A dualidade em O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde/ Coluna da Taiza

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Por Taiza Fonseca

Neste mês, no Junipampa, pensei em escrever um gênero diferente do que costumo apresentar por aqui. Pra mudar um pouquinho, dessa vez, queria trazer uma resenha comentada, sobre a dualidade em O retrato de Dorian Gray e como ela é apresentada na obra literária.

A obra, O Retrato de Dorian Gray, lançada em 1890, o único romance do consagrado dramaturgo Oscar Wilde, causou escândalo e controvérsia na sociedade londrina da época, com valores essencialmente conservadores. Seu personagem principal Dorian Gray é uma figura que representa todas as quebras desses valores de uma forma visceral. Dorian é um jovem rico que, para obter juventude eterna, vende sua alma. Como resultado desse ‘negócio’, a passagem do tempo não interfere em sua bela e pura beleza; apenas seu retrato, feito por um pintor (com certo ar de mistério), passa a envelhecer em seu lugar e revela toda podridão de sua alma corrompida.

O autor do romance, Oscar Wilde, nasceu em Dublin em 1854. Estudou em duas Universidades, e em Oxford, ganhou o prêmio New Digate com seu poema Ravena (1874). Após terminar os estudos, ele se muda para Londres e tem seu momento de ascensão, com a publicação de seus poemas e de seu romance. Até que conheceu Lord Alfred Douglas, com quem mantinha uma relação amorosa. O pai de Lord Alfred, desaprovando a relação dos dois jovens, fez uma declaração pública. Esse acontecimento viria a desencadear uma série de situações que levariam à condenação do escritor por homossexualidade, inclusive o Retrato de Dorian Gray foi utilizado como uma prova substancial para tal condenação, tendo ele permanecido preso por dois anos.

Em se tratando de uma Inglaterra vitoriana, obsessiva com os valores mais alinhados ao conservadorismo, Oscar Wild, ao sair da prisão, teve de se exilar na França, onde adotou o pseudônimo Sebastien Melmoth, durante esse período ele escrevera a obra A Balada do Presídio de Reading (1898), inspirada na sua experiência na prisão. Pouco depois ele veio a falecer, em Paris em 1900.

Após esse preâmbulo, vamos, então, à resenha do romance, O retrato de Dorian Gray. Nos deparamos no início da obra com o pintor Basil Hallward e seu amigo Lorde Henry Wotton – que vem a ser um dos personagens exemplo do movimento esteticista – e somos apresentados a um jovem de beleza extraordinária e pura chamado Dorian Gray, que é objeto de inspiração do artista para a pintura de um quadro à sua imagem. É evidente, nos diálogos apresentados, que Basil nutre uma espécie de admiração pelo jovem. Lorde Henry também se interessa pelo rapaz e não acoberta suas intenções em influenciá-lo a quebrar os valores tradicionais da sociedade, a forma hedonista de se viver, uma filosofia que prega que o prazer é o bem supremo da existência humana e, assim, o Lorde prega seus preceitos de que a vida deve ser experimentada intensamente enquanto se tem beleza e juventude.

O jovem Dorian, extasiado com seu próprio retrato e com a filosofia de Lorde Henry, expressa o desejo que tem de permanecer eternamente jovem, mesmo que, para isto, fosse necessário vender sua alma. É, a partir desse momento, que o nosso protagonista passa a explorar novas experiências, muda seus hábitos, mergulhando na noite londrina. Certa vez, conheceu a atriz Sibyl Vane, por ela e por sua beleza ficou fascinado, admirando seu talento em interpretar heroínas Shakespearianas. Eles se apaixonam e rapidamente planejam seu casamento. Entretanto, quando a relação entre eles é consumada, Sibyl passa a não conseguir interpretar suas personagens, “perdendo” essa habilidade artística. Por conta disso, Dorian a abandona de forma cruel, pois chega a afirmar que, sem sua arte, a jovem moça não teria valor algum.

– Sim – gritou ele –, matou o meu amor. Costumava excitar a minha imaginação. Agora nem sequer excita a minha curiosidade. Não exerce qualquer efeito em mim. Eu amava-a porque era maravilhosa, porque possuía gênio e inteligência, porque realizava os sonhos dos grandes poetas e dava forma e substância às sombras da arte. Agora deitou tudo a perder. É fútil e estúpida. Meu Deus! Que louco fui em amá-la! Como fui idiota! A Sibyl já nada representa para mim. Não voltarei a vê-la jamais… Jamais pensarei em si. Jamais pronunciarei o seu nome. Não pode imaginar o que era para mim antes. Bem, antes… Oh! Não posso suportar tal pensamento! Quem me dera que nunca a tivesse visto. Destruiu o sonho de amor de toda a minha vida. Pouco sabe de amor quando diz que ele prejudica a sua arte! Sem a sua arte, a Sibyl não vale nada. Eu podia torná-la célebre, esplêndida, magnífica. O mundo tê-la-ia idolatrado, e eu ter-lhe-ia dado o meu nome. O que é a Sibyl agora? Uma atriz de terceira categoria com uma cara bonita. A rapariga empalideceu, e tremia. Apertou as mãos uma na outra, e a voz embargou-se. (WILD, 1891, p. 60).

Após esse acontecimento, a jovem acaba cometendo suicídio e, pela primeira vez, Dorian passa a desconfiar, até que percebe, de fato, que seu retrato passa a mudar, ainda que sutilmente, a expressão da pintura passa a ter um toque de crueldade. Quando Lorde Henry conta para Dorian sobre a morte da jovem Sibyl, ele fica devastado, porém, o Lorde faz questão de induzir Gray para sua filosofia e acaba por persuadir o jovem a se despir do sentimentalismo e passar a ver aquele terrível momento como uma experiência de valor para o crescimento pessoal. É a partir desse momento que Dorian inicia sua busca pelo prazer absoluto, entregando-se à perversão, aos vícios e também ao que a moral religiosa daquela sociedade considerava pecado. Então, Dorian Gray passa a cometer crimes e se entregar à devassidão, todas as consequências passam a ser transferidas para o retrato, sua aparência permanece bela e jovem, enquanto o quadro se degradava, por isso Dorian acaba por esconder o quadro, trancafiando-o para que ninguém o visse.

Pendurara, com suas próprias mãos, na parede do quarto solitário e trancado onde passara tanto tempo da sua meninice, o terrível retrato, cujas feições em mutação lhe mostravam a verdadeira degradação da sua vida, e que ele ocultara com a colcha púrpura e dourada a servir de cortina. Passavam-se semanas sem lá entrar, esquecia-se daquela pintura hedionda, e recuperava a boa disposição, a sua admirável alegria, a sua entrega apaixonada à simples existência. (WILDE, 1891, p. 93).

A fama de Dorian passa a se espalhar por Londres, e o rapaz continua a frequentar todos os ciclos sociais. Logo, Basil, o artista que pintou sua face e o eternizou no retrato, decide fazer uma visita ao rapaz na tentativa de salvá-lo da degradação total frente à sociedade. O encontro dos dois leva o artista a se deparar com o quadro que pintou, ao tentar convencer Basil a destruir aquilo que ele já não reconhecia como sua obra, Dorian assassina o pintor.

E, assim, o nosso belo vilão segue a vida, desfrutando de todos os prazeres, porém, após diversos anos na estagnação da lascívia, ele se cansa e tem o desejo de recuperar sua vida. No intuito de que a deterioração do seu retrato reverta, ele resiste à tentação de seduzir uma moça jovem e ingênua, o que não resultou em nenhum indício de recuperação em seu quadro, mas sim em uma feição cínica e hipócrita. Ao perceber que nenhuma ação reverteria tamanho horror, ele tenta destruir o seu retrato com um punhal, o que acaba resultando em sua própria morte. O retrato volta ao seu estado original, apresentando a aparência jovial, bela e ingênua do rapaz, enquanto Dorian torna-se irreconhecível e envelhecido.

Quando entraram, viram pendurado na parede um magnífico retrato do seu amo, tal como era quando o viram a última vez, em todo o fulgor da sua deslumbrante juventude e beleza. No chão jazia um homem morto, em traje de cerimônia, com uma faca cravada no coração. Estava mirrado, enrugado e tinha uma cara repugnante. Examinaram-lhe os anéis, e só então o reconheceram. (WILDE, 1981, p. 149).

(Foto: Dorian Gray e seu retrato, adaptação fílmica, de 2009, dirigida por Oliver Parker. Imagem disponível em https://medium.com/@albertolui/o-retrato-de-dorian-gray-moralidade-castigo-e-arte-629413c8fca6. Acesso 10/09/2020.)

(Foto: Dorian Gray e seu retrato, adaptação fílmica, de 2009, dirigida por Oliver Parker. Imagem disponível em https://medium.com/@albertolui/o-retrato-de-dorian-gray-moralidade-castigo-e-arte-629413c8fca6. Acesso 10/09/2020.)

O personagem principal, Dorian Gray, vivenciou uma rotina de escândalos, com muita dualidade, entre a pureza e o pecado, entre o bem e o mal, nutrindo vícios pecaminosos para aquele contexto. Durante a narrativa, personifica a hipocrisia, experimentando esses prazeres e vícios na clandestinidade, agindo de forma individualista e egoísta. Bom, de fato, não é de se admirar que a obra, ao ser publicada, sofresse tantas represálias, a faceta humana monstruosa que é apresentada na narrativa trazia, de certa forma, uma denúncia à hipocrisia da sociedade vitoriana, e que em sua leitura da obra literária encontrou aspectos reais da sociedade.

A edição original do romance foi mutilada em seu lançamento na tentativa de não ferir os valores tradicionais daquela sociedade, mas foi publicada na íntegra com adição de capítulos um ano depois, chocando e amedrontando aqueles que seguiam as normas morais. Atualmente, a obra recebe diversas adaptações e releituras, é um clássico literário estudado por diversas áreas, desde a Filosofia, passando pelas Teoria e Crítica Literárias, Psiquiatria etc. Uma leitura assombrosa, ainda que bela, bem como a dualidade representada em Dorian Gray.

Fica aqui minha indicação de leitura! Até o nosso próximo encontro!

 WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Tradução de Clarice Lispector. Ediouro: Rio de Janeiro, 2009.

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Taiza da Hora Fonseca é acadêmica do curso de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Federal do Pampa, fez parte do Diretório Acadêmico de Letras no período de 2015 a 2017 e participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) no período de 2016 a 2018. Atualmente faz parte do PET – Programa de Educação Tutorial e seus interesses são: Temas Transversais, Política e Movimentos Sociais, Literatura, Poesia e Arte.

 

Comentários
  1. Willians

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