O visitante

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Por Emanuel Machado

No romper de meus suspiros, recordei meus medos mais severos, que aos poucos inebriaram meus pensamentos, desordenados e extravagantes. Não soube como reagir, então  pausadamente pisquei os olhos quase sem abri-los, mas não menos clarividentes. O que eu vi, ao certo, não descrevo, por incompetência e por duvidosa memória. Mas eu estava inteiramente presente naquele ébrio momento, e com diligência o vivi, mesmo com os percalços causados pela ausência de uma razão lúcida. Lembro-me, ainda, de estar tremendo e, com a boca seca, engolir o ar úmido e opressivo, estufando o peito, não mais vagaroso, mas incomumente conhecedor de meus delitos.

Foi neste insólito instante que reconheci minha própria indiferença, a qual julgo absurda, libertadora, e no entanto, fatal. Quando se reconhece a si mesmo como alguém capaz de não digerir a realidade com olhos comuns, percebe-se a concepção da crueldade abrigada em si mesma, e ela é tragada alma adentro, anunciando uma vida que nos trai, em sua iminente desolação. Ocorre que, por descuido, arrasto meus temores, que só pesam por minha elegante fraqueza e forçosa harmonia entre saber e duvidar. Mas na imensidão vaga de um acontecimento ilustre, me vejo. Me vejo concretamente na ilusão que afaga meu estranho sofrimento, contraditória alegria de uma consciência quase atormentada. Minhas mãos levemente suadas escorregaram em meu rosto flácido, e inerte. Eu o tocava e não o sentia. Quando eu o sentia, já não mais o tocava. Continuei deitado, enquanto o escuro agravava minha inquietação, mas permanecia com os membros imóveis. Tentei me levantar, porém fui detido pela má sorte dos que resistem. Eu estava distante, sozinho, mas comigo. 

Então gritei, o mais alto que pude, até sentir a rouquidão em minha garganta. Porém, não ouvi nada. Resolvi abrir bem os olhos e fixá-los em algum ponto. Para meu espanto, vi a meus pés um homem já velho, com um olhar terno e triste, seus cabelos não eram grisalhos, mas seu aspecto marcava sua experiência. Com uma respiração lenta e dificultosa, com uma calma inacreditável, ele me olhava. Conversava animadamente, e mesmo sem o ouvir, eu conseguia entendê-lo.

Este homem, flagrado por meus olhos fustigados, revelou quem eu era. Mostrou meu tamanho. Minha solidão. Apresentou, não por crueldade, mas porque era preciso, a fotografia que melhor retratava a amargura que meu ser exalava pelo mundo. Enquanto isso, eu refleti sem parar, senti medo, senti dor, senti alegria, eu vivi este momento como se fosse minha vida inteira. Pois era ela quem estava diante de mim, suplicando que não acabasse, tão desguarnecida. Este visitante, me carregava consigo, ou eu era ele, ou ele era eu.  Mas antes que eu verbalizasse meu pensamento, ele escorregou em meu corpo inteiro, era eu sumindo e aparecendo.

Por este breve e indefinido instante, talvez não de vida, eu me senti como imagino que eu sou. Como imagino que todos nós somos. Inevitavelmente abatidos por uma angústia elevada, e por uma condição em comum: eu estava livre por não me pertencer, mas estava encarcerado, por não pertencer a nada.

Meu nome é Emanuel de Oliveira Machado, tenho 21 anos e Sou aluno do curso de Licenciatura em Letras – português na Unipampa. Amo escrever e ler poesia, acredito ter uma alma romântica, mas com doses de um realismo pessimista. 

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