Ano 08 nº 182/2020 – Um esboço de projeto de país que se chama Policarpo Quaresma/ Coluna Adriano de Souza

Imagem disponível em http://www.suplementopernambuco.com.br/edicao-impressa/93-especial/1531-cegueira-em-verde-e-amarelo.html. Acesso 02/10/2020.

Imagem disponível em http://www.suplementopernambuco.com.br/edicao-impressa/93-especial/1531-cegueira-em-verde-e-amarelo.html. Acesso 02/10/2020.

 

Por Adriano de Souza

Entrei no romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, meio que já sabendo o que esperar… e tomei um baita perdido. Eu tinha uma expectativa de ler ali um Paulo José meio fanfarrão, meio excêntrico e me deparei com um Policarpo Quaresma de outra ordem. Ainda não me recuperei bem do abanão. Por isso, para não bambear muito a caneta, me agarrarei aqui em apresentar brevemente três pontos de leitura (que talvez pudessem ser ampliados ou discutidos em textos futuros, quem sabe). Esses três pontos são, digamos assim, as escoras em que amparo esse postulado (um tanto presunçoso, vá lá…) que dá título ao texto. 

1 – Não me pareceu evidentemente explícita, no personagem Policarpo Quaresma, toda essa fama (que certas leituras lhe atribuem) de lunático adepto de uma ensandecida, patriótica e pueril ortodoxia. Policarpo Quaresma evoca, para mim, um projeto de país. Claro, trata-se do nome do personagem e do livro de Lima Barreto, mas Policarpo Quaresma encerra, fundamentalmente, um projeto de Brasil, eu acho. 

2 – O patriotismo de Policarpo Quaresma é dialético e não sectário – com isso quero dizer que ele desconfia de suas próprias convicções (ponto pra ele) –  e, sim, acho que tem aí (no projeto e no personagem) um pessimismo severo em relação aos rumos da República, que, no tempo da narrativa (fins do século XIX), havia sido recentemente proclamada por Floriano Peixoto e cia. Esse pessimismo em relação aos rumos da República passa por uma visão muito lúcida e até ponderada a propósito da militarização da própria República e da construção de uma ideologia nacionalista da qual os militares seriam, para todo o sempre, os defensores e os porta-vozes.

3 – Esse projeto de país que é Policarpo Quaresma não é um país em que as pessoas são obrigadas a falar e escrever em tupi – esse fato é episódico na narrativa e muito mais irônico do que programático –, mas é um projeto de país que tem alguns pilares importantes discutidos na obra, a saber: a questão rural, a questão racial e a questão cultural.

  1. a) A questão rural do pós-lei de abolição. Há uma preocupação central na obra com a questão rural e agrária no Brasil, que sinaliza para a discussão da necessidade de uma reforma agrária que atendesse fundamentalmente a população espoliada pelo projeto escravista colonial hediondo europeu. Na obra, Quaresma cobra do Marechal Floriano (para o narrador, um ditador) uma posição a esse respeito. A resposta do Marechal é: “Mas, pensa você, Quaresma, que eu hei de pôr a enxada na mão de cada um desses vadios?! Não havia exército que chegasse…” (p. 369). Entendeu de onde vem o pessimismo de que falei mais acima?

  1. b) A questão racial. Quaresma parece a todo momento saber que uma República que não resolvesse as tensões e os conflitos raciais, a partir de um projeto sólido de justiça social e de distribuição de riquezas e dos meios de produzi-la, estaria condenada desde suas bases. 

  1. c) A questão cultural. Alguns observam esse ponto da perspectiva de um ufanismo folclórico na conduta do personagem Policarpo. Talvez. De minha parte, acho que a questão cultural, para esse projeto ficcional de país, passa pela compreensão dos diversos elementos que compõem suas manifestações culturais, sobretudo as de origem popular. Depois da compreensão desses elementos, há que se aprender a valorizá-los em sua complexidade, não por inculcação ou por imposição, mas porque se entende e se respeita as origens dos diferentes povos e suas formas de representação simbólica. Daí que um mergulho na história da formação sociocultural do Brasil passa a ter sentido, na medida em que ele (o mergulho)  permite e favorece a identificação de um sentimento de pertença, tão presente em Policarpo e, ao mesmo tempo, tão ausente em certas autoridades da República (na obra, é claro, antes que eu seja censurado).

Olha… Não sei se porque atravessamos um tempo de absoluta carência de um projeto de Brasil – não que não haja projeto, é que, talvez, seja melhor nem saber que lugar esse projeto nos reserva –, mas a verdade é que ‘O Triste Fim de Policarpo Quaresma’ me pareceu um livro a ser levado bem a sério. Por essas e outras acho que Policarpo Quaresma representa linhas de um projeto de país coerente, válido, legítimo e, sinceramente, não gostaria de saber que esse projeto tenha tido um triste fim.


¹Referência ao filme “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil” (1998), de Paulo Thiago (direção) e Alcione Araújo (adaptação), em que o ator Paulo José interpreta Policarpo Quaresma. 

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Você encontra a obra de Lima Barreto em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=4>. Acesso 02/10/2020.

Para esse texto, a obra lida foi a seguinte:

BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. In.: BARRETO, Lima. Obra Reunida: vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.

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Adriano de Souza, no mundo, é só mais um. Em seu país, não é mais do que ninguém. No Rio Grande do Sul, nasce a cada mês de julho. A Santa Maria volta sempre que precisa se reencontrar. Em Camobi, amarelou seus verdes anos. Em Bagé faz análise. Em casa, pelas cordas do violão, vai tocando a vida, às vezes desafina, outras não.

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