O que se veta quando se veta uma verba destinada à cultura?

Por Giana Guterres

Nas últimas semanas, temos visto desde notícias até memes sobre as leis de incentivo à cultura. Seja pelo veto para as leis Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo, quanto pela polêmica envolvendo críticas a Anitta, que levantaram discussões pelas verbas com que shows sertanejos são contratados Brasil afora.

Antes disso, uma breve abordagem sobre a Lei Federal de Incentivo à Cultura. Se esse nome é estranho a ti, saiba que esse é o novo nome oficial da Lei Rouanet. Tudo uma manobra para dizer que mudou a lei, que vai acabar com a mamata dos artistas e essas coisas todas. Na prática, só mudaram o nome. E reduziram, e muito, essas verbas do ano passado pra cá. O que já vem acontecendo há quase uma década, na verdade, mas com cada vez mais cortes.

A lei foi criada em 1991 para atender a demandas do mercado. Diferente de outras áreas, é como se o governo abrisse mão de gerir a verba da cultura para que o marketing das próprias empresas decida o que quer patrocinar. É isso mesmo. Entre um projeto com profundo impacto cultural e social e um projeto com um grande nome da arte em uma grande cidade, o que dá mais visibilidade? Quando as próprias empresas não criam suas fundações e institutos para gerir diretamente os projetos culturais.

Meu primeiro trabalho em produção cultural foi em um projeto de Lei Rouanet. Um projeto criado para atender as necessidades da empresa e com total interferência no produto final. Até uma cena de uma peça foi alterada por “sugestão” do patrocinador. A lei não é o problema. Ela só precisa de reformulação para que atenda não só os pequenos artistas e produtores como o interior do Brasil.

Comecei falando dela, para que a gente possa ter um parâmetro para destacar a relevância dessas duas leis que estão engajando o setor cultural pela derrubada dos vetos – com uma sessão agendada para o dia 5 de julho. A cada R$1,00 investidos via Lei Federal, R$1,59 retornam para a sociedade, segundo a Fundação Getúlio Vargas. Já com a Lei Aldir Blanc, entre 2020 e 2021, com recursos chegando para a cultura em TODOS OS MUNICÍPIOS do país, fez com que para cada um real, R$2,84 retornem para a sociedade. Esses são dados preliminares levantados pelo pesquisador Célio Turino sobre o impacto da verba emergencial para a cultura durante a pandemia.

O projeto da Lei Aldir Blanc 2 (LAB2) é uma política nacional permanente de fomento ao setor cultural. Prevê um repasse de R$3 bilhões anual, aos moldes da Lei Aldir Blanc, em um mecanismo permanente de fomento, descentralizando os recursos de cultura no Brasil, conforme ementa da Câmara dos Deputados.

Já a Lei Paulo Gustavo propõe recursos de R$3,862 bilhões do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC) de forma descentralizada aos estados e municípios para fomento de atividades e produtos culturais. Destes, R$198 milhões são destinados ao Rio Grande do Sul e também a TODOS os seus municípios. É uma política de caráter emergencial, equivalente à Lei Aldir Blanc 1, de 2020. A justificativa é que essa nova lei emergencial amenizaria os efeitos de devastação econômica do setor.

Algo muito importante é que durante a construção do projeto desta lei, foram criados 

comitês de todos os estados, sendo ouvidos a partir de suas experiências, erros e acertos com a Lei Aldir Blanc. Além de profundamente democrática, a Lei Paulo Gustavo é fundada na descentralização de recursos. 

Relevante também é que a transparência é fundamental, pois obriga os estados e municípios a regulamentar a criação de uma plataforma para publicar a lista de beneficiários dos recursos. 

Além de comprovar todos os gastos em uma prestação de contas, há a exigência de contrapartidas como ações gratuitas com a rede pública de ensino e com profissionais de saúde, especialmente aqueles envolvidos no combate à pandemia.

Para se ter uma noção da importância de ações como a Lei Paulo Gustavo, somente em 2020, registraram-se a diminuição de cerca de 458 mil postos de trabalho ligados aos setores criativos no Brasil, sendo 60 mil trabalhadores criativos desempregados no estado. Segundo matéria publicada no Nonada, mesmo com estas perdas, a economia criativa ainda é responsável por 5,8% dos postos de trabalho existentes no Rio Grande do Sul, dados anteriores às leis emergenciais chegarem ao setor.

Paulo Gustavo, artista vítima da Covid-19, disse que “o ódio não soma, não acrescenta, não cria. Já o amor, este sim, germina e multiplica”. Ao vetar uma lei que atende um dos setores mais afetados pela pandemia, o ódio é erguido como um monumento de mentiras e notícias falsas.

Assim, como Paulo Gustavo disse que “rir é um ato de resistência”, fazer arte sempre será um ato de resistência. E não há veto que impeça aos artistas de germinar e multiplicar.

Graduada em Jornalismo e Produção Cênica, mestranda em Comunicação na UFPR onde pesquisa gestão e comunicação de espaços culturais. Trabalha com projetos relacionados à literatura, teatro e com assessoria de imprensa na área de Cultura. É autora de Eu, Passarinho e Luar, o menino que escuta estrelas. Se interessa por produção de arte por mulheres, dramaturgia e teatro de animação. Escreve poemas e o que der vontade, e começou a bordar para bordar suas escritas  em @floresciversos.

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