley em um alcoólatra e apostador compulsivo. Alguns anos após estes acontecidos, Heathcliff retorna à vida de todos, expandido as frustrações pessoais de cada um dos Earnshaws e Lintons em desgraças homéricas que perpassam gerações.

Particularmente, não consigo descrever ainda o que sinto em relação ao O Morro dos Ventos Uivantes após mais de um ano de leitura. Foi uma mistura de prazer e desprazer lê-lo, estabelecendo uma relação de amor e ódio com o livro e, inevitavelmente, com seus personagens. As personalidades criadas por Brontë, com exceção de Ellen Dean, são incontáveis vezes detestáveis e repugnantes de forma perturbadora e desafiam o(a) leitor(a) a refletir acerca das nuances do comportamento humano e do quanto nós, humanos, podemos ser desumanos e praticar atos que nos afastam dos padrões éticos e morais vigentes em nossa sociedade e na maioria das sociedades existentes, tendo em vista que a maioria dos personagens não apresentam valores considerados éticos e morais em suas relações interpessoais.

Além disso, os protagonistas de uma das histórias de amor mais veneradas de toda a história da produção literária mundial possuem características diabólicas, e o amor entre ambos pode não convencer o(a) leitor(a) que possui uma visão de amor idealizada ou pautadas em teorias de amor libertário.

Também é preciso ressaltar que os filhos de Catherine (com Linton) e Heathcliff (com a irmã de Linton) são ainda mais demoníacos que os pais, e o livro é quase todo em função de futilidades pueris e perversidades diversas praticadas por eles, e não em torno de Cathy e Heathcliff como a obra é reconhecida. Logo, o livro que é “vendido” há anos como um simples livro de “amor”, muitas vezes apresenta sentimentos completamente opostos a este.

Seguramente, O Morro dos Ventos Uivantes é uma leitura obrigatória para todos os amantes literários, portanto recomendo a obra, principalmente em razão da escrita de Emily Brontë. A escritora inglesa ao escrever este romance presenteou seus (suas) possíveis leitores (leitoras) com narrações e diálogos de beleza ímpar, que encantam e influenciam diferentes gerações de amantes literários.

Além da escrita de Brontë, o livro pode desencadear análises e discussões interessantes acerca da subjetividade do conceito de amor, representações do bem e do mal no ser humano e até mesmo particularidades que envolvem a produção e manifestação da violência humana para com o(s) outro(s) por diferentes razões de origem individual.

Por Bárbara Machado

Referências:

______________. A colina dos vendavais. Tradução de Ana Maria Chaves. Lisboa: Editores Reunidos, Ltda., 1994. Disponível em: https://www.skoob.com.br/o-morro-dos-ventos-uivantes-110ed65816.html Acesso em 10 jan. 2020.

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