Um Antropólogo em Marte e Immanuel Kant

image1Imagem: da autora

Por Eduarda Paz Trindade

 

Em um dos estudos de caso, da obra “Um Antropólogo em Marte”, do neurologista anglo-americano Oliver Sacks, ele abordada o autismo, em uma mulher chama Temple, que é uma das mais notáveis autistas (segundo o autor) e é PhD em ciência animal. Há uma complexidade na análise do transtorno visto que possuem proposições analíticas nestas análises, em que o predicado está contido no sujeito, o que caracteriza uma pessoa, para que ela possa ser diagnosticada com o transtorno por exemplo, sendo um transtorno de desenvolvimento grave que prejudica a capacidade de se comunicar e interagir com outras pessoas.

Porém, estas afirmações não são o suficiente para explicar o que é ser ou não uma pessoa com autismo. É preciso assumir que há proposições sintéticas, ou seja características que não estão contidas na pessoa mas que mesmo assim fazem parte, não são universais. Bem como, está contido no sujeito autista, que possui um transtorno que prejudica algumas capacidades de sociabilidade, não está contido como elas se constituem, sendo um transtorno onde os seus sujeitos e as dificuldade de sociabilidades são singulares.

Isso criará consequências; os juízos analíticos, por exemplo, são verdadeiros e universais, mas segundo Immanuel Kant, eles não acrescentam nenhum conhecimento novo, já que eles servem apenas para explicar sobre preceitos contidos no sujeito, nesse caso pessoas com autismo, mas que não acrescenta novas informações, para quem já possui o conhecimento, sobre o significado do sujeito.

Quando Oliver Sacks, expõe em sua obra que mesmo que um simples passar de olhos pode ser o suficiente para o diagnóstico clínico, será só levando em conta a totalidade da biografia do indivíduo que será possível ter a esperança de compreender realmente o autismo. Em outras palavras, são os juízos sintéticos, que produzem um novo conhecimento; é na consulta das experiências, que se percebe o que de fato é uma mulher ou um homem com autismo. Os juízos sintéticos são aquilo que irá atribuir ao sujeito algo que não aparece tal como no conceito do que é o sujeito com autismo. Os sujeitos poderiam ter ou não ter, essas características. Nós nascemos com habilidades e estruturas racionais, que nos permitem descobrir a verdade, mas é apenas na experiência que nos aproximamos da verdade, e assim podemos nos informar se os sujeitos possuem ou não essas determinações.

Na obra de Oliver Sacks, Temple, expõem que, para entender as relações humanas e conseguir conviver com outras pessoas, ela têm a ideia de possuir um acesso irrestrito às suas memórias. Para Immanuel Kant, essa e outras experiências podem fornecer o instinto que, quando constituídas como fenômenos, indicam para Temple, por exemplo, a presença e a sequência de um fenômeno para outro, mas não a conexão entre eles; ela entendia o porquê das pessoas se emocionarem com a música, mas não via desta forma, o que a limitava de ser afetada emocionalmente, por causa do seu acesso total às suas memórias. Contudo, quando é possível fazer essa conexão, ela é produzida pelo entendimento, que é aplicado a esse e aos outros fenômenos, na causalidade. A causalidade, existe apenas na mente; o sujeito não sonda o mundo em uma causalidade já existente, mas graças ao entendimento que possibilita uma organização causal.

Para qualquer um dos fenômenos, que encontraremos no livro e no mundo, sempre serão efeitos de uma consequência anterior e uma consequência de um efeito posterior. Assim como a forma de raciocinar de Temple, onde ela liga as coisas, como uma rede e seus mapas mentais ou esquemas, acontece que com os fenômenos que alcançam o entendimento, serão conectados causalmente; estarão sempre ligados uns aos outros.

Além disso, toda a estrutura, que já nasce conosco de berço, e que antecede qualquer experiência através dos sentidos, Kant denomina como “estruturas a priori”; a todo conhecimento que só é possível após a vivência sensível do mundo, Kant denomina como “conhecimento a posteriori”. Para Kant, a fonte primeira que nos provoca curiosidades sobre o mundo, é a experiência dos sentidos. Que nos desperta e nos leva a fazer uma série de questionamentos. Por exemplo, o que levou o próprio neurologista Oliver Sacks, a fazer esses estudos de caso, com pessoas que passam pelo inimaginável ou que aparentemente é incompreensível. Portanto o papel da experiência sensível, é nos provocar questionamentos iniciais; frente a esses questionamentos, passamos a observar o mundo com as estruturas e habilidades racionais que já vem de berço conosco, mas que não são propriamente a nossa visão da verdade, mas sim a nossa própria forma de compreender o mundo.

Ademais, Kant afirmava, que a razão nos permite entender o mundo ao nosso modo, mas que isso não significa que seja ver o mundo tal como ele é. Mas sim, tal como a nossa razão compreende. Isso significa dizer, que para o filósofo alemão, sempre o que vemos é a nossa concepção sobre o mundo, e nunca o mundo em si. Se os sentidos, possuem o papel de provocar a curiosidade, a razão cumpre o papel de moldar o mundo em ideias, que a nossa mente possa compreender. Com isso, o que vemos no mundo não é o objeto real mundo, mas o que a nossa razão nos permite entender do mundo, que Kant chama de fenômeno.

Contudo, segundo Immanuel Kant, é apenas pela experiência que conhecemos o mundo, e é por ela e apenas por ela, que podemos estabelecer o que é verdade e o que é mentira, nunca pela razão. A nossa, compreensão do 3 mundo é o que, nós seres limitados, podemos ter naquele momento, sobre o mundo em que vivemos. O que vemos na realidade, é o que a nossa razão tem possibilidade de captar, de forma que enxergamos no mundo os conceitos que a nossa razão cria a respeito dos objetos, e não os objetos tais como são. Seria simplista dizer que sempre que vemos algo, vemos palavras; mas a verdade é que aquilo que vemos não é muito diferente de enxergar as palavras, que caracterizam as coisas.

Entretanto, como podemos nos perguntar, questionar e pesquisar, sobre sentimentos, percepções de mundo e relações humanas e assim categorizar como elas se constituem nas suas mais diversas formas de se expressar? Se pensarmos na perspectiva de Kant, ao nos perguntarmos sobre essas e outras coisas, que vão além, do que nós humanos podemos algum dia experimentar, que são intrinsecamente necessárias, para só assim compreendermos esses fenômenos; são, na verdade, perguntas ilegítimas, que ultrapassam a linha de nosso conhecimento, da nossa ciência. Segundo a qual, qualquer resposta que se dá ou que se construirá, é e será uma mera especulação.

Todavia, essas especulações podem ser amparadas com evidências. Pode-se dizer, que os autistas são desprovidos da possibilidade de amar, por possuírem uma grande dificuldade de interação e de expressão em relações complexas entre outras pessoas. Sendo assim, a maioria desses sujeitos autistas são considerados- como um fracasso, tanto em relacionamentos amorosos quanto em relacionamentos fraternos. No entanto, também é possível dizer que as suas formas de expressar o que chamamos de amor, em amar, são tão distintas (ou até mesmo únicas), quanto as das pessoas, que não se encaixam neste transtorno, porque, sendo um sentimento abstrato, com um conceito universal, mas que só vai ter um real sentido, dentro de cada sociedade ou caso, por exemplo. Todavia, além da experiência, entra também a credibilidade, entre verdadeiro e falso.

É importante levar em conta, também, que para Kant é preciso, em primeiro lugar, compreender quais são os limites concretos de nossa capacidade de conhecimento, antes de nos adentrarmos na investigação do mundo e suas complexidades. Porém, a compreensão de que os objetos de conhecimento não se ligam diretamente às coisas no mundo, mas as versões criadas por nós; não seria através da investigação do mundo que compreenderíamos as nossas complexidades, dado que os objetos que constituem o mundo e a forma que analisamos, partem do nosso olhar e das nossas próprias complexidades?

Exemplificando, a cozinha é um ótimo meio para o entendimento das mais complexas culturas no mundo. Visto que, a cozinha é articuladora das categorias natureza e cultura, ela converte a primeira categoria na segunda, tornando-se uma representação da cultura. Através dela (como forma de linguagem), que entenderemos a comunicação velada aos nossos olhos, de determinada sociedade. Isto ocorre, também, na complexidade, que está por trás, da forma em que Temple, vê e relata a criação dos sistemas de abate de animais. Segundo ela, é levado em conta, não apenas a automação da produção, mas a compreensão de como os animais a serem abatidos, irão sentir em cada etapa do processo. Temple, possui como objetivo principal, humanizá-los, levando eles ao mínimo sofrimento possível.

Além disso, para Kant, há criações de nossa razão, que nos levam a acreditar em algumas teses e teorias, e que as verdadeiras pesquisas científicas devem ficar atentas; mas essa visão e perspectiva de ciência, em que o filósofo se refere (matemática, física e aritmética), não me parece a realidade em que as pesquisas científicas do neurocientista Oliver Sacks, dos cientistas sociais e até mesmo dos psicólogos, se encontram, por exemplo.

Por outro lado, para ter a presunção, que o autismo é um transtorno que prejudica a capacidade de se comunicar e interagir, eu devo poder ter representações intelectuais, autismo é, e representações sensíveis, é necessário poder observar uma pessoa com autismo e poder ver a sua dificuldade de comunicação e interação social. Então, o conteúdo de uma presunção é ao mesmo tempo intelectual e sensível. As relações de representação intelectuais e as representações sensíveis, devem poder conectá-las através de regras; regras para poder conectar o conceito de autismo ao objeto autismo, o conceito capacidade ao objeto capacidade, o conceito comunicação ao objeto comunicação, o conceito prejudicar ao objeto prejudicar e o conceito interação ao objeto interação. Dessa forma teríamos proposições sintéticas com sentido.

Dessa forma, para Immanuel Kant, quando a metafísica formula perguntas acerca de Deus, da alma, do universo, enquanto totalidade, não é possível que seus conceitos possam ter referência objetiva, com objetos dados ou construídos, na sensibilidade. O conceito de mundo, não refere um objeto dado o espaço temporalmente; o conceito de alma não refere um objeto dado ou construído espaço temporalmente; e a totalidade do mundo não se constitui em uma experiência, assim como questionar sobre o que é amor ou não e quem sente ou não esses sentimento. Portanto, o resultado da “A Crítica da Razão Pura”, é que a metafísica não é possível enquanto ciência.

 

 

 

 

Referência Bibliográfica

 

KANT, Immanuel. A Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

 

SACKS, Oliver. Um Antropólogo em Marte. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006.

 

Eduarda Paz Trindade, é acadêmica de Ciências Sociais (Bacharelado) – UFSM. Foi estagiária do 17° EIV (UFSM-2020). Atualmente participa dos grupos de estudos Desigualdades, Diferenças, Subcidadania e Políticas de Reconhecimento e do Sul Global (LabIS – UFSM). Faz parte do Grupo de Leitura e Prática Etnográfica: Etnografia em Tempos de Pandemia (UFSM). Participa do projeto de pesquisa: Reconfigurações no Sindicalismo e no Trabalho Rural (UFSM); é voluntária nos projetos de extensão: “SÓCIO-LÓGICAS”: Divulgação Científica da Sociologia na Plataforma YouTube (UFSM) e produtora de conteúdo do JUNIPAMPA – Bagé.

 

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