Ano 05 nº 063/2017 – Aceitarem-se ou se aceitarem? Qual o correto?

Autor: Virginia Ponche Barbosa

Caro leitor, ou Ilustríssimo Senhor, ou Vossa Senhoria, ou Eih Psiu! Em qual deles você se vê representado? Com esta pergunta convido você, tu, Vossa Excelência a discorrer sobre um aspecto pontual de nossa língua: Colocação Pronominal.

Em 1996, a Unesco na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, descreve que “Todo país que se pretenda genuinamente democrático tem que estabelecer uma política linguística racional e transparente, voltada para o bem de todos os cidadãos” (BAGNO, 2009, p.24-25). A falta de uma política na área acaba disseminando uma política linguística difusa, oculta, a qual reprime e instiga a discriminar os que a ela não têm acesso. Da mesma forma em que prolifera uma forma ‘correta’, regida por uma gramática normativa, com regras categóricas, as quais empodera as mais variadas formas de comunicação, sejam elas, revistas, jornais, meios de comunicação de massa e principalmente a escola.

Do ponto de vista da sociolinguística, a qual propaga a pluralidade e heterogeneidade do sistema linguístico, tanto na sua oralidade quanto na escrita e, parte da premissa que o sistema linguístico deva se adequar ao(s) contexto(s), não  identificando a língua como sendo somente funcional e homogênea, que propomos uma análise de como é tratada a colocação pronominal, as diferenças entre o que é dito pela Gramática Normativa e o que efetivamente é empregado no dia a dia do falante no Brasil.

É ensinado na escola, utilizando-se da Gramática Normativa, colocação pronominal referindo-se à posição que os pronomes pessoais oblíquos átonos, me, te, se, o(s), a(s), lhe(s), nos, vos, têm em relação ao verbo. Há três posições onde o pronome pode estar em relação ao verbo e dependendo da posição, existem denominações distintas: Próclise, Ênclise e Mesóclise.

Na próclise, o pronome está antes do verbo, havendo diversas situações: a) Palavras com sentido negativo atraem o pronome para perto de si, por exemplo: “Nada me deixa triste!”; b) O pronome é atraído pelos advérbios talvez, ontem, aqui, ali e agora. Exemplo: “Ontem me falaram sobre o assunto.”; c) Pronomes relativos: quem, qual, cujo, onde, quando e que, solicita o pronome, exemplo: “A questão a qual me referi.”; d) Pronomes Indefinidos: vários, pouco, cada qual, alguém, quem, algum, qualquer, também atraem o pronome, exemplificando, “Alguém me disse.”; e) Com os pronomes demonstrativos: isso, aquilo, aquela, aquele, este, esta, esse e essa, há o uso da próclise, exemplo, “Este me agrada.”; f) Há e necessidade do uso da próclise quando a preposição “em” aparece seguida de gerúndio, conforme exemplo, “Em se tratando de políticas públicas, o Brasil regrediu um século.”; g) e nas conjunções subordinativas e coordenativas como: quando, se, como, porque, logo que, conforme, mas, solicitam o pronome próximos a si, ex.: “Conforme lhe falaram, devemos seguir a cartilha.” Na Ênclise, o pronome aparece depois do verbo. Usa-se a ênclise quando o verbo inicia uma frase, por exemplo, “Dê-me a mão”; quando o verbo estiver no infinitivo, ex.: “Quero falar-te sobre o assunto.”; quando o verbo estiver no imperativo afirmativo, por exemplo: “Levantem-se!”; quando o verbo estiver no gerúndio, “Sentindo-se acamada, ficou em casa; ou quando houver uma vírgula ou pausa antes do verbo, conforme o exemplo, “Se não for inoportuno, ligo-te mais tarde.” Já na mesóclise, o verbo aparece no meio do verbo, ocorrendo somente no futuro do presente e futuro do pretérito, de acordo com os exemplos citados: “A aula iniciar-se-á na próxima semana.”

Na verdade, o que ocorre é que o que é postulado na escola através da Gramática Normativa é aprendida, porém não é seguida. No artigo Variação morfossintática e ensino de português, constata-se que,

“No que se refere à colocação pronominal, fica evidente a configuração particular do comportamento do letrado brasileiro: embora, na fala culta, a próclise a uma só forma verbal e à segunda forma dos complexos seja a opção prototípica, podem ser observadas, na escrita, tendências conflitantes tanto em relação às normas de uso brasileiras, quanto em relação à norma gramatical” “(…) os resultados evidenciam que estruturas morfossintáticas prescritas pela tradição, dada sua baixa frequência ou mesmo ausência na fala espontânea, são aprendidas via escolarização. (VIEIRA, S. , FREIRE, G., 2014, p.111-112).

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Diante do exposto, devemos nos perguntar: é assim que falamos? Percebe-se que apesar das regras existentes na Gramática Tradicional, os falantes brasileiros empregam, em sua maioria, a próclise em oposição à ênclise. Portanto, é importante que tratemos o emprego incorreto das colocações pronominais não como ‘erro’, por não seguir às regras gramaticais prescritas na gramática normativa, e sim orientar ou esclarecer sobre o conhecimento da “língua culta”, a fim de convivermos em diferentes esferas da sociedade, que não obstante da língua, possui regras. É na escola que devemos começar a trabalhar e conquistar o direito de poder dizer. A variação linguística, capacidade que a língua tem de se transformar, de se adaptar  de acordo com suas referências históricas, sociais, regionais, de estilo, de idade, de sexo, de classe social e do uso da própria língua, seja formal, ou informal, padrão ou não padrão, coloquial, culta, que consigamos refletir qual é o nosso papel enquanto professor, encorajar os alunos a desbravar possibilidades, aceitarem-se ou se aceitarem?  Qual o correto?

Referências:

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. São Paulo: Loyola, 2007.

CALDAS, Raimunda Benedita Cristina, SOUZA, Manoel Edmilson Costa de, MACIE, Albenise de Fátima Pinheiro. A colocação pronominal em músicas brasileiras sob a perspectiva da variação linguística. Disponível em: https://revistaapalavrada.files.wordpress.com/2014/07/raimundamanoelalbenize.pdfAcesso em 10. jul. 2017

CARTAZES. Disponível em https://lh5.googleusercontent.com/-A7N00V2qCP8/U3EkZA67N-I/AAAAAAAAU4U/gjEdfim118o/s597/vende-se.jpg. Acesso em 19. jul. 2017.

Colocação Pronominal: Próclise, Ênclise e Mesóclise. Disponível em: http://www.coladaweb.com/portugues/colocacao-pronominal-proclise-enclise-e-mesoclise. Acesso em: 14. jul. 2017

Mundo Educação: Colocação Pronominal. Disponível em: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/gramatica/colocacao-pronominal.htm.  Acesso em 16. jul. 2017.

VIEIRA, Silvia Rodrigues, FREIRE, Gilson Costa. Variação Morfossintática e ensino de português. In: MARTINS, Marco Antonio, VIEIRA, Silvia Rodrigues, TAVARES, Maria Alice (orgs). Ensino de português e Sociolinguística. São Paulo. Contexto, 2014. P.81-114.

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