Ano 08 nº 072/2020 – A pandemia da violência doméstica

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 Por Eduarda Paz Trindade

Bagé, 02 de Junho de 2020.

O aumento do número de casos de Coronavírus pelo mundo é preocupante e desastroso. Se por um lado a soma de mais vítimas continua a crescer – até então totaliza-se 379.709 mortes – por outro, é sintomático o aumento de relatos de violência doméstica em todo o mundo. Com uma a cada três mulheres que sofrem violência ao longo da vida, o mundo já está enfrentando uma outra crise. E com a ajuda do COVID-19, o problema só está se intensificando.

A disseminação desenfreada do vírus forçou as vítimas a permanecerem em casa com seus agressores, deixando-as com poucas oportunidades ou nenhuma de recorrerem a pontos de assistência regulares. Inclusive, queixas de violência doméstica aumentaram desde o início do isolamento, em alguns países em até 50%. São as vítimas nos países mais pobres no mundo, especialmente aqueles onde há crises humanitárias, que são as mais vulneráveis.

Pela primeira vez, vários países estão criando, financiando e implementando algumas medidas para ajudar as mulheres que estão em lares abusivos. Como, por exemplo, alocação para abrigos e unidades policiais especializadas; aplicativos on-line para pedidos de proteção; priorizar queixas de abuso infantil nos sistemas judiciais; e sistemas de alerta de emergência em supermercados.

Entretanto, não podemos entrar na falácia de que, antes do confinamento, as mulheres poderiam escapar de relacionamentos abusivos. A combinação de violência física, manipulação mental e ameaças de danos, forma uma barreira à liberdade que pode ser tão restritiva quanto os muros da prisão. Em tais circunstâncias, a “escolha” da vítima de escapar se esgota e, ela fica com apenas uma opção: ficar. As mulheres que enfrentam abusos estão, antes de nós, trancadas, da mesma forma que estamos agora.

Além disso, enquanto o mundo luta contra o Coronavírus, as consequências da pandemia se intensificam entre as mulheres se comparado aos homens. Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em seu relatório recentemente publicado, as pandemias aumentam o risco de violência de gênero. Como por exemplo, durante o surto de ebola, mulheres e crianças sofreram taxas mais altas de violência sexual. Esses riscos se agravam em populações pobres e vulneráveis.

No mesmo relatório, é apresentado que nos países de baixa e média renda, como o Brasil, o perigo do COVID-19 irá intensificar os casos já existentes de violência doméstica e aumentará os riscos de letalidade. Nós devemos exigir de nossos representantes ações públicas, que devem não somente visar ações de enfrentamento à epidemia, mas também abordar simultaneamente a violência doméstica para proteger as vítimas vulneráveis.

É importante, também, ressaltar que uma das principais razões para o fracasso dos Estados em combater a violência doméstica, a meu ver, é porque as políticas públicas carecem de intervenções detalhadas. Por exemplo, quando as mulheres recebem acesso a educação, elas contribuem financeiramente para a família, podendo torná-las menos vulneráveis à violência doméstica. Por outro lado, se as mulheres moram em áreas, onde a oportunidade e a ascensão das mesmas são estigmatizadas, podendo ameaçar o status de provedor de seus parceiros, poderia, consequentemente, aumentar o risco de violência doméstica, com isso é de grande importância que as políticas públicas sejam adequadamente formuladas para cada região e caso de violência.

Porém, tudo pressupõe que, durante o processo judicial, a vítima tenha um local seguro para ficar com seus filhos. A maioria dos países possuem abrigos limitados e poucos são realmente financiados pelo governo. Muitos abrigos não conseguem aceitar mulheres com filhos adolescentes do sexo masculino, mas o que essas mulheres fazem?

Enquanto tivermos um sistema de justiça e a aplicação da lei é cercada de constantes barreiras para que essas mulheres sejam seguras, nunca “eliminaremos” a violência de gênero se houver impunidade para aqueles que cometerem o crime e nenhuma responsabilidade pelos atores estatais que não agirem de acordo com as leis projetadas para proteger essas mulheres.

Deste modo, há um fato incontestável: não temos ideia de quando a pandemia pode terminar, e muito menos a violência contra as mulheres. É necessário, então, perguntar porque foi necessária uma pandemia para focar a mente da população em outra pandemia e nos detalhes das intervenções que realmente funcionarão para as vítimas. Especulo que uma das razões é que, de repente, existe um entendimento universal do que significa ficar trancado em casa, ou seja, estamos mais perto de entender o terror do isolamento imposto.

Eduarda Paz Trindade, é acadêmica de Ciências Sociais (Bacharelado) – UFSM. Foi estagiária do 17° EIV (UFSM-2020). Atualmente participa dos grupos de estudos Desigualdades, Diferenças, Subcidadania e Políticas de Reconhecimento e do Sul Global (LabIS – UFSM). Faz parte do Grupo de Leitura e Prática Etnográfica: Etnografia em Tempos de Pandemia (UFSM). É voluntária nos projetos de extensão: “SÓCIO-LÓGICAS”: Divulgação Científica da Sociologia na Plataforma YouTube (UFSM) e produtora de conteúdo do JUNIPAMPA – Bagé.

 

Referências

ANGELIM, F. P; DINIZ, G. R. S. O pessoal torna-se político: O papel do Estado no monitoramento da violência contra as mulheres. Psicologia Política. vol. 9, n 18, p. 259-274, jul.- dez. 2009.

 

JOHNS HOPKINS UNIVERSITY. COVID-19 Dashboard by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University (JHU). Acesso em: 02 jun. 2020. Disponível em: https://coronavirus.jhu.edu/map.html

 

UNFPA. Impact of the COVID-19 Pandemic on family planning and ending gender-based violence, female genital mutilation and child marriage: Pandemic threatens achievement of the transformative results committed to by UNFPA. Interim Technical Note. 27 Abr. 2020.

 

WIEVIORKA, Michel. O novo paradigma da violência. Tempo Social, Rev. Sociol., São Paulo, vol. 9, p. 5-41, 1997.

 

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