Ano 11 Nº 024/2023 – QUARTO DE DESPEJO DIÁRIO DE UMA FAVELADA: UM LIVRO QUE CONVERSA BASTANTE COM A NOSSA REALIDADE
Por Arthur Teixeira Ernesto
Para a escrita desta coluna, escolhi escrever sobre o livro “Quarto De Despejo Diário De Uma Favelada”, de Carolina Maria de Jesus (1960). O livro original possui 173 páginas, o exemplar lido por mim foi da Editora Ática (8ª edição), que contém 176 páginas, uma entrevista, ilustrações e outras informações sobre a autora. O idioma do livro é em português, e de acordo com a pesquisa de Luísa Arantes Bahia “após um ano da publicação do livro [pela editora Francisco Alves], a obra começou a ser traduzida e, atualmente, já foi versada para 13 línguas em 40 países”. A obra pertence ao gênero diário, e enxergo também como uma literatura de testemunho. Há quem diga que a obra pertence também aos gêneros: biografia (pois relata a vida de uma pessoa) e autobiografia (o autor conta a história da sua vida através de acontecimentos).
Fonte: Autor (2023)
Ao ler o livro “Quarto de despejo Diário de uma favelada”, percebi que além do tema central da obra que é o retrato do cotidiano de pessoas que moram na favela do Canindé-SP, há também diversos subtemas presentes, como: fome, miséria, desperdício de comida, desigualdade social, preconceito, conflitos, crimes sexuais, problemas de saúde, falta de assistência, falta de políticas públicas, sofrimento e resistência.
Desta forma, a obra é narrada pela autora-personagem Carolina que de forma espontânea e direta relata em seu diário os problemas que têm na favela. Em diversos momentos, o livro mostra a dificuldade que a personagem Carolina – uma mulher negra e mãe solo, que não tinha muito estudo, mas luta para sobreviver e, principalmente, para sustentar os seus três filhos, a Vera, o José Carlos e o João José, através da reciclagem de papéis e metais, e de como ela se desdobra para dar o mínimo para os seus três filhos, que é oferecer pelo menos um prato de comida a cada dia. Durante a recente pandemia, essa situação ficou bastante agravada com a insegurança alimentar, pois mostrou que, infelizmente, depois de anos de luta com políticas públicas de combate/redução à fome, o Brasil voltou ao mapa da fome, que foi ocasionada pelo (des)governo bolsonarista totalmente despreparado que anulou os direitos trabalhistas, ocasionando o aumento do desemprego, altas inflações nos alimentos, entre outros problemas.
Além disso, a personagem Carolina era uma sonhadora, mesmo que as pessoas duvidassem da sua capacidade como escritora, ela tinha a escrita como refúgio para descrever e registrar as suas vivências em seu diário e o cotidiano dos moradores da favela do Canindé, para que um dia pudesse publicar os seus relatos em um livro. E trazendo essa situação para os dias atuais, ainda é comum vermos sujeitos-negros serem descredibilizados por ocupar algum cargo importante e terem que, muitas vezes, mostrar que realmente são competentes para desempenhar o cargo que possuem.
Além disso, a obra vai mostrar o pior do ser humano, que é a falta de empatia com as pessoas mais pobres. A exemplo disso, temos a parte em que há desperdício de comida e também pessoas que colocam veneno nos restos de comida que estão no lixo para que as pessoas passassem mal ao ingerir a comida contaminada. E nos remetendo aos dias atuais, tristemente, essa prática ainda era bastante comum, pois era corriqueiro vermos nos noticiários que alguma pessoa passou mal com comida intoxicada, ou melhor, envenenada. Mas, agora, não é tão comum, porque os restaurantes são responsabilizados juridicamente e multados por esse tipo de situação.
Também há diversos relatos de preconceito da sociedade, vindo dos políticos que, muitas vezes, querendo tirar proveito da situação precária dos moradores, visitam a comunidade em época de eleição e depois os abandonam sem oferecer uma assistência médica, pois há personagens que foram contaminadas pela água/comida, mas também pela falta de alimentação adequada. Além disso, o livro mostra que os políticos não amparam os moradores do Canindé com algum benefício ao crédito para que eles possam sobreviver de forma mais digna, e nem segurança para os moradores dessa comunidade é oferecida, pois em diversos momentos há conflitos entre os próprios moradores, em que muitas vezes envolvem crimes sexuais entre crianças e adultos. Trazendo para os nossos dias atuais, é bastante comum vermos políticos pegando crianças no colo, comendo pastelzinho na feira, abraçando o povo e visitando os bairros para apresentar as suas propostas, que muitas vezes não passam de falsas promessas, como asfaltamento, encanamento e saneamento de esgoto, etc. Mas sabemos que muitas vezes essas promessas não são cumpridas pelos nossos governantes, que por sua vez, deixam os bairros, os ribeirinhos, as vilas, as periferias, as comunidades sem assistência básica de saúde, educação e segurança, etc.
Ao ler o livro, parece-me que a autora está do nosso lado narrando a sua história, como mostra o trecho: “Eu escrevo porque preciso mostrar aos politicos as pessimas qualidades de vocês. Eu vou contar ao reporter” (p. 151). Com isso, a autora e protagonista da sua própria história, Carolina Maria de Jesus, narra com muito sofrimento, muitas vezes em forma de diálogos, poesias, metáforas e protestos, em que ela não gosta de morar na favela, da fome e da miséria. Assim, ela descreve aquele ambiente hostil sem romantizar a favela de forma direta e se coloca numa posição-sujeito resistente, pelo fato de querer fazer com que a sua realidade seja vista por mais pessoas. Em síntese, a obra é maravilhosa e bastante pertinente para os nossos dias atuais, pois reflete as desigualdades e preconceitos que ainda vivemos.
Arthur Teixeira Ernesto: graduando no 8º semestre do curso de Licenciatura em Letras — Português e Literaturas de Língua Portuguesa e ingressante em regime especial no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Línguas (PPGEL) da Universidade Federal do Pampa (Unipampa Campus Bagé/RS. Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-Letras Bagé). Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas Oliveira Silveira (Neabi Oliveira Silveira). Integrante do Centro de Escrita da Unipampa (CEU).