Ano 05 nº 060/2017 – Sobre ser filha de um pai ausente

Ana Isabel Sousa

Diferente dos textos os quais estou acostumada a escrever, este será um desabafo. Não é sobre militância, não é sobre ser mulher. Não é sobre ser gorda. É sobre ser filha em um mundo onde não existe a obrigação de ser pai.

Esse ano eu fui a uma apresentação escolar de dia dos pais pela primeira vez desde que saí do ensino fundamental. Fui a trabalho. Meu objetivo era filmar a apresentação de uma mocinha muito especial que a vida me concedeu a chance de conhecer e amar. Mas em meio a tantas homenagens e demonstrações de afeto, me senti incapaz de controlar os sentimentos que me afetavam.
Em meio a tantas crianças felizes e sorridentes, me vi no olhar perdido de alguns que olhavam para o público e não enxergavam quem procuravam. Me vi ali, dia dos pais após dia dos pais, odiando cada vez mais aquela data que só me fazia lembrar do fato que eu mais odiava sobre mim: eu não tinha um pai.
Todo mundo fala sobre como é ser mãe solo, mas ninguém fala sobre como é ser filha de mães solos. Ninguém fala sobre é como viver dia após dia com o sentimento de rejeição entalado na garganta. De como é desconfortável ouvir relatos sobre relações de pai e filho e se calar por não haver história nenhuma a contar. Ninguém fala sobre como é acordar a cada data comemorativa com o peito inflado de esperança e ir dormir sabendo que não é tão importante para ser lembrada.
Meu pai foi embora quando eu ainda era um bebê. Segundo ele, não estava pronto pra ser pai. Sabe o quanto isso é um soco no estômago? Sabe como é viver dia após dia com aquilo soando na sua cabeça? A verdade é que ele não estava pronto para ser o meu pai.

3 anos após eu nascer, ele se tornou pai. Uma menina linda. Parecida comigo. Mas é ela que aparece na foto de perfil das redes sociais dele. É ela que os amigos dele conhecem. É ela que ganha curso de inglês, roupas da moda e passeios no shopping nos fins de semana. É ela quem participa dos natais em família e ganha abraços apertados a cada aniversário.

Minha irmã nunca vai ter que brigar judicialmente por pensão ou chorar a cada vez que ouvir que “é melhor não ir pois seu pai vai estar lá”, ela jamais vai ouvir isso para ter como esse o motivo do choro. E não é inveja, é revolta. É revolta, pois eu nunca exigi dinheiro, presentes ou passeios caros, eu nunca pedi nada além de carinho e afeição. 
Minha mãe e meu pai tinham a mesma idade quando eu nasci e a opção de não ser mãe nunca existiu pra ela. Ela nunca teve a chance de me deixar pra trás pra fazer a viagem dos sonhos ou se recusar a ficar comigo por estar em um novo relacionamento. Mas meu pai teve. Ser pai sempre foi uma opção pra ele. Assim como é para inúmeros pais por aí. E isso me frusta.
Não por eu ser feminista. Mas por ser um ser humano que cresceu vendo meu pai e diversos outros pais ignorarem seus filhos anos após anos por razões que não convém dizer de tão ridículas. Por eu sentir na pele o que é querer um abraço apertado ou um “eu te amo, filha” mas não ouvir nada. O que é ver dia após dia a minha mãe exausta de tanto trabalhar pois, mais uma vez, a pensão não virá.

É cruel. Cruel se recusar a sequer oferecer condições mínimas de dignidade a um ser que você possui responsabilidade sobre. É cruel se dizer pai e encher a boca de orgulho pra agradecer a cada “feliz dia dos pais” quando, na verdade, você optou de quem ser pai. É cruel aceitar todos os elogios de como você é o melhor pai do mundo quando a realidade mostra uma outra face dessa relação.

Eu não consigo olhar pra essa data e ver algo feliz enquanto há um número assustador de crianças que sofrem de abandono afetivo paterno. Eu não consigo sentir essa aura de gratidão e felicidade por uma data que comemora algo que eu vi pouquíssimas vezes em prática. Eu posso contar nos dedos quantos pais exercendo a real paternidade eu conheci e isso é deprimente.
É deprimente ver que eu não sou um caso isolado, que eu sou exatamente a cara da regra. É deprimente ver que eu sou uma estatística, apenas mais uma história no meio de tantas outras de quem cresceu sabendo que alguém foi capaz de te rejeitar sem ao menos te conhecer.
O coração dói, o nó na garganta aumenta e a pergunta que eu me faço quanto mais próximo se chega de domingo é: feliz dia dos pais para quem?

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