Ano 05 nº 054/2017 – O menino da bolsa

Autor: Yasmin Voss, estudante do ensino fundamental, 8 ano, no colégio Auxiliadora

O que falar sobre ele? Era bastante misterioso. Impossível  decifrá-lo. Seus  fios de cabelo eram escuros como a noite, suas vestimentas eram em tons do outono. Sempre estava acompanhado de uma bolsa de couro levemente escura. Poucos conversavam com ele, era muito difícil de vê-lo acompanhado de alguém. Muitas garotas se interessavam por ele por conta desse seu lado misterioso, mas ele parecia não se interessar por nenhuma. Sua única companheira era aquela bolsa. Afinal, que segredos ela guardaria?

Uma  certa curiosidade sobre ele havia nascido em mim e, como qualquer outra pessoa, eu queria saber mais do que podia.

Certo dia eu estava indo à faculdade junto com alguns amigos. As folhas de primavera caiam das árvores, o céu estava com uma coloração alaranjada do amanhecer. Eu estava chegando na entrada da faculdade, até que senti esbarrar em alguém. Olho para frente, um pouco envergonhada  e percebo que era ele, o menino da bolsa. Peço desculpas rapidamente. Como havia derrubado as suas coisas sem intenção, o ajudo a juntar. Estava prestes a juntar a sua bolsa, mas senti um tapa em minha mão. Ele pegou sua bolsa e saiu dali, deixando-me mais intrigada.

-O que haveria na bolsa?-Era o que mais se passava na minha cabeça.

Fico por um tempo pensando no que havia acontecido. O que poderia ter naquela bolsa que ele quisesse que ninguém visse? Estava cada vez mais curiosa sobre aquilo. Então, senti o estralar de dedos em minha frente de um de meus amigos, fazendo-me sair de meus pensamentos. Ele estendeu sua mão e ajudou-me a levantar.

-O que o Yan queria falando com você?-Um dos meus amigos me perguntou.

-Yan?-Perguntei  por não saber de quem ele estava falando.

-Sim, eu vi ele falar com você agora mesmo.

Yan? Então esse seria o nome do menino da bolsa? Estudava com ele, mas, incrivelmente, não sabia muito sobre ele. Era como se sua vida fosse um grande mistério impossível de decifrar. Mas como em todo bom mistério há um detetive e eu queria descobrir mais sobre ele.

-Terra chamando! – Meu amigo chamou minha atenção, novamente.

-Desculpe-me, tinha me perdido em meus pensamentos -Respondi – Ele não queria nada de mais comigo.

-Tome cuidado com ele, existe algo por trás dele.

Apenas concordei com o meu amigo, mas fiquei cheia de dúvidas em minha mente. O que ele estava querendo dizer com aquilo? O que poderia ser? A única certeza que eu tinha era que por trás de todo aquele silêncio existia algo que poderia causar grandes estrondos e as respostas para todas minhas perguntas estariam naquela bolsa. Eu precisava pega-la, precisava ver o que tinha nela.

Depois de ficar um tempo conversando com os meus amigos, decidimos entrar na faculdade para não nos atrasarmos.

A faculdade era uma das mais aclamadas da cidade, poucos conseguiam entrar nela. Sonhara em estudar aqui desde pequena, havia mudado de cidade especialmente para realizar esse sonho. Além de suas ótimas ferramentas de estudo, o lugar era incrivelmente belo. Árvores de cerejeiras, a coloração do amanhecer, o aroma doce das flores no ar, tudo se encaixava perfeitamente. No interior do prédio havia longos corredores de acesso para salas. As paredes eram em tons leves, mas que criavam vida junto aos móveis e enfeites.

Vi que faltava pouco tempo para a aula em um relógio situado na recepção, fui em direção a minha sala rapidamente para que não me atrasasse. Ao chegar lá, meu olhar foi direto para alguém em uma das primeiras fileiras, Yan. Sentei –me no meu lugar, preparando-me para a aula.

Yan era um dos alunos exemplares, tirava as melhores notas da faculdade. Será que ele tinha uma enciclopédia dentro daquela bolsa? Ou quem sabe uma pessoinha minúscula que passava as respostas para ele? Acabei o analisando um pouco durante a aula, ele fazia algumas anotações em um pequeno bloquinho marrom enquanto o professor falava. Seu olhar mostrava o tanto que ele estava concentrado, voltado apenas para o professor e seu bloquinho de anotações. Ele percebeu que eu estava o observando, então desviei  meu olhar para outra direção.

Algumas horas se passaram e finalmente a aula acabou. Alguns alunos começaram a sair, restando poucos, até que ficou apenas eu e Yan. Eu sempre demoro para arrumar minhas coisas.

Estava prestes a sair da sala até que vi Yan indo apressado atrás do professor. Olhei para a sua classe e surpreendi-me ao perceber algo, ele havia deixado sua bolsa ali por estar muito apressado. Sem  pensar duas vezes fui até a sua bolsa. Não conseguia acreditar nessa oportunidade que estava tendo agora. A bolsa que eu tanto me perguntara estava agora na minha frente. Meu coração estava um tanto acelerado, em minha cabeça se passavam mil teorias do que poderia ter dentro daquela simples bolsa de couro, levemente escura. Levei minhas mãos um tanto geladas para o zíper da bolsa e estava prestes a abri-la, quando senti alguém me puxar. Olhei assustada para quem tinha sido e vi que era Yan.

-O que pensa que está fazendo?-Ele falou me encarando.

Estava tão nervosa que não consegui falar nada, nem uma pequena palavra, se passavam mil coisas em minha cabeça, mas nada ousou sair de minha boca.

-Eu vou te avisar uma coisa, não se envolva e nem procure o que não deve senão uma hora você vai acabar achando aquilo que tanto procura e não vai se dar nada bem- Ele falou irritado, pegou sua bolsa e saiu dali.

Fiquei um tanto apavorada. Percebi o risco que podia estar cometendo, não sabia o que tinha ali, e se eu achasse algo perigoso? O que aconteceria comigo? Minhas mãos tremiam levemente como se eu estivesse presa a uma noite escura e fria. Ele parecia ser tão frio, ele escondia algo, ele era a noite escura a qual eu estava presa.  Suas roupas em tons suaves, seu rosto quase sem expressão, seu jeito guardado para si formavam um manto que o escondiam.

Resolvi ficar um tempo sem mexer nisso. Fiquei dias sem ao menos chegar perto dele. Mas eu sabia que para que meus dias ensolarados, os dias em que as folhas da primavera caiam das árvores, em que beija-flores pousavam nas flores, em que o ar era fresco e agradável retornassem precisava retirar esse manto que o cobria. Meus dias eram escuros, folhas secas caiam das árvores, beija-flores pousavam nas flores para retirar seu pólen e morriam envenenados, dias em que o ar sufocava me matando por dentro.  Precisava arriscar para que, pelo menos, fizesse algo e para que a luz aparecesse na escuridão.

Estava lendo um dos meus livros favoritos ao pé de uma árvore, vi Yan fazer o mesmo um pouco perto de mim. Ele se sentou com sua bolsa ao seu lado.

Fiquei lendo por um tempo até que percebi que ele estava focado, com seus olhos totalmente voltados para o livro, então resolvi agir. Levantei-me, peguei rapidamente sua bolsa fazendo ele me olhar e comecei a correr. Corri para o mais longe possível e percebi que ele corria atrás de mim. “Espero fazer o certo” era a única coisa que se passava pela minha cabeça, naquele momento.

Cheguei no banheiro e me tranquei ali dentro,  escutando em seguida algumas batidas na porta.  Precisava ser rápida antes que ele quebrasse aquela porta.

Ali estava ela, a bolsa, em minhas mãos. Analisei um pouco até que decidi abri-la. Levei minhas mãos novamente ao zíper e a abri. Vi alguns livros da faculdade. Botei minhas mãos dentro da bolsa para ver se achava mais alguma coisa. Estava quase desistindo até que senti algo, tinha a textura parecida com papel. Retirei rapidamente e fiquei indagada com o que era. O que é isso? Por que ele tem isso dentro da sua bolsa?

-Abre- Escutei ele falar, ainda batendo na porta- Abre que eu explico para você!

Sua voz estava diferente da que eu ouvira, parecia desesperado, nunca havia o visto assim. Estava tão curiosa que decidi abrir a porta. Abri vendo ele com uma expressão também diferente da que todos viam.

-O que você quer saber?- Ele me perguntou.

-Quem é esse homem com você?- Falei para ele ao mostrar o que havia achado na bolsa.

Era uma foto de duas pessoas, reconheci que uma delas era ele, mas não consegui identificar o outro. Eles estavam abraçados na foto, pareciam bem próximos, esse outro homem, o qual não consegui reconhecer, usava uma vestimenta um tanto diferente.

-É o seu irmão?- Perguntei.

-Não- Ele me respondeu e logo soltou um suspiro- É o meu namorado…

Admito que fiquei  um tanto surpresa, não imaginava isso por ele ser tão fechado.

-Ele foi para o exército- Falou Yan com certo peso em sua voz -Eu sinto saudades dele! Então guardo essa foto nossa, é a maneira dele ficar perto de mim, de me dar forças… Eu escondi ela pois tenho medo da reação dos outros, por isso não deixei ninguém chegar perto de minha bolsa, eu sei como irão reagir mal, então por favor, não conte para ninguém, eu te imploro.

Fiquei incrédula com a situação. Percebi no seu olhar como importava para ele, então prometi que não iria contar para ninguém. Pela primeira vez eu havia visto um brilho surgir em seus olhos, enquanto ele olhava para a foto. Eu percebi que uma estrela existia naquela escuridão…

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