Ano 08 nº 148/2020 – A falta de consciência social e o falso isento/ Coluna Saulo Eich

Imagem: Cleiby Trevisan / O Globo https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/tv/noticia/2019/07/maju-coutinho-estreia-como-apresentadora-do-fantastico-cjyq3x61t000e01phxg56m18x.html

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Por Saulo Eich

Sempre que alguém lhe disser ser isento, desconfie muito. Até mesmo a nossa isenção se mostra carregada de posicionamentos. E o que mais merece atenção nisso é o fato de que isentos não raramente usam do discurso da neutralidade pra simplesmente maquiar o fato de terem optado pelo lado mais injusto. Hoje, diante de tantas discussões em torno de política, direitos humanos e discriminações parece que o conceito de “mimimi” se tornou a arma pra os falsos isentos escoarem pela tangente sem demonstrar suas percepções muitas vezes deturpadas e nocivas.

“Direitos humanos é mimimi”. “Discutir cotas é mimimi”. “Empatia é mimimi”. “Falar de racismo e outras formas de discriminação e preconceito é mimimi, afinal somos todos iguais”. E dessa forma, reduzindo a capacidade retórica a uma forma preguiçosa e irresponsável de perceber os problemas sociais mais caros, os falsos isentos espalham ignorância e falta de empatia travestidas de praticidade ao pensar temas delicados.

Nos últimos dias, a partir de mais um ataque do presidente da República a imprensa, dessa vez direcionado a jornalista Maju Coutinho, uma série de discussões no raso território virtual se estabeleceu. O que, por um lado, é positivo. Mas nessa brecha sempre emergem os falsos isentos. E dessa vez não parece ter sido diferente. Todos os isentos – mas visivelmente alinhados as percepções e posicionamentos do governo Bolsonaro, passaram a questionar a postura da jornalista, mas não só isso, passaram a questionar a competência e o caminho que levou ela a estar onde está. E daí a gente já sabe o que acontece né? Os falsos isentos chegam com muita facilidade a conclusão de que Maju está onde está porque é negra. Como se ser negro em uma sociedade tão desigual como a nossa, fosse, vejam bem, sinônimo de algum privilégio. Mas esse não é um espaço onde posso falar com propriedade. O que quero destacar na verdade, é a postura do branco fantasiado de isenção, que além de ignorar o fato histórico e nocivamente determinante pra vida de toda a pessoa negra que foi e é o racismo, desconsidera também a necessidade de se desconstruir dos seus preconceitos e de funcionar pra além da vaidade, mas também da empatia.

Temos nas nossas mãos um potencial imenso pra fazermos algo de positivo e diferente na vida das pessoas que passam por nós.  E podemos fazer isso do lugar onde estamos. A professora a partir do seu espaço de atuação, os profissionais da comunicação a partir da abrangência da profissão e da imensa capacidade de suscitar reflexões e diálogos que possuem, os profissionais da saúde através das vidas que cuidam diariamente, e nisso destaco os (as) psicólogos (as) e a necessidade de estender o olhar cuidadoso e sem julgamentos da clínica pra o externo, onde os conflitos sociais e suas consequências emocionais acontecem ininterruptamente. Inclusive se posicionando, tendo um lado muito bem clarificado e, preferencialmente, um lado que acolha as pessoas que mais requerem acolhida. A falsa isenção, essa que finge uma neutralidade impossível de existir, sinaliza um incômodo sintomático por parte de quem prefere utilizar desse discurso que não compromete o sujeito. Se pararmos pra pensar, nada é mais sintomático e simbólico do que jornalistas e profissionais de comunicação indiferentes às discriminações direcionadas a uma jornalista mulher e negra, ou mais que isso, incomodados com os espaços que, apesar de todas as barreiras sociais impostas a uma mulher negra, ela consegue conquistar. Assim como nada é mais simbólico e sintomático do que ver psicólogos (as) calados e indiferentes diante de governos que caminham na contramão de tudo o que a profissão Psicologia em essência defende.

Repito, temos nas nossas mãos um potencial imenso pra fazermos a diferença na vida das pessoas através de nossos papéis. Mas pra isso efetivamente acontecer é preciso que a consciência social se sobreponha ao egocentrismo. 

Até o mês que vem.

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Saulo é psicólogo clínico Infantil e Adulto, de abordagem Cognitivo Comportamental, em Bagé/RS

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