Ano 05 nº 048/2017 – Auroran e as Ilhas

Autor: Patricia Lago

O deus dos deuses, Paton, detinha poder sobre todas as coisas do universo, os planetas, as estrelas e cada pequeno ser com vida respeitava-o. Mesmo casado com a deusa do amor Munna, tinha diversas mulheres fora do casamento, dentre elas, Hera, a deusa do equilíbrio. Ela era encantadora, parecendo muitas vezes possuir uma luz própria e tinha como sua marca um símbolo que tratava-se de um círculo de duas metades, uma branca e outra preta misturadas, cada uma com duas esferas, uma preta e outra branca, mostrando ramos de cada energia se complementando e coexistindo.

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Paton, para demonstrar a importância de sua amante Hera, deu-lhe um planeta esquecido no cosmos. Colocou nele tudo o que mais a agradava e, para demonstrar o quanto a escutava, lembrou-se da importância do equilíbrio e da dualidade do universo, pondo essa essência da deusa no planeta. Onde o positivo não viveria sem o negativo e vice-versa. Assim, no princípio do planeta decidiu lapidar uma ilha, de modo que lembrasse o símbolo da deusa chamando-a de Yin-Yang.

Hera, muito contente com o presente, foi desvendar o que o seu planeta tinha recebido de Paton. As primeiras coisas que a deusa percebeu foram seu símbolo muito bem representado, esculpido na ilha e a boa energia que ali detinha. Mas, depois de passar algum tempo habitando seu próprio mundo, a deusa começou a se sentir só, pois sabia que apesar do amor que Paton sentia por ela, ele nunca seria seu.

Certo dia, ciente do grande planeta que tinha, a deusa decidiu fazer algo para distrair-se e saiu a desbravá-lo. Muito triste e com pensamentos ao longe, não viu quando um ser se aproximou. Ao perceber a presença desconhecida, assustou-se, o que não durou muito, pois viu que não indicava perigo. Olhando com mais atenção, viu em sua frente o mais lindo dos seres: a expressão preocupada deixava o maxilar ainda mais marcado e os olhos azuis ainda maiores, o que favorecia o belo rosto. A forma como segurava uma espécie de espada, fazia com que seu corpo ficasse realmente muito belo, apesar de não muito alto e um pouco magro. O cabelo bagunçado lhe caía muito bem, juntamente com as roupas que pareciam muito desgastadas, deixando à mostra mais do que deveria da pele bronzeada.

Depois de admirar descaradamente a aparência do desconhecido, percebeu outros aspectos. Ele não parecia bem, a forma como estava mais magro, suas roupas gastas e os cabelos desordenados não eram uma tentativa bem sucedida de deixá-lo bonito. Mesmo desconfiada, Hera decidiu perguntar o que o rapaz fazia em seu mundo e por que encontrava-se em tal estado. O ser demorou a aceitar contar tudo à deusa, mas logo percebeu, pelo modo como ela exalava pureza e certa preocupação no olhar, que não lhe causaria mal algum.

Logo Hera descobriu que ele era um dos deuses do ar, esquecido no planeta, como um castigo de seu pai, que ao contrário dele, não era muito justo. Acabou ficando perdido depois das mudanças que haviam acontecido, mas conseguiria se recuperar muito mais rápido naquele novo lugar. Walrein admitiu que há muito tempo não via uma paisagem tão bela quanto aquela que o planeta havia tornado-se.

Não demorou muito para ficarem amigos, nem para que se apaixonassem perdidamente. O tempo que Hera se sentia sozinha preencheu-se pela companhia de Walrein e a felicidade era companheira dos dois. Os olhos sempre brilhavam a cada encontro e a cada dia que passava eles sentiam-se mais completos.

Nas visitas em que Paton fazia, Hera escondia Walrein, pois não imaginava o que o deus faria se descobrisse. Ela sabia que mesmo que Paton já tivesse alguém, ele jamais admitiria que ela também tivesse. Passou-se muito tempo até que a deusa cansasse de fingir que ainda havia algum interesse por Paton, mas aos poucos, este acabou desconfiando. Apesar da pureza, Hera também era extremamente inteligente, e não demorou a perceber as suspeitas do amante.

Paton pediu ajuda a um de seus filhos com a deusa Gueffer, o deus Xerneas, para que vigiasse Hera. Não muito esperto, mas muito amigo e admirador de seu pai, Xerneas queria a confiança de Paton, e daria tudo de si. Desse modo, ficou cada vez mais difícil viver o romance proibido. Walrein ainda não estava recuperado, e isso preocupava a deusa que sabia como fazia mal a ele se esconder em lugares muitas vezes apertados e úmidos. Além disso, o casal passou a se encontrar poucas vezes, com um tempo muito curto, a cada despedida, ficava mais difícil deixarem um ao outro.

Aos poucos eles foram ficando descuidados, Walrein, sem perceber deixava rastros que apontavam a presença de outro alguém no planeta. Assim, Xerneas descobriu o caso. Os apaixonados aproveitavam o pôr do sol, conversando em um lago com as águas tão azuis, quanto os olhos de Walrein. Peixes e outros animais indescritíveis nadavam perto de seus pés, enquanto aproveitavam a água fresca. Xerneas, escondido nos arbustos, esperou até que um beijo acontecesse, para ter certeza que a deusa não só mantinha escondido um ser no planeta em que Paton havia dado a ela, mas também o tinha como amante.

Paton, ao ouvir do filho o relato, encheu-se de fúria. Como podia Hera, não só ousar ter outro senão ele, mas viver este romance proibido na maior demonstração de amor que havia feito a ela? Não conseguiu conter-se, ainda muito bravo, foi ao mundo de Hera pronto para vingar-se. Prometeu o pior castigo a quem se ama: afastá-los.

Hera que não esperava a visita de Paton, surpreendeu-se, mas ao olhar em seus olhos percebeu o fogo que queimava em sua alma, ela viu a fúria em sua forma mais verdadeira. A deusa logo soube que o deus havia descoberto. Não queria pedir desculpas, implorar pelo perdão de Paton, no fundo sabia que tinha razão em seus atos. Paton poderia ter tantas, mas ela não poderia se entregar ao amor. Por quê?

O deus mal conseguia olhá-la, ela podia notar. Praticamente cuspindo as palavras, Paton pediu à deusa que chamasse aquele com quem tinha um caso. A deusa contestou e recusou-se a chamá-lo, mas Paton sem pestanejar, cruelmente machucou-a. Hera gritou para que seu amado não se aproximasse, que fugisse o mais rápido e para o mais longe que conseguisse. Walrein tentou ouvi-la e fugir, mas no fundo sabia que jamais conseguiria deixá-la na situação que estava. Procurou pensar em algo, mas a cada segundo que passava ele ouvia a dor e sofrimento aumentar no som do choro de sua amada. Desarmou-se e preferiu se entregar.

Paton ao ver seu adversário, não conseguiu conter o riso de raiva. Walrein provou ser tão tolo ao se envolver com uma mulher que era dele, e ainda mais a voltar para salvá-la. Ele estava decidido a não matá-los, mas deixá-los fadados a viverem separados. Ele viu o amor nos olhares dos dois, sabia como isso doeria, porém não queria apenas isso, ele queria mais.

Fez com que Hera, tão boa e justa, perdesse seu equilíbrio. Começou a crescer nela o mal, que tanto tentava diminuir, esconder em um lugar profundo de sua alma, pois sabia que o negativo vive em cada ser que tem vida e até nas coisas que não têm e ela também o tinha dentro de si. Era uma chama de ódio que se propagava por todo seu corpo e fazia com que suas entranhas ardessem. Mesmo machucada e sentindo a estranha sensação conseguiu ver o que Paton fazia com Walrein.

A deusa viu seu amor perder a cor. A pele bronzeada como o entardecer, os olhos azuis como o lago em que adoravam passar horas, os cabelos pretos como as noites que pareciam tão negras que engoliam as luzes das estrelas, tudo parecia agora pertencer ao branco. Walrein parecia possuir uma luz que vinha de seu interior e irradiava, ou melhor, ele parecia a própria luz. Sua pele, cabelos e até mesmo a íris de seus olhos já não tinham nada além de tons brancos.

Walrein começou a perceber que algo muito forte tomava seu corpo. Ele conseguia sentir uma energia que corria em suas veias. Na verdade era mais, era como a vida caminhando por todo seu corpo. Ele via que sua amada também estava sentindo algo estranho, mas o que mais o assustou foi a aparência que tomava a forma da deusa. Os traços delicados, as roupas com cores neutras, os cabelos curtos e loiros que davam forma aos seu rosto e até os olhos, tinham sido impregnados por cores fortes e escuras. Hera foi tornando-se diferente, os traços e curvas mais provocantes, menos roupas, seus cabelos eram agora longos e de um vermelho escuro, assim como a boca. Ele não negava que a mulher era muito bonita, mas não era aquela a quem ele havia entregado seu coração.

No momento em que Walrein olhou para Hera, viu através dos olhos que se tornavam chamas, e Hera através da luz que abraçava os de Walrein, não mais que alguns segundos, pois eles sentiram que era a última vez que o amor entre eles iria pulsar em seus corações. E então um instante depois, eles já haviam esquecido não só um ao outro, mas a si próprios.

Apesar das mudanças que aconteciam com cada um, e que acreditavam ser seus últimos momentos lembrando um do outro, Paton não fez com que se esquecessem totalmente, fez com que dentro de cada um vivesse uma vontade incessante de procurar por algo que não conheciam. Conviveriam com a tristeza de nunca estarem completos e vagando por algo que nem saberiam o que era. Não satisfeito, decidiu dividir ao meio a ilha que tinha como forma o símbolo da deusa, para que ficasse ainda mais difícil encontrarem aquilo que procuravam, o mais distante possível, cada ilha ficou em um polo do planeta.

Há quem diga que as ilhas surgiram da traição de Hera, outros da injustiça feita por Paton e também, os que acreditam que o amor nem sempre é belo, às vezes coisas ruins acontecem. A verdade é que o deus, apesar de sábio, não conseguiu destruir a deusa, muito menos o planeta dedicado a ela. As ilhas, apesar de indicarem a separação de um amor, também indicavam o equilíbrio do mundo futuramente…

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