Ano 09 nº 014/2021 – Carnaval: folia, entretenimento e conscientização/ Coluna do Jacinto

Por César Jacinto

Este ano, pela primeira vez na história cultural brasileira, desde que Zé Pereira entoou sua marcação e que os corsos, as grandes sociedades, os blocos e as escolas de samba mostravam suas performances, não haverá carnaval, evidentemente em função da pandemia de Covid-19, que, como escrevi em outra oportunidade, em um outro espaço, realmente parou a Terra, fazendo analogia ao espetacular filme O dia em que a terra parou, pois competições esportivas de todas as espécies foram suspensas ou adiadas, na maioria dos casos. Dentre elas estão as Olimpíadas de Tóquio. Nesse sentido, seria imprudente, também, a realização da festa de Momo, sem a imunização e, ainda, com a vacina no ritmo de marcha-rancho (como está sendo distribuída e aplicada em todo o país).

Não há, em nenhum outro lugar do mundo, um carnaval tão intenso e diverso, resultado de um povo que tem na sua formação a contribuição de distintas matrizes culturais. Tem Maracatu, Congada, Frevo, Axé, Samba de Enredo e tantos outros ritmos que levam milhões de foliões, de norte a sul do Brasil, a ocuparem espaços no asfalto da avenida, na beira-mar, nos bairros, nos clubes. Enfim, todo espaço pode se transformar num lugar de folia. O carnaval, além da diversão, pode ser um importante instrumento de conscientização dos contextos históricos, sociais e culturais.

O carnaval, pelo Brasil afora, tem se consolidado também em território de resistência e denúncia, principalmente os desfiles das escolas de Samba, que abordam em seus enredos aspectos críticos da história do país e da contemporaneidade, tornando-se um importante instrumento na ressignificação de momentos históricos e na contestação de episódios recentes da nossa frágil democracia, além de algumas vezes provocar um mea culpa. Por exemplo, os blocos afros de Salvador trazem mensagens contra a discriminação de gênero e racial, assim como a valorização da negritude. 

As escolas de samba denunciam a corrupção, trazem novas abordagens sobre acontecimentos históricos, potencializam povos e culturas invisibilizadas, possibilitando uma reescrita colaborativa, ou seja, a festa toda se organiza a  partir do ponto de vista desses sujeitos excluídos dos processos civilizatórios e constitutivos da sociedade brasileira. Em 1987, o criativo carnavalesco Fernando Pinto propôs Tupinicópolis para a Mocidade Independente de Padre Miguel, projetando uma cidade do futuro, organizada pelos indígenas, com direito, inclusive, a shopping. Quem não lembra da Mangueira, em 1988, quando, na letra do seu samba, afirmava livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela. O desfile da surpreendente Paraíso do Tuiuti, em 2018, quando questionava: Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão? 

Enfim, carnaval é mais do que folia e diversão. Nele, as mais pensadas e impensadas manifestações se tornam realidade, movem pessoas que transformam o lixo no luxo, o pobre no rico, o juiz no réu. Afinal, carnaval é inversão, ilusão e realidade concomitantemente. Quando essa pandemia passar, a folia carnavalesca voltará ainda mais forte e continuará a produzir verdadeiras manifestações da vontade do povo brasileiro por um país justo, igualitário e que valorize a sua diversidade.

Bolsonaro é retratado como ‘assassino do clima’ no Carnaval de Dusseldorf, Alemanha (Foto de Lukas Schulze/Getty Images). Disponível em https://br.noticias.yahoo.com/carnaval-na-alemanha-tem-carro-210735580.html. Acesso: 16/02/2021.

Bolsonaro é retratado como ‘assassino do clima’ no Carnaval de Dusseldorf, Alemanha (Foto de Lukas Schulze/Getty Images). Disponível em https://br.noticias.yahoo.com/carnaval-na-alemanha-tem-carro-210735580.html. Acesso: 16/02/2021.

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César Jacinto é professor, graduado em Pedagogia pela UERGS, com especialização em Diversidade Cultural e Mestrado em Ensino pela Unipampa – Campus/Bagé-RS. Escritor, cronista e pesquisador da História e Cultura Afro-brasileira e militante do Movimento Negro.

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