Ano 08 nº 200/2020 – A Leitura do Poema/ Coluna Mariane Rocha
Por Mariane Rocha
Primeiro poema
(Ana Martins Marques)
O primeiro verso é o mais difícil
o leitor está à porta
não sabe ainda se entra
ou só espia
se se lança ao livro
ou finalmente encara
o dia
o dia: contas a pagar
correspondência atrasada
congestionamentos
xícaras sujas
aqui ao menos não encontrarás
xícaras sujas
Queridas leitoras e leitores,
A título de epígrafe, utilizei acima o poema da Ana Martins Marques, que fala sobre começos. Bom, tecnicamente essa não é a minha primeira coluna do Junipampa, aliás, longe disso, já que em outras duas oportunidades escrevi colunas por aqui (coloquem meu nome na pesquisa e vocês verão que eu sou uma narradora confiável). Apesar disso, me sinto, mais uma vez, iniciando uma nova trajetória de escritos, agora, espero, mais consistente e duradoura. Ao contrário da Ana, considero o meio a parte mais difícil: aquele ponto em que a motivação inicial já esvaneceu e a alegria de um trabalho cumprido finalizado ainda não chegou. Sobre eles, ela diz: “pregar os olhos do leitor na página/ como botões numa camisa ou um peixe/ preso ao anzol, arrastando consigo/ a embarcação que é este livro/ torcendo para que ele não o deixe”. O referente [ele] que se perde me diverte: torcendo para que o leitor não deixe o livro ou torcendo para que o livro não deixe a si mesmo?
Eu certamente espero que eu não deixe a mim mesma e espero que vocês também não me deixem. Mas deixar o que, se há meses não apareço por aqui? Pois agora aparecerei, a cada mês, com palavras minhas e, especialmente, com outras vozes que tenho a honra de compartilhar. É que daqui em diante vou fazer uma curadoria de poetas para trazer a vocês. A cada coluna, falarei de uma das poetas que ocupam minhas estantes e conversaremos sobre outros lugares que elas também estão habitando. Essa nova fase se chama “A Leitura do Poema” e aqui, além de conversarmos sobre versos, estrofes e rimas, vamos explorar as impressões que essas articulações de linguagem causam e debater leituras possíveis e imagináveis acerca dessas produções poéticas.
Para ir adiantando, enquanto vocês estão a espiar na porta, aqui estão os nomes que aparecerão nos próximos meses: Ana Martins Marques, Adília Lopes, Ana Cristina Cesar, Marília Garcia, Orides Fontela e Leila Danziger. Eu juro que queria estabelecer critérios mais claros. Pensei em trabalhar apenas com poetas contemporâneas, mas a Orides e a Ana C reclamaram. Apenas com nomes brasileiros? Como, se a Adília fica solicitando um espacinho também? Sendo assim, talvez o critério seja, simplesmente, escolher poetas que têm conversado comigo recentemente e que eu acredito que podem conversar com vocês também. Nas páginas delas, (re)encontro modos de existir no mundo que são perpassados por uma subjetividade (afinal, que poesia não é?) criativa e original, que nos afasta de uma compreensão esvaziada de poesia como “aquilo que é belo”. Não que as líricas que escolhi não sejam belas, mas antes de serem belas são fortes, intensas e impactantes. Assim como as mulheres que as produzem/produziram – não é à toa que a minha seleção é composta apenas por elas.
Eu não vejo a hora! Não posso prometer, como a Ana, que vocês não encontrarão xícaras sujas por aqui, mas, juntamente a elas, garanto que vai ter também muito cafezinho e muita reflexão.
Nos encontramos no próximo dia 30, até lá!
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Mariane Rocha é leitora desde que se conhece por gente. Graduada e mestra em Letras, atualmente é professora de literatura e língua portuguesa no IFSul, em Bagé. Estuda poesia contemporânea e suas articulações com fotografia e cinema no doutorado em Letras da UFPel.