Ano 04 nº 052/2016 – O feminismo do dia-a-dia

Ana Isabel de Sousa Amorim.

Letras – Línguas Adicionais: Inglês, Espanhol e suas respectivas literaturas – UNIPAMPA

Há algum tempo, venho me incomodando com diferentes publicações rotulando o movimento feminista de forma errônea e simplista. O que mais me incomodou em relação a isso foi notar que há universitários, técnicos e professores, da própria Unipampa e de outras universidades, compartilhando tais ideias sem ao menos pesquisar sobre o assunto. Diante dessa clara falta de informação, percebi que deveria fazer algo já que o típico sarcasmo em relação ao apelido de “feminazi” não surte mais o efeito esperado.

Então, vamos lá, o que seria o movimento feminista? Definindo-o de forma rápida é um movimento social que busca a equidade de direitos das mulheres e a igualdade racial, social e de gênero. O que este movimento defende? A igualdade entre todos, sem nenhum tipo de distinção. Mas se ele busca igualdade, por que se fala de equidade no início da definição? Simplesmente por não haver igualdade de direitos entre homem e mulher no mundo atual. Sim, nós, mulheres, alcançamos muitas coisas, em diversas áreas recebemos o mesmo salário, temos o direito ao voto e a educação igualmente ao dos homens, temos leis voltadas a agressões especificas que sofremos. Mas ainda não há igualdade.

O estado ainda controla nossos corpos, ainda sofremos agressão física, sexual, verbal e psicológica nos diferentes lugares que frequentamos, ainda somos criticadas pelo modo que nos vestimos ou agimos, a responsabilidade dos filhos ainda é arremessada contra nós, ainda somos julgadas como as culpadas pelos crime que cometem contra nós. Para alcançarmos a igualdade, precisamos equiparar nossos direitos, mas essa é uma luta árdua e que vem ocorrendo há mais de meio século.

Com o acesso facilitado as mídias sociais, surgiu o ativismo virtual, uma das principais formas de propagação do feminismo atual. Por meio de páginas, blogs, grupos, fóruns e diversos outros meios, as meninas se reúnem colocando em debate diversos assuntos, compartilhando situações vividas, discutindo argumentos e ideologias.

Esses mesmos discursos são compartilhados e reproduzidos milhões de vezes, tornando simples frases em lemas. Mas junto com o ativismo virtual e a propagação rápida de informações, a alienação é fortalecida por meio de grupos contrários que reproduzem discursos machistas e conservadores sem ao menos saber do que se fala, usando exceções como regras e agredindo qualquer um que se oponha a aquilo.

É óbvio que o movimento não é composto apenas por pessoas calmas, pacíficas e didáticas, a grande maioria são mulheres que, devido a opressão sofrida durante toda a vida, reagem com agressividade a certos comportamentos machistas e patriarcais. Não compreendê-las é se fechar para a existência de uma sociedade onde ser mulher é ser constantemente desumanizada e objetificada.

O movimento feminista é composto por diferentes vertentes, que nutrem de variados ideais que contém ligação com o principal ideal “a igualdade racial, social e de gênero”. Cada vertente se aprofunda em uma opressão especifica e em um aspecto próprio, as principais vertentes são a interseccional, liberal e a radical.

Por que o feminismo brasileiro atual é tão fragmentado? A partir de um certo momento, a luta por direitos se tornou fragmentada por diversos motivos entre eles o fato de existir leis que garantam a igualdade de gênero, porém, devido a existência e perpetuação de uma cultura machista e conservadora, elas não são efetivadas. Devido a esta cultura, algumas mulheres obtém a efetivação de direitos que outras não, assim diferentes vertentes foram surgindo da necessidade de cada grupo feminino buscar seus próprios direitos.

No Brasil, há inúmeras vertentes ativas, porém as duas principais são a interseccional e a radical, conhecida popularmente como radfemen. Ambas mantém um número alto de adeptas e discussões diferentes, apesar de perseguirem um mesmo ideal.

O feminismo interseccional é uma mistura de todas as vertentes, ele visa unificar o movimento e atender a todas as demandas, o que muitas vezes é complicado, a principal busca do feminismo interseccional é transformar todas as vozes em uma voz conjunta, respeitando os limites de cada uma. É uma das poucas vertentes que aceita homens pró-feminismo e mulheres trans.

O feminismo radical, ou mais conhecido como radfem, retornou há pouco tempo junto com a criação do Femen Brasil, o grupo feminista responsável pela organização das primeiras Marchas das Vadias no país. Apesar disto, muitas adeptas tentam se desvincular da imagem da Femen Brasil por não concordar com as posições tomadas pelo grupo. Esta vertente é a responsável por posições consideradas extremistas por muitos, como a não aceitação de mulheres trans e homens no movimento. As mesmas defendem que a desigualdade ocorre devido a perpetuação de papéis de gênero dentro da nossa sociedade e creem que ser mulher é muito mais do que performar feminilidade, mas sim resistir a uma sociedade que te reduz a um mero enfeite.

Acho que deixo claro a gritante diferença entre estas duas vertentes, certo? Levando em conta a existência de diversas outras, chega a ser ridículo classificar alguma feminista como “feminazi” ou dizer que “o movimento feminista é o equivalente ao machismo”. Não, diferente do machismo, nós não estupramos um homem a cada 11 minutos. Nós lutamos por direitos, seja dentro da interseccional ou da radical, o que queremos é termos o direito de vivermos sem sermos julgadas, rotuladas, perseguidas, estupradas ou mortas. Queremos o direito de viver.

Manifestos como a “marcha das vadias” onde frases como “meu corpo, minhas regras”, “o estupro veio antes da mini-saia” e “eu posso estar de calcinha, mas a buceta continua sendo minha” podem parecer superficiais, mas carregam uma carga por trás. Apesar de não ser adepta a este movimento em especifico, conheço inúmeras mulheres que participam e suas explicações sobre o movimento são realmente muito boas. Deixo a você, leitor, o encargo de buscar essa informação, talvez um debate com alguém envolvido te faça abrir os olhos e mudar de opinião.

Junto com o ativismo virtual, surgiu o movimento “Vamos Juntas?” que não só une relatos de mulheres em situação de risco no dia-a-dia como situações onde a sororidade gritou mais alto. Para quem não sabe, sororidade é o conceito de união e empatia entre mulheres, é a ideia disseminada de que não somos inimigas, mas irmãs, que juntas somos mais fortes. Seguindo essa ideia, também surgiu o movimento “Elas por elas”, uma equivalente ao “He for She” da vertente liberal. O “Elas por elas” tem como intuito a união das mulheres para que juntas possamos não só nos proteger e nos defender, como buscar a efetivação dos nossos direitos.

Ainda no meio virtual, surgiu as diversas hashtags como #primeiroassedio e #elenaomebatemas que traziam relatos dos diferentes tipos de assedio sofrido por diversas mulheres ao decorrer da vida, muito mais do que relatar é mostrar a outra que ela não está sozinha, que nós passamos por isso, sofremos, mas ninguém irá nos fazer calar.  

Muitos dirão que manifestações como a “marcha das vadias”, “vamos juntas?”, “elas por elas” e as diferentes hashtags que nos impulsionam a relatar são somente meios para chamar atenção, mas a verdade é que este comportamento de mostrarmos que estamos aqui e que não vamos nos calar é uma forma de resistência. Somos a primeira geração de mulheres que falam abertamente sobre liberdade sexual, direitos das mulheres, maternidade, hiperssexualização feminina entre outros assuntos que até então eram tabu. Podemos continuar sendo chamadas de vulgares e vadias, mas, pelo menos, estamos ensinando outras mulheres que o direito sobre seus corpos só diz respeito a si mesma, que ninguém pode toca-las sem permissão e que elas são sim livres e que nenhum ser pode lhe tirar essa liberdade.

Sou feminista há alguns anos por escolha própria, me aprofundei no movimento e pesquisei sobre suas influências sozinha e, no meio deste caminho, notei que tudo o que me era pregado pela mídia não passava de inúmeras mentiras. Feministas não querem ter privilégios, ou reduzir os homens a meros escravos, nós queremos apenas parar de sofrer diferentes tipos de violência por sermos mulheres. Queremos parar de sermos demitidas após ter tido filhos, parar de ser assediadas pelos técnicos e professores, queremos parar de ouvir que a culpa é nossa quando somos perseguidas em uma rua ou violentada por um homem.

Queremos parar de sermos caçoadas e comparadas a nazistas por buscarmos equidade de direitos. Queremos parar de sermos insultadas por exercemos a liberdade sobre nossos corpos. Será que isso é mesmo demais? Será que somos todas tão loucas assim? Será mesmo que não precisamos nos desesperar quando um homem estranho se sente no direito de nos seguir na volta da faculdade? Ou nos mandar mensagem sem que tenhamos lhe dado nosso número? Será que não precisamos denunciar quando um técnico nos assedia moralmente por não concordarmos com ele?

Este texto é simplório perto do verdadeiro significado do Movimento Feminista, é uma simplificação do que significa encontrar um lar quando toda uma sociedade te aponta dedos por você nascer mulher. Poucos conseguirão sentir o que sinto quando falo sobre este movimento, mas saibam que é alívio. Sinto alívio por saber que minha filha não precisara se esconder debaixo de uma calça por medo de assédio pois a geração que antecede a ela está lutando contra está cultura. Sinto alívio pois minhas sobrinhas não temerão ser desacreditadas caso algo lhes aconteça, pois a minha geração está aqui, gritando como loucas algo que nunca foi dito, que a culpa não é nossa.

Espero que esse aglomerado de palavras o faça pensar, o faça pesquisar e querer lutar pela mesma igualdade que sonho desde pequena. Não quero fundir em ninguém os mesmos ideais ou pensamentos que nutro, mas quero plantar a curiosidade para que possa tirar suas próprias conclusões sem crer no que nos é gritado o tempo todo.

Por fim, quero lembrá-los que muitas antes de nós foram chamadas de loucas e hoje são comemoradas como símbolos da revolução. Foram elas que iniciaram o fogo, queimando sutiã em praça pública e lutando contra industrias que as massacravam, mas somos nós que estamos incendiando. Acredito firmemente que as chamas não acabarão em mim, desejo que a Fênix que surja dessas cinzas venha com o aroma de igualdade, a qual eu sou incapaz de sentir atualmente.

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