Ano 09 nº 035/2021 – “Entre a razão e o sonho”: resenha de “Um argumento frágil” e “Arte Contemporânea: o lugar da pesquisa”

Por Flávia Azambuja

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Fonte: https://cutt.ly/2g8b0NB 

GONÇALVES, Flávio. Um argumento frágil in Revista PortoArte: Porto Alegre, V16, n27, novembro /2009, p.137-145

CATTANI, Icleia. Arte Contemporânea: o lugar da pesquisa in O meio como ponto zero: metodologia da pesquisa em artes plásticas/ organizado por Blanca Brites e Elida Tessler. – Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002. (Coleção Visualidade; 4.)

Inicio com um questionamento: por que falar de dois textos em uma única resenha? Obviamente os textos se tocam em muitos pontos, falam sobre o mesmo tema, o paradoxo de se fazer pesquisa em arte e sobre arte, mas de lugares diferentes. 

Vou iniciar pela distinção que os textos trazem sobre pesquisa em arte e pesquisa sobre arte. Ambos estão de acordo que o olhar para a obra de arte é muito diferente quando o artista faz pesquisa do que quando um historiador ou um crítico faz, por exemplo. O olhar do artista é de dentro, do processo, dos materiais envolvidos, isso traz outra perspectiva. Com isso, não querem dizer quem uma é melhor e outra pior, mas que são diferentes e que se faz necessário que o artista também seja protagonista de pesquisa e não só objeto de estudo por meio de sua obra. No entanto, ainda assim teremos uma visão daquela obra, nunca chegaremos a “verdade” nem é esse o objetivo da pesquisa em arte. E estes textos tratam justamente das particularidades de se fazer pesquisa em arte e sobre arte. 

Os dois textos tratam basicamente da contraposição entre pensamento poético e pensamento formal (GONÇALVES, 2009). A oposição se dá entre o rigor cientíifico, na forma de se fazer pesquisa na academia que pouco se adapta a presença das artes e a ausência de rigor no pensamento poético que se expressa de maneira livre. 

A grande e principal diferença envolvida nesta contraposição se materializa nos processos metodológicos, que na pesquisa em arte serão únicos e pensados a partir de pesquisa e das obras e não pré-dados como muitas vezes acontece na academia. Para Cattani, ao encontrar uma metodologia adequada ao invés de encerrar a obra, o que poderia parecer em um primeiro momento, ela ajuda a entender a obra, aprofundando o processo criativo. 

Gonçalves traz a ideia de que o artista é um observador de seu próprio trabalho que precisa se distanciar o suficiente para poder fazer pesquisa a partir dele. Eu, sou mais professora do que artista, apesar de ter uma ligação muito forte com a arte. De alguma forma, sempre considerei que o professor é um artista também, a partir do momento que cria, que exerce sua autoria e acredito que tais professores constroem sua poética. E na área de educação é uma prática bastante utilizada o professor pesquisar sobre sua prática. Neste sentido, acredito que algumas pesquisas em educação se aproximam muito das pesquisas em arte. Já realizei algumas pesquisas assim, e essa observação, esse distanciamento apontado por Gonçalves também se faz necessário. Além disso, muitas vezes há um paradoxo entre o professor e o pesquisador. Tendo assim a aproximar os dois tipos de pesquisa e entender que algumas coisas não são só particulares da pesquisa em arte como apontam os textos. 

Cattani também trata dessa observação, mas segundo ela há um abismo entre o que o artista quis dizer com sua obra e o que ela diz, assim o artista nunca tem consciência total de sua obra.  Todo discurso sobre uma obra assim será parcial, não fala sobre o todo da obra, mas ajuda a entendê-la. 

No mesmo texto, Gonçalves também afirma que, em muitos casos, o artista conhece o discurso poético, que é o que ele chama de argumento frágil, mas precisa se aproximar do discurso cientíifico. O mesmo acontece com os professores que se aproximam do discurso escolar, mas se distanciam do cientíifico, em alguns casos. Cattani (2002) vai ainda mais longe ao dizer que arte não é discurso, é ato, o que aumenta o distanciamento entre arte e o que Gonçalves chama de discurso científico. E por não ter relação com o discurso, envolve muitos discursos, vários discursos cabem para falar de arte sem nunca traduzi-la. Neste ponto, vejo outra aproximação com a educação, inúmeros discursos falam sobre educação, podem representá-la de diferentes maneiras, mas ela em si, não poder ser traduzida em uma única e absoluta verdade. 

Finalizo com as palavras de Cattani (2002, p. 20) “A pesquisa em arte e a pesquisa sobre arte necessitam de parâmetros científicos e metodológicos que as norteiem, sobretudo no âmbito da universidade. Mas esses parâmetros estruturam a reflexão, sem tirar seus componentes básicos de paixão, prazer e criação”. 

Ambos os textos são fundamentais para quem começa a pensar a pesquisa em arte ou pesquisa sobre arte, os recomendo fortemente para novos pesquisadores. Os textos não trazem respostas prontas, não é isso o que se espera de pesquisa em arte e sobre arte, mas ajudam a refletir sobre os paradoxos envolvidos e o quanto cada um deve encontrar o seu caminho na pesquisa. 

Flávia é mestra em Ensino de Línguas, inquieta, professora de português como língua materna e adicional, otimista assumida, co-coordenadora do Lab. Interessada em aprender com tudo e todos.

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