“O objetivo da minha escola é mostrar quantas coisas extraordinárias até mesmo um homem preguiçoso e ordinário pode ver se se dispuser à simples atividade de ver […]”: algumas considerações sobre “Tremendas Trivialidades”, de G.K. Chesterton

Por Bárbara Alves Branco Machado

Conheci o G.K. Chesterton de uma forma banal, através de uma citação do autor que vagava em um comentário no Youtube. Fui pesquisar quem era tal escritor, e me deparei com um artigo sobre ele (ARAUJO, 2018), afirmando que Chesterton, caso fosse vivo, amaria o tio do pavê (ou o “tio do churrasco”, no meu dialeto). Em outras palavras, segundo uma análise superficial do texto, G.K. Chesterton amaria aquele estereótipo de homem de meia idade, supostamente piadista. O célebre “tio” moralista que bebe todas e mais algumas nas festas de final de ano, e produz falas “bem humoradas”, recheadas de estereótipos e preconceitos capazes de gerar a mais completa vergonha alheia em qualquer ser que tenha o desprazer ouvi-las. 

Quando descobri que G.K. Chesterton era associado a tão “prestigiada” figura da cultura popular brasileira, senti calafrios. Contudo, fazendo essa associação completamente desprovida de sentido se analisarmos a definição original do “tio do pavê”, o artigo tinha o intuito de falar que Chesterton amava a figura do homem comum, homem este descrito essencialmente como cristão, conservador, heterossexual, carnívoro e, o mais importante, ordinário. O homem que deixaria Guacira Louro e toda a classe intelectual progressista em pânico por “quase” se enquadrar completamente no padrão social dominante. Pensando melhor aqui comigo, tal figura masculina chestertoniana, em avançado processo de extinção na nossa contemporaneidade, não é tão distante assim do “tio do pavê”. 

Perante tantas percepções e preconceitos imediatistas causados por esse artigo, resolvi pesquisar a vida e obra do autor em outros locais, e aqui estou eu tecendo o presente texto sobre “Tremendas Trivialidades”, minha primeira leitura do Chesterton após as breves e peculiares investigações que fiz sobre o autor. O livro em questão trata-se de uma antologia composta por 39 crônicas (sim, classificadas na versão nacional como crônicas) publicadas originalmente em um jornal inglês chamado Daily News. 

As crônicas possuem temas variados acerca de trivialidades que cercam nossa vida. Sabe nossas práticas artísticas ou esportivas amadoras? Sabe aquele nosso almoço trivial em um restaurante qualquer? Uma viagem vulgar a trabalho?  Ou uma “viagem” de táxi? Os nossos ensaios contemplativos de um local histórico após percebermos que estamos em um local histórico? As brincadeiras de criança? E todas as nossas pequenas interações com desconhecidos comuns? Chesterton reflete e romantiza até a razão de existir do papel pardo em uma escrita extremamente acessível e divertida. 

Ressignificando acontecimentos banais do nosso cotidiano de forma genial, ele nos aconselha a fazer o mesmo. O próprio escritor afirma em seu prefácio que devemos exercitar “o olhar até que ele aprenda a ver os fatos extraordinários que atravessam a paisagem tão claramente como uma cerca pintada. Sejamos atletas oculares. Aprendamos a escrever ensaios sobre um gato de rua ou uma nuvem colorida.” (p.9). 

O Cristianismo de Chesterton marca as crônicas também, seja através de sua crítica sarcástica ao Ceticismo ou até mesmo ao seu próprio interesse pelos homens e mulheres comuns. O autor exalta os pobres como “joias de Deus”, os derrotados como os vencedores. Em Tremendas Trivialidades, Chesterton confere protagonismo àqueles homens e àquelas mulheres medíocres, que passam pela vida despercebidos, transformando seus feitos cotidianos em acontecimentos significativos, promovendo uma ode a nós, criaturas ordinárias e miseráveis. 

Depois de lê-lo, eu compreendo o porquê de Chesterton ser um dos escritores mais citados em redes sociais, comuns, junto com o Bukowski. O cara é simplesmente uma máquina de produzir frases de efeito sobre a vida cotidiana. Não há sequer uma página do livro que não tenha uma citação bela, inspiradora, engraçada e aplicável a uma conversa trivial ou a um post prosaico.

Mas compreendi também, apesar de ser um ser “emocionalmente decente, só que intelectualmente limitado”, que Chesterton não é só uma máquina de produzir frases de efeito. A produção textual do autor nesta antologia é de uma genialidade ímpar. Embora breves, as crônicas aqui apresentadas são recheadas de minúcias, descrevendo o contexto histórico de suas narrativas e visão de mundo de forma densa. Creio que esta obra é essencial para introduzir o pensamento de G. K. Chesterton bem como ser o ponto de partida para suas publicações mais conhecidas. Recomendadíssimo!

Referências: 

ARAUJO, Daniel. Chesterton amava o tio do pavê. Sociedade Chesterton Brasil, Porto Alegre, 13 abr. 2018. Disponível em: https://www.sociedadechestertonbrasil.org/11314-2/. Acesso em: 12 fev. 2022. 

CHESTERTON, Gilbert Keith. Tremendas Trivialidades. Trad. port. de Mateus Leme. Campinas: Ecclesiae, 2012.

LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

 Mestra em Ensino, escreve sobre tudo e qualquer coisa de forma amadora. 

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