Ano 11 Nº 019/2023 – PARA MEU AMIGO BRANCO

Por Maurício Nunes Macedo de Carvalho

O título irreverente dá nome ao livro de Manoel Soares, escritor, jornalista, cofundador da Central Única das Favelas (CUFA), todavia, talvez você o reconheça ao ligar a TV pela manhã onde, ao lado da Patrícia Poeta, apresenta o programa matutino Encontro na Rede Globo.

O livro, que tem 151 páginas e foi publicado pela editora AGIR no ano que passou (2022), se trata de um bem elaborado esforço para sensibilizar e introduzir pessoas que buscam compreender melhor as nuances do racismo no Brasil, sem tornar a leitura carregada de fatos históricos, exemplos fatídicos do exercício da discriminação racial ou termos técnicos para descrevê-los.

Muito pelo contrário, o autor logo no primeiro capítulo informa ao leitor negro ou negra que sua obra foi elaborada para acesso às pessoas brancas, pois busca despertar a consciência crítica daquelas atitudes racistas que convivemos no nosso dia-a-dia e, sobretudo, informar que o racismo não aflige somente a pessoas negras, mas também, tem efeito negativo sobre as pessoas brancas.

Essa proposição torna-se evidente quando, ao longo de seus onze capítulos, o autor provoca o leitor a refletir sobre suas próprias ações e pensamentos quando lhe são expostas formas de manifestação discriminatória. Perguntas como: “Você se lembra da primeira vez que viu uma pessoa negra?”; “Qual foi a primeira pessoa negra que começou a interagir com você?”; “Você se lembra do papel social que ela ocupava?”; “Quando você ingressou na escola, consegue lembrar se havia pessoas negras no contexto em que estudava?”; “As pessoas negras eram bem posicionadas dentro da sociedade escolar ou ocupavam lugares subalternos, como a ‘tia da merenda’, o porteiro, a faxineira ou mesmo aquele coleguinha discriminado?” permeiam suas páginas recheadas de passagens pessoais e informações relevantes.

Dentre tantas, somos brevemente apresentados a Lei de Terras de 1850, assinada pelo imperador Dom Pedro II, elaborada em um “momento oportuno” já que o tráfico negreiro passou a ser proibido em terras brasileiras. Com essa nova lei, as chamadas “terras devolutas”, que não tinham dono e não estavam sob os cuidados do Estado, poderiam ser obtidas somente por meio da compra junto ao governo, desta maneira, ex-escravos e estrangeiros teriam que enfrentar enormes restrições para galgarem a condição de pequeno e médio proprietário. 

Posteriormente, se estabelecia no Brasil a doutrina eugênica, palavra grega que significa “bem-nascido”, que almejava o clareamento racial ou branqueamento racial e era amplamente aceito no Brasil entre os anos de 1889 e 1914, como a solução para o excesso de indígenas, mestiços e negros. Sua aplicação é concretizada pela criação do Decreto-Lei Nº 7.967 de 18 de setembro de 1945, assinado por Getúlio Vargas, que afirma que “a admissão de imigrantes, as características mais convenientes de sua ascendência europeia seriam preservadas”. Esta ideologia ganhou o apoio da ideologia do racismo científico e do Darwinismo social, que combinados, levaram a elite branca da época a acreditar que o sangue ”branco” era superior e inevitavelmente iria clarear as demais raças.

O autor nos conduz, deste Brasil que em sua gênese desejava ser Branco, a discussões mais contemporâneas, como o uso do humor para propagar um discurso de ódio contra grupos raciais. O racismo recreativo é um mecanismo cultural que promove o preconceito por meio de piadas, memes encaminhados por grupos de WhatsApp, entre outros, que possuem como alvo pessoas negras e, ao mesmo tempo, permite que pessoas brancas mantenham uma imagem positiva de si mesmas. De outro modo, também somos apresentados ao racismo cordial, situação na qual “a pessoa negra se sinta, mesmo na condição de lesada, parte de um sistema, e a pessoa branca, mesmo na condição de opressora, se sinta uma parte não culpada ou não responsável desse sistema”. Casos como estes são facilmente exemplificados em apelidos pejorativos que soam “cordiais”, tais como: Tição, Buiuzinho, Kakinho (diminutivo de Macaco); ou em situações em que ocorra uma reprodução das posições sociais praticadas na escravidão, tal como a empregada doméstica que renuncia ao seu tempo e cuidado dos próprios filhos para destinar atenção aos filhos da patroa.

Ao concluir a leitura deste livro, escrito de maneira muito acessível e fluída, busco compreender o meu lugar, enquanto homem negro, com formação e doutoramento nas áreas das ciências exatas, professor em uma universidade pública federal, que vê ao longo dos anos crescer o ingresso de alunos negros pardos/pretos amparados pela Lei nº 12.711/2012, que lhes reserva o direito de uma reparação histórica tão superficialmente exposta neste texto, mas que no entanto, não reverbera no protagonismo e irmandade encontrada no ambiente acadêmico. 

Herdamos, como um todo, um ambiente acadêmico com os resquícios de uma formação elitista, preconceituosa e constituída por uma maioria branca, restrita a poucos homens e mulheres negras que desafiaram o senso comum e investiram no desenvolvimento de seu intelecto e crescimento pessoal. 

A esperança reside na união de pessoas em torno de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas, tais como o NEABI Oliveira Silveira no Campus Bagé (UNIPAMPA), que anseiam por receber professores e alunos que desejam debater e promover a integração racial e valorização dos povos negros e indígenas; como também nos frutos da Lei de Cotas, que possam em um futuro breve gerar professores e tornar o ambiente acadêmico mais diverso e que, enfim, possa refletir todo o arcabouço de nossa constituição social.

Maurício Nunes Macedo de Carvalho: Professor no Bacharelado em Engenharia da Produção (UNIPAMPA); Graduado em Engenharia Elétrica (UFSM), Mestre em Engenharia da Produção (UFSM); Doutor em Engenharia da Produção e Sistemas (UNISINOS); Membro do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), Membro NEABI Oliveira Silveira (UNIPAMPA).

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