Ano 11 Nº 025/2023 – Caio Fernando Abreu, a memória e as transformações da literatura 

Por Eduarda e Robin

Caio Fernando Abreu, virginiano, nascido em 1948, em Santiago do Boqueirão no Rio Grande do Sul, foi um dos maiores nomes da literatura brasileira do século XX. É impossível tratar do conto brasileiro na década de 70 sem mencionar o autor. Seus textos exploram o subversivo, o transgressor, as questões existencialistas além de temas como a solidão, a morte, o medo e o amor. 

Caio estudou Letras e Artes Cênicas, mas foi no jornalismo que firmou carreira escrevendo para jornais e revistas como Zero Hora, Folha de São Paulo, Veja, Manchete e Correio do Povo

Como escritor, produziu de tudo um pouco, romances, novelas, peças de teatro, crônicas etc. Mas foi com os contos que o autor ganhou maior notoriedade, em particular com a publicação de Morangos Mofados, em 1982. Caio era capaz de empurrar os limites do gênero com sua linguagem e temáticas híbridas. Seus contos, expoentes da contracultura das décadas de 70 e 80, são íntimos, quase biográficos, subversivos. Falam de momentos de iniciação, experiências de vida além do convencional, do real e do fantástico. 

No texto “A literatura como vingança e redenção”, de Italo Moriconi, incluído no livro Contos Completos, publicado pela Companhia das Letras, o autor se refere aos contos de Caio Fernando Abreu que tratam da homossexualidade e da homofobia como “literatura de vingança”. Podemos trazer como exemplo os contos Aqueles dois, Sargento Garcia e Terça-feira gorda

Durante a ditadura militar, Caio se refugiou no sítio de Hilda Hilst, com quem tinha uma grande amizade, em Campinas. Na década de 70, fugiu para a Europa, onde morou em diversos países. Morou também em São Paulo e no Rio de Janeiro. Volta a morar no Rio Grande do Sul após descobrir o HIV. É na casa em Porto Alegre onde passa seus últimos anos dedicando-se à escrita e à jardinagem. É nessa fase que Caio produz alguns de seus textos mais íntimos, que divagam principalmente sobre a morte, o estigma sobre o HIV e a solidão. O casarão espanhol da família de Abreu é cenário de muitas dessas produções, como Última carta para além dos muros, Tentativa de sitiar uma esquisitice, A morte dos girassóis, dentre tantos outros.

Entretanto, apesar da importância cultural do prédio no bairro Menino Deus, a prefeitura de Porto Alegre levou a cabo a demolição de parte da casa, em julho de 2022. Uma ação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu por interromper o restante da demolição e, agora, uma associação de fãs do escritor tenta criar um centro cultural no local. 

Ainda assim, a tentativa de destruição do patrimônio de Abreu inspira revolta e nos proporciona uma série de reflexões. É revoltante que, na tentativa de preservar a memória da nossa literatura, precisamos recorrer a protestos e ações judiciais para tentar frear o avanço de um capitalismo que não tem interesse na manutenção de um espaço que é muito mais do um casarão. 

Mais do que isso, queremos chamar atenção para como nós nos lembramos dos nossos escritores. Que aspectos de suas vidas e obras são aqueles que queremos resguardar ou ressignificar? No mês de junho que se inicia, em que comemoramos o Orgulho LGBTQIA+, lembramos que a data serve, acima de tudo, para conservar a memória daqueles que vieram antes de nós na comunidade. A luta não está terminada e, tendo em vista que vivemos em um tempo em que os nossos direitos estão constantemente sendo questionados e ameaçados, temos de nos lembrar que ainda há muito a ser feito. 

Em fevereiro, elaboramos um trabalho sobre Aqueles Dois, no componente “Gênero, Sexualidade e Identidade”, ministrado pelo professor Luciano Pereira dos Santos. Um dos últimos trabalhos do semestre nos proporcionou mais do que uma nota avaliativa, pois foi a partir da leitura e da preparação para o trabalho que ganhamos inspiração para escrever uma novela em conjunto. Nós acreditamos que a literatura tem a capacidade de se transformar constantemente e de continuar a empurrar as barreiras do convencionalismo e dos lugares-comuns na direção de um mundo novo e, esperamos, melhor. 

As obras de Caio Fernando inspiram gerações de novos autores queer e é principalmente dessa forma que levamos seu legado adiante. Sua memória permanece viva nas milhares de páginas de escritos que sua literatura ajuda a conceber. E essa imaterialidade da sua influência é algo que não há como demolir, desfazer ou destruir.

Eduarda e Robin são alunos do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa da UNIPAMPA – Campus Bagé.  São bolsistas do PET Letras e, nas horas vagas, escrevem juntos. 

“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”.

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