A (nova) regra de colocação pronominal no português brasileiro

Autora: Taisa Luiz Soares

Tudo no universo, na natureza e na sociedade passa por mudanças, reinvenções e/ou evolução. Com a língua não é diferente. A língua está constantemente sofrendo alterações, porque toda língua muda com o tempo. A língua que usamos hoje não é a mesma de ontem e nem será a mesma de amanhã. Se acessarmos usos mais antigos da língua, tanto em gêneros escritos quanto em orais, comprovamos essa afirmação.

Essas alterações se devem aos falantes da língua, já que não é a língua que muda por si só. São seus usuários que promovem as mudanças e inovações linguísticas. Cabe ressaltar que essas alterações iniciam a partir dos falantes mais jovens e da classe média-baixa da população. Quando tais mudanças atingem as camadas mais altas da sociedade seu uso é aceito e não mais é estigmatizado; e quando as inovações linguísticas se fazem presentes nos gêneros textuais escritos, com maior grau de monitoração, podemos dizer que se completou, definitivamente, a mudança linguística.

De acordo com o linguista Marcos Bagno, não existe erro na língua; existe, sim, variação e mudança linguísticas. Para o estudioso, aquilo que “soa errado aos ouvidos” é uma variação pela qual a língua está passando e, com o passar do tempo, pode vir a consolidar-se em uma mudança linguística. Importante frisar: a mudança linguística parte de uma variação. Para se efetivar, ela depende que ocorra uma concorrência entre formas inovadoras e conservadoras. Quando a variante inovadora sucumbe à conservadora, a mudança se efetivou. Mas atenção: nem toda variação existente na língua se consolidará em uma mudança linguística.

Um bom exemplo para refletirmos sobre variação e mudança na língua portuguesa brasileira é a colocação pronominal usada pelos falantes do português brasileiro, tanto na língua oral quanto na escrita. Faço uso da expressão “português brasileiro” porque a língua portuguesa, usada em Portugal, possui características diferentes da nossa, na qual até mesmo a colocação dos pronomes átonos se dá de maneira distinta.

Conforme os manuais de gramática normativa, a colocação pronominal ocorre de três formas: em próclise, quando o pronome átono antecede o verbo (Nada lhe agradava ali.); em mesóclise, com o pronome no meio do verbo (Realizar-se-á, em maio, uma reunião de prefeitos.); e em ênclise, na qual o pronome virá após o verbo (Vendo-a entrar, José partiu.). Para cada uso, seja em próclise, mesóclise e/ou ênclise, existem regras que apontam qual a colocação que deve ser feita para cada situação. Há defensores, ferrenhos, que insistem no uso da colocação pronominal de acordo com esses manuais, estigmatizando aqueles que não seguem esse padrão.

No entanto, no uso culto da língua portuguesa brasileira, as regras da gramática normativa, em relação à colocação pronominal, não são seguidas há algum tempo; seus falantes estão efetivando alterações. Cada vez mais constatamos o uso da próclise como sendo a única regra de colocação pronominal no português do Brasil. Basta observarmos os diversos gêneros que circulam em nossa sociedade, sejam orais ou escritos, que comprovamos essa mudança. A predominância da próclise também se confirma ao constatarmos que a mesóclise já não é utilizada na língua culta portuguesa brasileira (presente apenas em alguns gêneros, como o literário). Outra comprovação do uso da próclise ser a atual regra do português brasileiro, referente à colocação pronominal, é o fato da ênclise também estar perdendo seu espaço. Até mesmo nos gêneros em que o grau de monitoração é mais elevado a próclise está presente. E isso, a não ser pelos defensores da gramática normativa, não é visto como um problema linguístico; às vezes nem mesmo é percebido. Em alguns casos, ao fazer uso da mesóclise ou enfatizar a ênclise, o gênero é tido como pesado e, até mesmo, distancia-se do público ao qual está direcionado.

Hoje, o emprego da próclise ao invés da mesóclise e/ou ênclise é uma variação linguística do português brasileiro, pois as outras duas formas ainda estão presentes, mesmo que de forma minoritária. Podemos dizer que os modos de empregar a colocação pronominal, no português brasileiro, estão em concorrência, e que a próclise está prevalecendo no uso culto da língua, porém ainda não sucumbiu às demais. Quem sabe, daqui a algum tempo, a mesóclise e a ênclise desaparecerão completamente da língua portuguesa brasileira, já que para isso cabe aos falantes essa mudança. Caso nenhum usuário da língua utilize essas formas, elas acabam e, assim, essa variação atual se consolida em uma mudança linguística, em que o uso exclusivo da próclise será aceito em todos os gêneros, desde os menos monitorados aos mais monitorados.

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