Ano 04 nº 068/2016 – Aviso: esse é mais um texto falando de música (Pt 1)
Melissa Barbieri
Duas décadas depois de haver chegado a esse maravilhoso, e não raras vezes assustador, planeta, posso concluir que já devo ter lido no mínimo mais de 30 textos sobre sugestões de artistas, álbuns, discografias, aplicativos ou sites de músicas e afins. Mesmo assim, ou talvez exatamente por isso, é algo desse tipo que escrevo agora. Por quê? Bem, provavelmente porque gosto de música, como todo mundo ou todo mundo que conheço, pelo menos. Por mais piegas que me pareça aquela frase de que música é o combustível da alma, não posso deixar de concordar com ela, pois de fato é isso que música é, pelo menos para mim em 99% dos meus dias.
E foi ouvindo música que tive a ideia de me juntar ao grande número de pessoas que já escreveram e ainda escreverão textos dando dicas, sugestões ou simplesmente lembretes de alguns dos – pelo menos na percepção do autor (a) – bons artistas que existem por aí. E é assim que começo uma pequena lista, que será dividida em duas partes, de alguns dos artistas que mais gosto ou têm me chamado atenção ultimamente.
1. AURORA
Aurora Aksnes (nome artístico estilizado com letras maiúsculas, AURORA) é sem qualquer sombra de dúvida, uma das minhas artistas preferidas desde que conheci sua música há cerca de um ano. Meus amigos acostumados a me ver sempre ouvindo ou vendo algo dela, que o digam. Cantora e compositora, Aurora é norueguesa, de Bergen, e possui um EP (2015) e um álbum, lançado neste ano.
De maneira geral, a música de Aurora me chamou atenção pela união de seu vocal ágil, as letras sem ambição de serem necessariamente fáceis de digerir e produções bem trabalhadas utilizando de baterias eletrônicas, sintetizadores e piano, de maneira que me soa até hoje, bastante convincente e, na falta de uma palavra que defina melhor: hipnotizante. Runaway foi a primeira música de AURORA que ouvi, quando esbarrei sem querer no videoclipe da música no Youtube, e, não coincidentemente, é ainda uma de minhas preferidas. A canção abre EP e álbum da cantora.
Aurora em photoshoot em Bergen.
(Foto: Knut Åserud)
O EP de AURORA, denominado Running With The Wolves, leva o nome de uma de suas mais conhecidas canções e conta com quatro músicas. Para quem o ouve pela primeira vez, pode dar uma boa ideia da música produzida por ela, apesar de não conseguir resumi-la como um todo, uma vez que AURORA explora algumas outras opções em suas outras produções e está constantemente apresentando outras versões de suas músicas nos concertos que faz, além de algumas nunca lançadas.
O álbum, por sua vez, com um título muito grande para ser lembrado de primeira, chama-se All My Demons Greeting Me As a Friend. Conta com doze faixas na versão original e dezessete, na sua versão Deluxe, a qual inclui covers das músicas Half The World Away e Nature Boy. Grande parte das músicas, com exceção de Through The Eyes Of a Child, incluída de última hora no álbum, foi composta muito antes da cantora sequer pensar em seguir carreira, é o caso de Runaway, provavelmente a música mais conhecida de AURORA e composta por ela quando ainda tinha nove anos.
O. Martin, Selma Stang, Magnus Skylstad e Alf são os quatro músicos que formam a banda fixa que se apresenta com ela e provavelmente vão te surpreender positivamente, assim como a própria Aurora. Para quem ficar curioso, no próprio canal da cantora há cinco vídeos parte de um concerto feito no Honda Stage. Adendo: para quem está acostumado (a) a performances mais “paradas”, não estranhe o jeito da cantora se apresentar, definido de maneira bem-humorada por ela, quando perguntada a respeito, como “se estivesse tendo um ataque do coração”. Resulta para muitos como uma de suas características mais marcantes, mas com o passar do tempo, as pessoas se acostumam e muitas passam a gostar.
Poderia dizer que tanto o álbum quanto o EP são ótimos trabalhos. Com canções mais positivas como Warrior e Conqueror, assim como outras que são histórias de estranhos personagens, como In Boxes (EP), o trabalho de Aurora passa também por músicas por vezes extremamente cinzas, como Under The Water, e conta com outras canções que gritam nostalgia, como Home. Aurora apresenta, em resumo, ótimas músicas, amarradas em produções finais que valem a pena ouvir e que, algumas vezes, é necessário que se ouça de novo até acompanhar o passo do trabalho da cantora. Passo que, diferente do que se possa pensar à primeira vista, não se resume a um senso de tristeza, mas segue um caminho onde se prefere outros temas que não aqueles focados em relações românticas como estamos acostumados e como alguns dos artistas de que ainda vou falar na parte 2 desse texto. Seus temas focam em experiências, pessoais ou não, imprescindíveis para que se chegue à mensagem principal, presente no título do álbum: que um dia, nossas más experiências (definidos como “demônios” por Aurora, no título do álbum) possam nos encontrar como a um amigo.
2. Ibeyi
Como já remete o significado de “ibeji”, em yorubá (“ibeyi” na língua yorubá utilizada em Cuba, denominada lucumi*), Ibeyi é um duo formado por “gêmeas”. Lisa- Kaindé e Naomi Díaz nasceram em Paris, e com poucos meses de vida foram viver em Havana, Cuba, retornando poucos anos depois à França. A mãe é cantora, o pai foi o importante percussionista cubano Anga Díaz e faleceu quando elas tinham 11 anos, sendo uma influência perceptível no trabalho por elas produzido. Não pelas artistas “seguirem os passos do pai”, como muitos definem, mas pelos passos delas, que são próprios e começaram relativamente cedo, terem frequentes menções a ele em suas letras e um pouco da musicalidade do pai através do cajón, instrumento que ele tocava e Ibeyi traz em suas músicas, além do batá. Ambos são tocados por Naomi, Lisa, por sua vez, é a vocalista principal além de tocar piano.
O duo produz músicas em inglês, na língua yorubá falada em Cuba e também conta com um pouco de francês na canção Oya. Assim como a primeira artista dessa lista, Ibeyi possui um EP (2014) e um álbum (2015).
Ibeyi, formada por Lisa, à esquerda, e Naomi, à direita.
(Foto: Jon Gorrigan para the Observer)
O EP, denominado Oya, contém quatro faixas. A primeira delas é River, e a segunda, Oya. As outras duas faixas são versões alternativas dessas mesmas canções. Nesse primeiro EP já é possível perceber uma das características mais marcantes de Ibeyi, a forte ligação com suas origens. Tal característica se apresenta muito pelo aspecto já mencionado da presença da língua yorubá falada em Cuba em suas canções.
O Yorubá (também chamado de ioruba, iorubá, yorùbá ou yoruba) faz parte da grande família de línguas nigero-congolesa e só na África, principalmente na parte Oeste, é falada por milhões de pessoas. Nas Américas, que receberam milhões de pessoas africanas escravizadas, das quais milhares possuíam cultura Yorubá, é pela sobrevivência dessa cultura que a (s) língua (s) yorubá também sobrevivem, destacando-se aí as religiões afro-brasileiras e afro-cubanas. Naomi e Lisa fazem uso da língua em boa parte de suas canções, como na canção River, em que há um canto para Oxum. Além disso, o próprio nome da música Oya, que intitula também o EP é relacionado à cultura Yorubá, uma vez que Oya (Oyá) é também um orixá.
O álbum, que leva o mesmo nome da dupla, Ibeyi, por sua vez, possui quinze faixas e, para quem já ouviu o EP, só confirma e até ultrapassa as boas expectativas. Nas letras, se destacam as menções a experiências relacionadas ao luto pelo pai, que morreu em 2006, e pela irmã, Yanira, falecida em 2013, e leva uma canção em seu nome. Destacaria no álbum, a música Mama Says, uma das mais notórias do duo, com seus primeiros versos “The man is gone and mama says/ There is no life without him”, que já no início nos prende à melancólica mensagem da canção, que fala do período vivido pela mãe após a morte do pai. Ibeyi passa ainda por outras músicas como Stranger Lover, que até o presente momento é a mais recente do duo a receber um videoclipe e aborda uma relação amorosa que está acabando, não por falta de amor, mas em razão de circunstâncias adversas que ambos não conseguem controlar.
Ibeyi, em resumo, é uma das descobertas musicais mais interessantes que fiz nos últimos anos. Com um estilo próprio que mescla estilos como soul, hip hop e eletrônico somados a cantos e outras influências Yorubá, o duo apresenta um trabalho bem feito, que inspira curiosidade, transpira personalidade e é quase impossível de ser deixado sem apertar o botão replay depois que o ouvimos.
* Aqui optou-se por usar a palavra “língua” para referir-se ao lucumi (também chamado de lukumi e lukumí). Em muitos textos sobre esta língua yorubá, vê-se o uso da palavra “dialeto” para defini-la; além disso, muitos textos não a distinguem, chamando-a simplesmente de yorubá.
Referências:
http://pigeonsandplanes.com/discover/2014/10/aurora-artist-norway
http://abcnews.go.com/Entertainment/pete-yorn-lucius-jeff-buckley-music-reviews/story?id=37674612#6
http://www.church-of-the-lukumi.org
http://massapeal.com/family-swank-ibeyi/
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EquipeLAB
Equipe LAB é formada pelos bolsistas do Laboratório de Leitura e Produção Textual e colaboradores externos que juntos trazem conteúdos para o Junipampa.
Mel, me apresentou novidades. Resenha tão sofisticada quanto as músicas.
Valeu!!!
Vou te mandar uns jazz tecnopopsulista do Projeto CComa. Acho que vais gostar.