Eu Não Resolvo Sozinho/ Coluna PET Letras

Por Gilberto Stanchack Andrade de Lima

Estando isolado em casa, por causa da pandemia do novo Coronavírus, sobrou tempo para refletir sobre a vida, tanto de um aspecto individual quanto coletivamente. Por estar em um período particular de pandemia, vêm obrigações particulares, além das que já temos, mesmo em uma época dita “normal” – algo que se vê tão distante hoje em dia, não?

Quando se pensa em uma nova pessoa que vem ao mundo, ainda no seu estágio fetal, essa vida embrionária logo terá uma “certidão de nascimento”. Um papel que materializa o contrato social que obriga a todos a terem um registro de nome, local, data e hora de seu nascimento. Por se tratar de um bebê, essa obrigação recai sobre os pais, mas, depois de uns anos, a obrigação de cumprir o pacto coletivo de ter essa certidão será desse novo indivíduo. Seguida de estudar, achar um emprego, pagar impostos etc.  Essas obrigações existem na vida de todos, já que foram criadas antes de todos nós nascermos, mas se deve ressaltar que essas obrigações foram criadas por alguém, ou seja, não vieram “naturalmente”.

E, assim, construímos a sociedade, com acordos coletivos para nos organizarmos enquanto nação. De maneira geral, essas obrigações fazem a manutenção da sociedade. O filósofo Rousseau, autor da obra “O Contrato Social”, defende que a população seria agente, elaborando leis/regras, e paciente, respeitando e seguindo as leis/regras. A questão é: sabemos como nossas obrigações individuais impactam o todo? E podemos medir até onde estamos dispostos a nos privar de algo pelo bem do próximo?

Nos primeiros meses de isolamento, o Congresso Nacional elaborou a lei 14.019/20, através da qual se cria uma das obrigações que só nos aparece em tempos de pandemia: usar máscara (cobrindo nariz e boca, por favor), em lugares específicos – “estabelecimentos comerciais, indústrias, templos religiosos, estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas”. Com isso, o direito de respirar de maneira mais confortável perdeu espaço para a ideia de que precisamos salvar vidas freando o contágio do vírus. O custo parece baixo quando comparado ao benefício, mas nem todos enxergam da mesma maneira. Pessoas sem máscaras se tornaram um caso recorrente de quebra de obrigações individuais visando ao bem coletivo, geralmente com argumentos que deixam a desejar sob o ponto de vista científico. 

Pessoas visando a escolhas individuais confortáveis, sacrificando ideais coletivos, não é uma exclusividade de períodos pandêmicos, o contexto delicado apenas torna tudo mais grave. Como a discussão das vacinas, por exemplo. Voltando ao bebê imaginário que nasceu no início deste texto, além de sua obrigação de ser registrado, tem a de ser vacinado. E o bebê também não escolheu isso, muito menos seus pais, mas nós, como população, escolhemos nos imunizar com as vacinas. Essa decisão não é minha nem sua, é nossa. E tem embasamento científico. 

Pensando que até mesmo os anticorpos que possuo, ou não possuo, afetam toda uma coletividade, seria imprudente e egocêntrico ignorar as consequências na vida do próximo ao tomar uma decisão pessoal. A ideia não é tirar de nós o rumo de nossa vida, mas, sim, criar o hábito de levar em consideração, também, o outro, enquanto vivemos. A pessoa, que não levava em conta que vivemos com vínculos entre outros indivíduos, tinha uma palavra específica “idiotes”, no grego antigo, tendo como sentido original “pessoa privada”. Nesse tempo, na Grécia antiga, era o início do modo democrático de sociedade (ainda de uma forma diferente da democracia que conhecemos, formada apenas por homens, considerados livres, os únicos que poderiam fazer parte dessa democracia), então, o “idiotes” era aquele que preferia viver sem se envolver com questões da coletividade, focando apenas na sua vida privada, ignorando as decisões coletivas que lhe afetavam. Hoje, o português tem a palavra “idiota” como originária de “idiotes”, lembrando que o juízo de valor na palavra atual não existia na forma primitiva. Trazendo para o nosso contexto, o idiotes é aquele que se nega a tomar vacina, a votar, a usar máscara ou a opinar em questões que dizem respeito a nós e a ele. 

Então, por favor, não sejamos idiotes.

  

Bibliografia

ROUSSEAU, Jean-Jacques. DO CONTRATO SOCIAL (e-book). São Paulo: Ridendo Castigat Mores, 2001. (Tradução de Rolando Roque da Silva) Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf

SOUZA, Murillo. Lei que obriga o uso de máscaras em todo o País é sancionada com 17 vetos. Agência Câmara de Notícias, 2020. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/673471-lei-que-obriga-o-uso-de-mascaras-em-todo-o-pais-e-sancionada-com-17-vetos. Acesso em 23/02/2021.

RODRIGUES, Sérgio. O idiota nem sempre foi estúpido. Veja, 2012. Disponível em  https://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/o-idiota-nem-sempre-foi-estupido/. Acesso em 24/02/2021.

Gilberto Stanchack Andrade de Lima é graduando no sexto semestre do curso de Letras/Português, na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus Bagé-RS, bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) Letras e assistente de pesquisa no Projeto Memória LGBT Bagé. Tem interesse em Análise do Discurso, Morfologia e História Oral.

“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”.