Ano 08 nº 082/2020 – Do discurso patriótico ao autoritarismo: o que é fascismo e como identificá-lo?/ Coluna PET Letras
Foto/reprodução: Leo Correa/AP
Por Gilmar Jr. Ferraz Bolsan
Estamos vivenciando um momento histórico para o planeta. A crise sanitária causada pela pandemia de COVID-19 tem escancarado as falhas no atual modelo de sistema capitalista exploratório, revelando a necessidade do Estado em questões que envolvem a saúde pública e a educação. Democracia, racismo e capitalismo, movimentos sociais, educação e violência contra a mulher têm sido algumas das pautas que mais têm provocado inquietação na ala política progressista e na própria população, devido aos acontecimentos mais recentes envolvendo violência policial contra a comunidade negra, violência doméstica contra as mulheres, formas de educação à distância – e como ela exclui estudantes de baixa renda do acesso ao conhecimento – e o fato de que a crise sanitária acomete de forma muito mais dura os que se encontram em situação de vulnerabilidade social e econômica.
Os movimentos sociais, que antigamente ganhavam força nas ruas, agora acontecem massivamente de dentro de casa, pelas redes sociais. Discursos antifascistas e antirracistas reverberam na internet com discussões pertinentes a respeito de como o racismo estrutural está diretamente relacionado ao capitalismo. Todavia, ainda que racismo estrutural e sistema capitalista possuam ligação direta entre si, sua evidência não é, de todo modo, absolutamente explícita e notadamente perceptível.
Movimentos sociais surgem como forma de resistência aos interesses das classes dominantes, isto é, capitalistas que detêm os meios de produção e pessoas que, alinhadas à ideologia do capital, reproduzem as relações de poder que determinam maior força exploratória de um grupo sobre o outro, sem questionar as bases nas quais os preconceitos de classe, gênero, etnia e posição social estão alicerçados. Pessoas que não possuem grandes poderes aquisitivos – e, portanto, não fazem parte da elite econômica brasileira –, por não refutarem o status quo e discursarem a favor de sua manutenção, acabam reproduzindo os interesses capitalistas, naturalmente antagônicos aos direitos do povo.
A respeito do discurso fascista e seu caráter patriótico-autoritário, é possível afirmar que seu acontecimento se dá de forma silenciosa, quando a maior parte da população está preocupada com a resolução de outros problemas. Sua explicação seria impossível se não considerássemos o capitalismo e suas implicações contra os mais pobres, uma vez que, a título de exemplo, considerando a atual pandemia, ele afeta de forma mais violenta os que necessitam do Sistema Único de Saúde e não têm tratamento médico particular à sua disposição. Essas pessoas, por sua vez, não estão preocupadas com os perigos do fascismo porque sua maior preocupação, no momento, é permanecerem vivas.
Falar de fascismo e discurso fascista, todavia, não é uma tarefa simples e, por isso, pretendo ser o mais breve e didático possível, por meio da definição de Konder (1977) para o referido termo:
O fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração do capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara “modernizadora”, guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas-formais de tipo manipulatório. O fascismo é um movimento chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista, antioperário. (KONDER, Leandro, 1977, p. 20).
Assim, de caráter autoritário, antidemocrático e contra a classe operária, o fascismo surge por meio de um discurso de restauração da ordem social, atribuindo a Deus e a um herói a responsabilidade de livrar a nação do mal. Além disso, colocar os interesses considerados majoritários acima dos direitos da população, reprimir minorias sociais, censurar a liberdade de pensamento e alimentar o medo de um inimigo inexistente são prioridades para governantes alinhados à ideologia fascista.
Há pouco tempo, no Brasil, o inimigo da nação, forjado pelo discurso fascista, era o comunismo, doutrina política que pretendia promover o estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes e sem partidos.
Tendo surgido na Itália, após a Primeira Guerra Mundial, o fascismo serviu de base para o nazismo, ou Terceiro Reich, que foi instituído na Alemanha de 1933 a 1945. A população europeia estava passando por uma forte crise econômica e, com isso, em um contexto em que o povo estava desacreditado e revoltado com o governo atual da época, surge uma figura pública com discursos simples, ideias miraculosas e soluções fáceis para problemas difíceis. No Brasil, com a chegada nada democrática de Vargas ao poder, o governo passa, então, a flertar com ideais fascistas, sendo criada, em 1932, a Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento político de caráter ultranacionalista, conservador e católico. Sendo ainda um contrassenso entre historiadores, a Era Vargas, para alguns, é considerada como uma das vertentes do fascismo e, para outros, se insere no chamado populismo, isto é, um aglomerado de práticas políticas que se fundamentam no apelo ao povo.
Para o fascismo, qualquer pauta que diga respeito ao povo pode passar pelo crivo da censura e da represália, pois é de seu interesse, enquanto parte de um sistema opressor, que a elite siga sendo elite, detentora do poder econômico. Sua definição pode ser bastante abrangente dependendo da abordagem escolhida, mas, resumidamente, é um regime autoritário, cujo poder está totalmente concentrado nas mãos de um único líder político.
De acordo com Casara (2019),
O fascismo possui inegavelmente uma ideologia: uma ideologia de negação. Nega-se tudo (as diferenças, as qualidades dos opositores, as conquistas históricas, a luta de classes, etc), principalmente, o conhecimento e, em consequência, o diálogo capaz de superar a ausência de saber. (CASARA, Rubens, 2019, p. 12-13)
É dessa forma, portanto, resistindo ao discurso fascista sobre os corpos negros que o movimento Black Lives Matter, que começou nos EUA devido ao assassinato brutal de George Floyd, homem negro, pela polícia, ganha grande repercussão inclusive no Brasil. Grupos antirracistas e antifascistas iniciam campanhas na internet e fora dela criticando o atual modelo de polícia que age de formas distintas conforme a cor da pele dos indivíduos.
Assim, o fascismo é um movimento que se expressa em governos de direita, autoritários, violentos e intolerantes com quem pensa diferente. Além disso, em um governo fascista, existe a forte presença do patriotismo, bem como a desvalorização dos Direitos Humanos, o crescimento da supremacia militar, o controle dos meios de comunicação, os discursos religiosos nos discursos políticos e o ataque aos direitos trabalhistas, só para exemplificar algumas das principais características. Desse modo, não se pode prescindir do pensamento crítico sobre as circunstâncias atuais, ainda que institucionalmente não estejamos em um governo antidemocrático.
Para finalizar, considero interessante pensar sobre esse movimento e seus preceitos ideológicos, procurando tecer relações com a conjuntura política e social do Brasil atual e compreendendo, também, que tal movimento pode ser perigoso em termos democráticos.
Em um contexto de pandemia, o discurso fascista surge, também, ao se dizer, mesmo que implicitamente, que algumas vidas valem mais ou menos do que outras, uma vez que as diferenças entre as classes ficam mais evidentes em um cenário de crise sanitária. Desse modo, escrever sobre fascismo e suas mais diferentes facetas não é um processo fácil, pois exige estudo prévio a respeito de alguns acontecimentos históricos. No entanto, torna-se cada vez mais necessário conversar sobre ele ou, ainda, alertar sobre o perigo de sua implantação em períodos de fragilidade social, uma vez que estamos inseridos em uma sociedade onde os interesses predominantes são os da elite econômica, que dita regras e governa, inclusive, até mesmo a própria classe política brasileira.
Gilmar é estudante do 8º semestre do curso de Letras – Licenciatura em Português e Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Desde 2017, é bolsista do PET-Letras (Programa de Educação Tutorial), mantido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), onde desenvolve pesquisas sobre gênero, diversidade e literatura afro-brasileira. Suas áreas de interesse são os estudos da linguagem, Análise do Discurso, psicanálise e literaturas portuguesa e africana.
“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”.