Ano 04 nº 083/2016 – O que seria O CONVIDADO SURPRESA?
Moacir Lopes de Camargos
Luciana Simões
Professor do Curso de Línguas Adicionais da Unipampa.
Aluna do Curso de Letras Português/Espanhol da Unipampa
Este é o título de um romance moderno do autor franco-argelino Grégoire Bouillier, lançado no ano de 2004. Esta obra foi traduzida ao português por Paulo Neves e recebeu excelente crítica da atriz e escritora Fernanda Torres, que escreveu a apresentação do livro:
“O Convidado Surpresa” é uma impressionante narrativa sobre o amor, a intimidade e o que há de mais instigante na arte moderna, sobre aqueles que entendem que toda manifestação artística emana do indivíduo e de sua tragédia cotidiana repleta de som e fúria.
Grégoire Bouillier nasceu na Argélia em 1960 – país que teve declarada sua independência da França em 1962. Trabalhou como pintor, jornalista e estreou na ficção em 2002 com a novela Rapport Sur Moi, um livro autobiográfico que conquistou o prêmio literário Prix de Flore. Seu segundo trabalho, O Convidado Surpresa já foi traduzido para vários idiomas como o italiano, o alemão, o espanhol, o português e o Inglês. O livro obteve uma ótima crítica do jornal estadunidense New York Times como sendo uma ótima descoberta literária, e a revista eletrônica State o apontou como um dos dez melhores livros do ano. Em 2008, Bouillier publicou na França outro romance intituladoCap Canaveral.
O Convidado Surpresa é narrado em primeira pessoa e o próprio narrador é o personagem principal. O livro é baseado em fatos reais e se aproxima de uma espécie de diário do autor por meio do qual ele mantém um diálogo direto com o leitor, usando uma linguagem de fácil entendimento, com enunciados que podem parecer um tanto repetitivos pelo fato de serem bem próximos da oralidade como, por exemplo, o enunciado “COMO SE DIZ”. Com este enunciado ele conclui inúmeras reflexões ao longo de sua narrativa. Essa oralidade é também evidente pela liberdade de pontuação ao longo de todo o texto, além do uso de muitas “vírgulas” e do conector “e” sem a presença rígida de parágrafos e pontos finais.
O autor faz alusão a acontecimentos atuais da época de sua escrita à medida que conta sua história. Também é comum encontrarmos fotos com as quais ele busca comprovar aquilo que nos conta. Desse modo, o autor escreve um romance que é dedicado a sua ex-namorada, atual na fase de produção do livro, Sophie Calle.
Conforme explica Molina (2009) Sophie é uma artista conceitual e escritora francesa que ficou conhecida no mundo todo quando tornou público o e-mail que recebeu de Grégoire Bouillier que rompia com o namoro dos dois. Para a artista, a única maneira de fazer arte é usar a narrativa e, dentro desse terreno, seu artifício preferido é o de se valer de experiências de sua vida pessoal para a criação de seus trabalhos. Portanto, é impossível falar de “O convidado Surpresa” sem falar de Sophie Calle, até porque é neste livro que o autor conta como conheceu a artista e escritora e como se deu o início desse romance.
A história parte de um telefonema que Bouillier recebe de uma ex-namorada que ele ainda não havia conseguido esquecer, principalmente pelo término repentino por parte dela e que ele, apesar do tempo, ele ainda buscava explicações, além de alimentar uma certa esperança de, em algum momento, reatar o romance, mesmo sabendo que ela já ela estava casada com outro e que tinha uma filha. Na verdade, o telefonema foi para convidá-lo a uma festa, na qual ele seria o convidado surpresa, o que nos explica o título do livro.
A ex-namorada de Bouillier era amiga de Sophie Calle que, em cada aniversário, mantinha uma espécie de ritual. Ela convidava um número de amigos correspondentes a sua idade e um desses amigos ficava encarregado de convidar alguém que ela só conheceria durante a festa; esse convidado surpresa simbolizava o próximo ano de vida em que a aniversariante estava entrando. A ex-namorada de Bouillier, desta vez, foi a encarregada e, então, acabou lembrando-se dele. Ele, apesar de ser surpreendido, aceitou o convite e seus dias passaram a girar em torno da expectativa da festa e, mais diretamente, no reencontro com a ex que ele acreditava ter telefonado por um motivo subentendido, talvez para pedir desculpas, querer reatar, ou simplesmente explicar as razões que a fizeram abandoná-lo. Ele precisava muito disso para tentar seguir adiante e desprender-se do passado em que tanto amou e também foi amado por esta mulher.
Porém, nada disso aconteceu, pois quando o dia da festa chegou, ele foi tratado com certa indiferença pela ex e trocou meia dúzia de palavras com a aniversariante com um assunto que não fluiu. Ele achou a festa chata e não se sentiu à vontade em meio àquelas pessoas que não conhecia. Ao fim da festa, ele admitiu a si mesmo o fim também daquele romance tórrido de algum tempo atrás que ainda o perseguia e entendeu que tudo que vivera e conversara com a ex-namorada, até mesmo o convite para a festa, não passava de uma encenação de um livro chamado Mrs. Dalloway, da autora inglesa Virginia Woolf. Este era o livro que ela mais gostava na adolescência e que teria decidido viver a vida de acordo com esse tal livro, fazendo com que todos os acontecimentos em sua vida se encaminhassem como o da personagem de Woolf. E depois de entender tudo isso, ele já não sentia mais nada pela ex-namorada.
É já no final do livro que o autor dá ênfase a Sophie Calle. Ele conta seu primeiro encontro com a artista em uma outra festa em que ela fazia questão de felicitá-lo pelo lançamento de seu primeiro livro. Sophie, porém, não se lembrava que ele havia sido o convidado surpresa de sua festa há dez anos atrás. Mas, a conversa entre os dois, desta vez, fluiu alegre e espontânea. O autor não deixa absolutamente claro no livro o desenrolar da relação amorosa entre os dois. Após este encontro, entende-se que começa o namoro.
Enfim, “O Convidado Surpresa” é um romance que qualquer leitor, em algum momento, irá se identificar com trechos ou até mesmo a história toda contada pelo autor. É de fácil entendimento, leitura rápida, daqueles livros que você pega e não quer parar de ler até chegar ao final, pois é uma narrativa leve e um enredo, um tanto, trágicômico. Pode-se dizer que o livro expõe o leitor a uma espécie de fluxo de consciência que faz da leitura uma experiência de reflexão e nos põe a par de toda a nossa fragilidade humana quando o tema é o amor.
REFERÊNCIAS
ANTENORE, Armando. Investigação sobre o amor. Revista Bravo, ano 11, n. 141, jul. de 2009, p. 54-61.
BOUILLIER, G. O Convidado Surpresa. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
MOLINA, C. Carta de ex-namorado motiva exposição de Sophie Calle em SP. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,carta-de-ex-namorado-motiva-exposicao-de-sophie-calle-em-sp,400772. Acesso em: 12 de maio de 2016.