Ano 09 nº 091/2021 – Quando a arte imita a vida

Por Ana Gabriely dos Santos Dias

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           Imagem do curta-metragem Dois Estranhos (2021), lançado pela Netflix.

 Acervo da autora.

No decorrer da vida vemos muitos filmes. Há aqueles que fazem nossas barrigas doerem de tanto rir, há outros que nos arrancam lágrimas, há romances melosos que gostaríamos de viver, há alguns que nos arrancam gritos de medo e há aqueles que são o reflexo da realidade da vida sofrida dos oprimidos. E esses que retratam a dura realidade da vida são como um grito de socorro, as pessoas assistem e até falam “que horror isso”, mas uma semana depois já não se lembram mais.

Eu vi um punhado de filmes nos quais a arte imita a vida e todos me tocaram de um jeito que não esquecerei. Não posso citar todos aqui, mas posso citar um, visto recentemente, o curta-metragem Dois Estranhos, da Netflix, lançado no dia 2 de abril de 2021, com direção de Travon Free e elenco com Joey Badass, Andrew Howard e Zaria Simone. Esse curta retrata a violência policial racial, algo que está muito presente na  sociedade contemporânea, embora estejamos em pleno século XXI. Trata-se da história de Carter, um homem negro que é constantemente perseguido por Merk, um policial branco. O curta se desenvolve em um ciclo permanente, no qual as personagens acabam sempre se encontrando. O policial Merk mata Carter e, assim, Carter acorda novamente naquela mesma manhã, iniciando um loop temporal.

A primeira morte de Carter é realmente um pedido de ajuda. Ele morre sufocado pelo policial Merk, assim como ocorreu com George Floyd, no dia 25 de maio de 2020, ao ser estrangulado por um policial branco. As falas ditas tanto pelo personagem Carter, quanto por George Floyd antes de morrer foram “eu não consigo respirar”. E isso mostra o quanto o ódio pela cor de uma pessoa é algo desumano.

De acordo com o banco de dados de mortes pela polícia do jornal americano The Washington Post, embora os afro-americanos representem menos de 14% da população, eles foram quase 24% vítimas das mais de 6 mil mortes causadas pela polícia desde 2015.” (Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56737516. Acesso: 30/06/2021). O que leva os policiais a olharem alguém e julgarem a sua cor? A história leva a isto: a escravidão retratada nos livros nos lembra das diferenças impostas naquela época, e essas diferenças ficaram enraizadas na sociedade, fazendo algumas pessoas se acharem superiores por isso.

Então, quando ouvimos a frase “vidas negras importam”, vem a lembrança de que só existe essa frase e esse movimento de luta, porque as mortes não cessaram, porque as pessoas ainda não se conscientizaram sobre o que significa igualdade e respeito. Além disso, se achar no direito de matar alguém pela sua cor é uma doença, é a doença da sociedade. É como demonstra o curta, esse loop temporal é a representação de que sempre há uma morte sem motivos, sempre há um policial branco apontando uma arma para uma pessoa simplesmente por ela ser negra.

 E, quando dizemos que a arte imita a vida, vemos uma realidade absurda. Nos filmes de anos atrás, víamos que os papéis interpretados por pessoas negras eram de empregados, mordomos, entre outros. E, agora, temos rainhas, duques, Jesus e princesas interpretados por pessoas negras. Isso representa a evolução, representa que o preconceito está diminuindo cada vez mais. E esperamos que a geração futura seja melhor do que somos hoje.

Vemos o curta Dois Estranhos como um ato de resistência a um sistema falho que não só abandona as pessoas, mas também as oprime e distorce os fatos de uma realidade conturbada. Onde policiais atiram sem, ao menos, verificarem se a pessoa cometeu algum delito. Uma colher, escova, celular, garrafa, para eles são todas armas e motivos para atirar. E, enquanto houver policiais que usem de seu distintivo para o abuso de poder, haverá aqueles que resistem e lutam por um futuro melhor.

image1Ana Gabriely dos Santos Dias é discente do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Pampa/Campus Bagé – RS. Atualmente é integrante do Programa de Educação Tutorial (PET-Letras). Tem interesse nas áreas de Literatura e Escrita Criativa.

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