Ano 12 Nº 016/2024 – Animações antigas versus as atuais: uma crítica sobre essa divergência na juventude contemporânea

Por Gabriel Padão

Eu assisto a desenhos animados de maneira assídua desde a minha infância, e durante esse percurso, percebi mudanças sutis no enredo e nas mensagens contidas neles. Alguns receberam reboots (novas versões do mesmo desenho animado); contudo, do meu ponto de vista, houve divergências nas mensagens entre cada versão. Isto me intrigou ao passo de querer compreender os motivos dessas diferenças. Estas interrogações cresceram ainda mais depois que assisti a algumas produções que minha irmã de seis anos acompanha e aquelas que estão mais em alta, principalmente nas plataformas de streaming, como por  exemplo: “My Little Pony: Pony Life (2020)”.

Uma das diferenças que verifiquei entre as obras animadas antigas em relação às atuais é o cuidado com o enredo de cada uma delas. Percebi que as pessoas envolvidas no desenvolvimento desses enredos tinham a intenção de sempre expor uma mensagem madura e coerente com a realidade em que vivemos, como ocorreu na animação “X-Men: Evolution (2000)”. Enquanto alguns dos desenhos atuais subestimam a idade indicativa neles, apresentando mensagens desconexas com o contemporâneo e com uma preocupação maior em apenas entreter as crianças, sem conscientizá-las sobre assuntos importantes, outras produções, principalmente do passado, tinham como objetivo não apenas divertir, mas também elucidar as crianças sobre estas questões. Ainda assim, essas produções continuam lucrando, pois as crianças têm optado por elas; isso se dá também pelas diversas opções encontradas nesses streamings online, algo que não havia anos atrás, pois as crianças de antes assistiam aquilo que estava disponível nas televisões abertas. 

Outra observação que fiz e que precisa ser citada é que os desenhos animados antigos foram exibidos apenas nas transmissões abertas, migrando para os streamings muito depois, contribuindo bastante para as crianças não os conhecerem e optarem pelas produções atuais. Em 2015, foi publicado um projeto de lei da “publicidade infantil”, que proibia a veiculação nas diferentes mídias digitais de propagandas comerciais voltadas diretamente ao público infantil. Isso acabou diminuindo as exibições de desenhos animados nas televisões abertas, principalmente aqueles de melhor qualidade, já que são os mais caros para transmitir, colaborando para essa migração das crianças para os streamings. O segundo ponto importante que precisa ser relatado é a desigualdade que existe entre o acesso das crianças mais abastadas a esses streamings e à televisão por assinatura, locais digitais onde se encontram desenhos de melhor qualidade, em detrimento das crianças com menor poder aquisitivo, que têm, na maioria dos casos, apenas acesso ao YouTube e à televisão aberta, lugares onde são transmitidos desenhos animados sem os mesmos cuidados das plataformas privadas.

Eu preciso falar da imagem que os fabricantes dos desenhos animados produzem das crianças hoje em dia. Como já foi citado, algumas dessas produções subestimam a idade dessas crianças, a título de exemplo: “ThunderCats Roar (2020)”. Claramente, as mensagens dos desenhos divergem entre si conforme a classificação indicativa que há entre eles; no entanto, percebi que os desenhos animados antigos tinham enredos com questões mais complexas e profundas, mesmo com indicações de idade baixas, tendo como exemplo “Spider-Man: The Animated Series (1994)”. Algo que não ocorre nos dias de hoje, pois esses assuntos foram deixados de lado. Posso citar o contraponto de que sucedem mudanças na mentalidade de cada geração que passa, porém, sempre notei alguns temas que eram tratados mesmo em faixas etárias menores, temáticas como bullying, inclusão social, racismo, desigualdades, entre outras. Tópicos como estes podem ser tratados e expostos de maneira didática e adequada para as crianças contemporâneas da mesma forma como eram expostos há anos atrás, e não apenas animações que entretêm com uma comédia sem nenhum fundamento. Mas, de maneira distinta, é difícil para essas produtoras mudarem aquilo que está gerando lucro, pois as crianças de hoje em dia já estão acostumadas com os desenhos neste formato menos complexo e o ditado é sempre o mesmo: “não se mexe em time que está ganhando”. Também, é necessário levantar o debate sobre a liberdade criativa, pois antes os produtores de desenhos animados produziam com mais dessa liberdade, algo que, na minha opinião, pode estar sendo podado, em razão de ser mais vantajoso para aqueles que estão no poder uma sociedade que não possui senso crítico sobre assuntos importantes. Vale ressaltar também o tempo reduzido que os fabricantes desses desenhos animados têm para desenvolver uma animação hoje em dia, fator que contribui para um decréscimo na qualidade das obras atuais, não apenas nos efeitos visuais, mas também no enredo. Este precedente também está intrinsecamente ligado à preocupação das indústrias de animação em gerar lucro, deixando o enredo e os efeitos visuais, na maioria das vezes, em segundo plano.

Por fim, não posso deixar de citar os animes, visto que há diferenças entre eles e os desenhos animados, tais como características visuais nas animações e, precisamente, os conceitos mais profundos ligados às particularidades interiores da existência humana, exemplificando: “Digimon Adventure (1999)” e “Pokémon A Série: Liga Índigo (1997)”. E, ao meu ver, os animes, por tratarem desses temas importantes, ao longo dos anos, nas obras que assisti, mantiveram o foco no enredo e nas mensagens, pois tudo aquilo que eu admirava nos animes do passado, continuo apreciando nas produções atuais. Mesmo os animadores de animes também recebendo um tratamento semelhante aos animadores de desenhos animados, com relação às demandas e prazos para entrega dos projetos, ainda assim, continuam, ao longo do tempo, mantendo uma boa qualidade na maioria de suas obras, um interessante contraponto sobre essa questão trabalhista. Com isso, sinto-me na obrigação de levantar essas observações e expor a minha afeição também por essas criações.

Gabriel Padão é discente do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus Bagé. Integrante do diretório acadêmico do curso, como diretor de esportes, e atualmente bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET).

“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”

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