Ano 07 nº 045/2019 – O mais doloroso dos sintomas emocionais / Coluna do Saulo
Por Saulo Eich
Saulo é psicólogo clínico Infantil e Adulto, de abordagem Cognitivo Comportamental, em Bagé/RS
Algumas coisas que acontecem ao nosso redor por vezes nos jogam num canto escuro e silencioso de reflexão, onde paramos e fazemos o que poucas vezes costumamos fazer: olhar para a nossa vida e enxergar a forma como ela está disposta no hoje. Nos últimos meses, as notícias sobre pessoas conhecidas que tiraram a própria vida parecem ter chegado numa maior e triste frequência. Mas é claro que situações como essa acontecem de maneira muito mais recorrente que aquilo que está ao alcance do nosso conhecimento. Para se ter uma ideia, de acordo com os dados informados pela Organização Mundial da Saúde, no mundo inteiro, uma pessoa comete o suicídio a cada 40 segundos e, no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, a cada 45 minutos alguém tira a própria vida. Os dados informam ainda que a taxa de suicídio caiu 10% a nível mundial mas, aumentou 6% no continente americano. São números que dimensionam o tamanho do sofrimento psíquico das pessoas nos dias de hoje.
Falar em suicídio por muito tempo foi entendido como algo a ser evitado por conta do medo de um “efeito contágio”, ou seja, da possibilidade de, estimuladas por ouvirem sobre ou se depararem com notícias de pessoas que se suicidaram, outras pessoas fazerem o mesmo. O que não é uma verdade absoluta, pois a grande e principal questão a se ter cuidado, quando se fala em suicídio, não diz respeito ao fato de falar ou não sobre, mas a forma como essa questão é abordada. Nesse sentido, existe uma outra expressão para ilustrar o efeito de uma abordagem responsável e amorosa sobre a questão do suicídio, o “efeito papageno”, que faz referência a um personagem da ópera A Flauta Mágica de Mozart, que, ao ser ajudado por 3 outros seres mágicos, desiste de tirar a própria vida.
Entender o suicídio como uma questão que requer muito mais uma aproximação empática da dor de quem tem a ideação suicida ou daqueles que sofrem o luto por alguém que se suicidou, do que entender as causas que levaram a isso é uma compreensão importante de se ter, pois querer entender as razões é um caminho que nos leva, muitas vezes a apontar o que não é importante no sentido da ajuda e nem adequado, como destacar o discurso de que o suicídio ou a ideação dele é “falta de religiosidade ou de Deus”, ou ainda, que não querer mais viver é “não valorizar a vida que se tem”. Esses são reforços negativos que, além de não contribuírem, alimentam os sentimentos de desvalorização e inadequação que a pessoa nessa condição sente. No sentido contrário, a oferta de uma escuta com paciência e disposição genuína para alguém que demonstra estar em sofrimento é bem mais eficaz e, às vezes, tudo o que quem está em sofrimento precisa.
Colocar a vontade de morrer manifestada por pessoas próximas numa perspectiva que possibilite a essa pessoa enxergar a vida e os momentos difíceis como situações transitórias é um recurso simples e importante de prevenção. Nossas emoções intensas, como a angústia demasiada, reduzem, por vezes, drasticamente a capacidade de colocarmos nossa vida e nossos problemas nessa perspectiva. Desse modo, a intervenção assertiva de um amigo ou um familiar na tentativa de resgatar esse olhar de que, por mais difícil que hoje nossa vida esteja, ela não seguirá sempre assim e que o suicídio é uma busca de uma solução definitiva para uma dor temporária é importante, desde que essa fala e essa condução sejam feitas com afeto, paciência e disposição.
O suicídio possui como principais fatores de risco, transtornos como a depressão, a bipolaridade, a esquizofrenia ou o uso abusivo de álcool e drogas. Estes fatores quando associados aumentam o grau de risco. A ausência ou fraqueza dos vínculos afetivos com amigos e familiares também estão nesse grupo. Dessa forma, buscar tratamento para as condições de saúde mental ou de dependência que citei, bem como manter vínculos afetivos fortalecidos são fatores de proteção para o suicídio.
É importante lembrar que suicídio não é uma escolha. Ele surge como o mais intenso e doloroso sintoma de condições graves de saúde mental, não sendo assim também, uma demonstração de covardia ou fraqueza. Muita gente esconde o que sente por vergonha. Muita gente esconde o que sente porque nosso mundo insiste em repetir que emoção e sentimento é frescura. Muita gente passa por momentos difíceis em silêncio e muita gente tira a própria vida por não suportar mais o silêncio, mas da mesma forma não conseguir quebrá-lo, e, nesse ponto, reforço que mais importante do que entendermos causas que levam as pessoas a se sentirem deprimidas e angustiadas, é estarmos atentos aos sinais de que alguém ao nosso redor esteja passando por um momento difícil e nos colocarmos à disposição da maneira mais simples que podemos fazer: oferecendo nosso tempo para ouvirmos e nossos braços para abraçarmos.
Saúde mental e física para todos nós e, até o mês que vem!