Ano 04 nº 018/2016 – A UNIPAMPA no bojo das políticas neoliberais contemporâneas: pensar o contexto para projetar a luta em defesa da universidade pública

Dulce Mari da Silva Voss¹

Desde o final da década de 1960, as agências internacionais, principalmente o Banco Mundial, começaram a intervir mais diretamente nas políticas nacionais dos chamados “países em desenvolvimento” de modo a constituir formas de governo, de planificação e de atuação dos Estados voltadas à ordem neoliberal e a lógica do mercado global como estruturantes das relações econômicas, sociais, políticas e culturais em todo o globo. As políticas neoliberais não pretendem a igualdade, nem asseguram a cobertura social dos riscos, mas visam conceder uma espécie de espaço econômico, dentro do qual, cada indivíduo possa assumi-los e enfrentá-los (FOUCAULT, 2008).

No bojo dessas políticas neoliberais, a Educação assume um caráter instrumental enquanto propulsora da formação de capital humano treinado e adaptado à lógica empreendedora e concorrencial do mercado. Esse discurso esvazia a formação superior do seu caráter político-ideológico crítico e transformador, centrando-se na formação profissional que visa unicamente a ascensão a postos de trabalho de maior remuneração e prestígio social

A Educação, no discurso do próprio Banco Mundial, passa a ser a via de combate a pobreza mediante uma inserção desigual na produção e no consumo para a garantia da segurança e estabilidade do sistema capitalista (BARRETO; LEHER, 2008).

Portanto, a educação que serve ao sistema capitalista e aos constantes ajustes estruturais das relações de mercado em âmbito global é aquela que forma o indivíduo empreendedor de si mesmo e, no bojo dessa cultural empresarial, não cabe a preocupação com o social, com o bem comum, já que a regra para a produção da existência passa a ser a concorrência pura e desleal.

No Brasil, desde a década de 1990, vivemos profundas reformas nas políticas educacionais provenientes dos sucessivos governos comprometidos com os acordos assinados com o Banco Mundial que indica o enxugamento dos recursos públicos mediante uma “gestão eficiente” que melhore os resultados com menos “gastos”.

Foi assim que desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996, feriu-se a autonomia universitária, abrindo-se espaços para a criação de convênios com a iniciativa privada através das fundações que passaram a gerenciar os recursos públicos das Instituições de Educação Superior. Em prosseguimento, o Decreto no 2.032/97 alterou a organização acadêmica das Instituições de Educação Superior (IES), permitindo que, além das universidades, novas configurações institucionais fossem criadas, como os centros universitários, as faculdades integradas e os Institutos Superiores de Educação (ISE).

No entanto, uma das ações históricas das entidades docentes, como o ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes da Educação Superior), foi o II Congresso Nacional de Educação, realizado em Belo Horizonte, em 1997, quando foi formulado o Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira, que apresentou um cuidadoso diagnóstico da realidade educacional brasileira e indicou metas para a real universalização do direito à educação, incluindo a ampliação de investimento do percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para o patamar de 10%. Naquele momento o Congresso Nacional aprovou 7% e, mesmo assim, este percentual foi vetado pelo governo federal. No PNE (2001-2010) Lei Federal no 10.172 de 2001, o percentual de 7% foi previsto, porém não foi cumprido, mantendo-se o investimento de 5% do PIB nacional em educação.

O novo Plano Nacional de Educação (2014-2024), criado sem a participação das entidades docentes, discentes e sociais, mantêm o percentual de 7% do PIB e prevê apenas que até o final da vigência do plano, 2024, haja a ampliação do investimento em educação para 10%.  

O atual PNE (2014 – 2024), na meta 12, indica a expansão da oferta da educação superior em regiões interioranas e periféricas por meio de cursos profissionalizantes e da educação à distância. Assim, amplia-se o quadro de distinções na oferta da educação superior iniciado com a LDBEN de 1996, já que nas capitais e cidades com melhores condições infra-estruturais concentram-se universidades de maior porte e reconhecidas nacionalmente e internacionalmente pela sua produção acadêmico-científica. Com isso, há uma quebra do tripé ensino, pesquisa e extensão que historicamente constitui a Educação Superior, já que universidades centrais tem maiores possibilidades de dedicarem-se a produção científico-acadêmica, enquanto que universidades, centros e institutos periféricos tendem à realizarem com maior ênfase ações de extensão e o ensino.

Também na meta 12 do PNE está posto: “[…] otimizar a capacidade instalada da estrutura física e de recursos humanos das instituições públicas de educação superior, mediante ações planejadas e coordenadas, de forma a ampliar e interiorizar o acesso à graduação”.

O termo “otimizar” indica que a expansão da oferta deverá ser buscada sem a ampliação dos recursos físicos e humanos, o que já acontece no contexto da UNIPAMPA desde sua origem, pois convive-se com condições precárias em termos infra-estruturais e limitadas no quadro de docentes e técnicos administrativos, ou seja vale a premissa empresarial “é preciso fazer mais com menos”.

Com isso, o PNE reforça uma política de sucateamento e precarização do trabalho na educação superior pública. O PNE segue a lógica empresarial de cobrança dos resultados quando nas estratégias da meta 12 prescreve a elevação da taxa conclusão média dos cursos de graduação presenciais nas universidades públicas para 90% e a relação do número de estudantes por professor para 18, ao passo que, nas estratégias da meta 13, o percentual de conclusão da graduação nas universidades privadas é fixado em 75%.  Ou seja, a cobrança pela melhoria dos resultados será maior sobre as universidades públicas.

Contraditoriamente, no PNE anuncia-se a expansão dos investimentos públicos na educação superior privada, pois também nas estratégias da meta 12 está previsto a ampliação do Fundo de Financiamento ao Estudante ao Ensino Superior (FIES) e do Programa Universidade para Todos (PROUNI), os quais garantem o pagamento de bolsas com recursos públicos aos estudantes das universidades privadas.

Nesse quadro brutal de desmantelamento, sucateamento, precarização e privatização da educação superior em nosso país, torna-se urgente lutar pelo direito público, social e inalienável à educação pública, laica e de qualidade social para todos/as cidadãos e cidadãs brasileiros/as. Entender que, a universidade pública é patrimônio social no qual a dimensão pública se efetiva pela capacidade de assegurar a produção, o acesso e o usufruto ao conhecimento inovador, crítico e plural.

Bibliografia:

 

ANDES. Propostas da ANDES para a universidade brasileira. Cadernos Andes, 3o ed. 0ut./2003.  

BARRETO, R. G. LEHER, R. Do discurso e das condicionalidades do Banco Mundial, e educação superior “emerge” terciária. Rev. Bras. Educ. v.13, n.39 RJ set/dez. 2008.

BRASIL. Lei nº. 9.394, de 23 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 1996.

_______. Lei no. 13.005, de 25 de junho de 2014. Estabelece o Plano Nacional da Educação 2014 -2024. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 2014.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica: Curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

¹ Doutora em Educação e Professora Adjunta da UNIPAMPA/Campus Bagé.

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