Ano 12 Nº 008/2024 – Memórias de carnaval e literatura

Por Flavia Machado Franco

Desde criança tenho o costume de assistir os desfiles das escolas de samba na TV. Minha mãe sempre gostou muito de carnaval, então, assim que voltávamos do desfile da minha cidade, Dom Pedrito (ou da praia do Cassino), ela ligava a TV e assistia até cansar e ir dormir. Como eu também adquiri com ela o costume de dormir com a TV ligada, acabava dormindo com o desfile passando.

Em algum momento, eu abandonei um pouco esse costume, passei um tempo, durante o começo da minha adolescência, muito afundado naqueles discursos de “odeio carnaval” ou “prefiro Halloween ao invés de carnaval”. Fugia de algo que eu sempre gostei pela bobagem de se sentir “superior”, por não gostar do mesmo que a maioria das pessoas.

Foi só no carnaval de 2016, quando a escola de samba Salgueiro trouxe o samba-enredo “A Ópera dos Malandros”, adaptando “Ópera do Malandro” do Chico Buarque, que voltei a prestar atenção nos desfiles. Não por conta do tema em si, na época eu nem conhecia a “Ópera do Malandro”, mas porque pela primeira vez eu me dei conta de que aquele desfile estava me contando uma história, estava me apresentando coisas que eu não conhecia. Depois disso, não perdi os desfiles um único ano, tentando sempre me manter acordado até o final, atento para descobrir coisas novas. 

Claro que ainda por alguns anos, eu mantive a ideia de que os desfiles das escolas de samba eram a única parte boa do carnaval e todo resto, como os bloquinhos, eram ruins. Mas, felizmente, a gente cresce. 

Voltando ao tópico “desfile conta história/apresenta coisas novas”, o desfile deste ano não foi diferente, mas vou focar aqui na utilização da literatura nacional nos temas. Não é novidade e nem incomum que as escolas de samba trazem desfiles inspirados em obras da literatura (nacionais ou não), mas é interessante notar que este ano foram várias a fazer isso. Porém, não sei dizer se em outro ano anterior houve tantas escolas inspirando-se em obras literárias nacionais como neste, então não vou afirmar. 

Tivemos este ano na Sapucaí “A Queda do Céu” de Davi Kopenawa e Bruce Albert, “Um defeito de cor” de Ana Maria Gonçalves, “Meu destino é ser onça” de Alberto Mussa, “O som do rugido da Onça” de Micheliny Verunschk e “Tempo de Caju” de Socorro Acioli.” Apesar de não ser nacional e nem literatura, o livro “Lunário Perpétuo” também foi a principal referência de uma das escolas de samba. Além desses, em São Paulo, uma escola de samba trouxe um desfile inspirado no livro “Paulicéia Desvairada” de Mário de Andrade.

Para mim, como estudante de Letras, achei incrível ver livros e autores que conheci durante o curso passando ali no sambódromo. Embora, eu tenha que admitir que ainda não li nenhum deles. Fico pensando em quantas pessoas que estavam naqueles desfiles e nunca sequer ouviram falar sobre essas obras e por conta deles foram atrás. Tanto que alguns desses livros ficaram entre os mais vendidos logo após o carnaval, “Um defeito de cor” até esgotou. Impossível não se empolgar com mais pessoas descobrindo novas obras brasileiras. 

Espero ver mais literatura na avenida nos próximos anos.

Estudante de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa na UNIPAMPA e bolsista do PET – Letras. Tem interesse na área de literatura fantástica e queer. Secretamente todos os seus trabalhos são escritos pela sua gata, Mel.

“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”.  

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