Ano 12 Nº 007/2024 – Ô Abre Alas!
Por Maria Carolina Oliveira
Acervo da Biblioteca Nacional
Acervo da Biblioteca Nacional
Peço licença pra poder desabafar! O Carnaval é uma expressão cultural brasileira que representa a capacidade do povo de superar as dificuldades e encontrar motivos para sorrir e se divertir. A beleza do Carnaval brasileiro é conhecida e reverenciada pela sua originalidade, seus protestos, suas escolas de samba, mas como brasileira o que sempre me chamou mais a atenção no Carnaval foi a tristeza.
A tristeza bonita do Carnaval, é o sentimento que possibilita e antecede a festa. A capacidade de superar e festejar de um povo unido que já sofreu muito, isso é o que torna o Carnaval uma expressão cultural tão forte no Brasil. No conto Terça-Feira Gorda, de Caio Fernando de Abreu, ele diz que lembrou que tinha lido em algum lugar “Que a dor é a única emoção que não usa máscara. Então pensei devagar que era proibido ou perigoso não usar máscara, ainda mais no Carnaval.” p. 55.
As multidões nas ruas, nas capitais, pessoas que juntas encontram na beleza e na alegria o conforto do Carnaval, a distração do que já passou, novas lembranças e a esperança. Mas, como diz a canção, eu também sou filho único, tenho minha casa pra olhar. E sei também que não sou a única que se sente sozinha na multidão e na avenida, por isso, ao longo dos Carnavais da minha vida, eu sempre fui presença confirmada no Bloco Eu Sozinho.
Que existiu, Bloco Eu Sozinho foi criado e mantido pelo jornalista brasileiro Júlio Silva por quase 50 anos. O bloco era caracterizado por desfilar com apenas uma pessoa, o próprio Júlio Silva, que se vestia com fantasias extravagantes e coloridas, muitas vezes com elementos cômicos. Durante décadas, o “Bloco Eu Sozinho” foi uma atração peculiar e única no carnaval carioca, atraindo a atenção e o carinho de muitos foliões.
O bloco é um exemplo marcante da criatividade e da diversidade presentes no carnaval brasileiro, e sua história é lembrada com carinho por aqueles que tiveram a oportunidade de testemunhar suas performances únicas ao longo dos anos.
Outra figura que é emblemática no Carnaval, que remete à tristeza bonita é o Pierrot, onde sua caracterização como um palhaço triste, ilustra a tristeza bonita, essa camada de profundidade emocional às festividades. Sua presença no Carnaval reflete a dualidade entre a alegria e a tristeza, a comédia e a tragédia, que são características centrais tanto da commedia dell’arte quanto da experiência humana. O Pierrot apaixonado chora pelo amor da Colombina. E não há nada mais solitário do que o amor não correspondido. Caio Fernando de Abreu, na terça-feira gorda, não pergunta o nome, nem a idade, telefone, signo ou endereço. O que você mentir ele acredita, igual marchinha antiga de Carnaval. Pierrot, Caio, e eu possuímos histórias de Carnavais diferentes, e por mais que o Carnaval seja uma época para sofrermos juntos, eu continuo escolhendo sofrer sozinha.
Perceber a tristeza do Carnaval, observar como ela está presente na festa, é o que me conforta. È o que me uni com as outras pessoas, mesmo sem me fantasiar, mesmo sem saber sambar, a certeza que em outro lugar pessoas assim como eu estão desfrutando da solidão, dançando sozinhas, e não porque não conseguimos superar a tristeza, ou festejar, mas sim, porque a tristeza também nos faz nos sentir vivos e unidos. E assim, como a certeza de que todo o Carnaval tem seu fim, a tristeza também terá, e eu vou ficar, no meio do povo espiando, minha escola perdendo ou ganhando, para não deixar o samba morrer, e encarar de frente a iminência da morte faz parte da tristeza bonita do Carnaval.
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco, e um dos mais famosos é, Ana Júlia, que é conhecida em todos os lugares em todas as épocas do ano, mas nos foi apresentada no álbum da banda Los Hermanos de 1999, em que a capa é o Arlequim, homem responsável por roubar o amor do Pierrot, e que será sempre um espinho dentro do seu coração, em todos os Carnavais, e porque não lembrar, e porque não sofrer, porque não viver, todos esses amores de Carnavais?
Um sentimento também comum presente no Carnaval ilustrado muito bem no música da Jup do Bairro, Amor de Carnaval, em que ela parafraseia outra música assim como eu, é o de chorar, chorar sem querer chorar, quando o samba não se encaixa na alegoria. E na Quarta de Cinzas, se vai a alegria, porque quando a oferta é boa, o Santo desconfia.
É evidente que não podemos ignorar a tristeza que está presente no Carnaval, ela nos permite compreender mais profundamente a expressão cultural de um povo. Ao refletirmos sobre somos confrontados com a complexidade e a diversidade de perspectivas que permeiam o povo brasileiro na sua coletividade e na sua individualidade. Portanto, é muito importante continuar explorando, questionando e aprendendo, a fim de ampliar nosso entendimento sobre os sentimentos carnavalescos e contribuir para um diálogo mais rico e construtivo sobre as nossas dores. Que este texto sirva como um ponto de partida para novas reflexões e descobertas sobre a solidão no meio da multidão, incentivando-nos a buscar sempre mais conhecimento e compreensão sobre o Carnaval.
Músicas parafraseadas no texto:
Ô Abre Alas! – Chiquinha Gonzaga
Trem das onze – Adoniran Barbosa
Não deixe o samba morrer – Alcione
Todo Carnaval tem seu fim – Los Hermanos
Pierrot – Los Hermanos
Ana Julia – Los Hermanos
Jup do Bairro – Amor de Carnaval
Referências:
Terça – Feira Gorda, Caio Fernando de Abreu.
Maria Carolina é bolsista do Núcleo de Apoio à Aprendizagem Intercultural de Português como Língua Adicional e de Acolhimento (NAAIPLAA). Possui interesse em crítica literária e cansou de fugir de si mesma, por isso escreve.