Ano 04 nº 051/2016 – Precisamos falar sobre assédio na universidade

Melissa Barbieri, Stéfany Solari

Sempre que nos confrontamos com diversas notícias a respeito de um tipo específico de crime, história e/ou fato que normalmente não é muito noticiado, é normal ver e ouvir comentários como “Virou moda agora?”. É um comentário recorrente, mas para o qual em geral a resposta é a mesma: não, não virou, é que agora estão noticiando ao invés de calar. E é exatamente essa a situação dos casos de assédio.

Entende-se assédio, de forma geral, como uma conduta abusiva e em geral repetitiva, com o objetivo de constranger, humilhar, coagir ou isolar o alvo da agressão, causando danos à essa pessoa, principalmente de ordem moral, emocional e/ou psicológica. O assédio se apresenta de várias formas e pode ser caracterizado em diversos tipos, sendo um comportamento que se caracteriza pela subjetividade de suas manifestações. Exatamente por isso, é difícil de ser comprovado materialmente, o que muitas vezes, somado aos sentimentos de tristeza, vergonha, ansiedade e/ou necessidade de isolamento que em geral o assédio causa na vítima, a intimida na decisão de denunciar.

O assédio em geral é debatido, embora não de forma suficiente, como um fenômeno que pode ocorrer nas relações trabalhistas. No entanto, ele também ocorre dentro de outros espaços, um deles é o da universidade.

E foi com o objetivo de debater o assédio dentro da universidade, mais especificamente dentro da Universidade Federal do Pampa, que foi criada a UniElas- Ouvidoria Feminista da Unipampa. Coordenada pela professora doutora Katia Morais, o projeto começou há cerca de um mês e sua primeira ação foi uma pesquisa qualitativa com o objetivo de coletar dados a respeito dos casos de assédio sofridos dentro da Unipampa- Campus Bagé.

UniElas e suas próximas ações

Apesar de seu curto tempo de existência, a UniElas conseguiu atingir nesse primeiro momento seus objetivos. A primeira etapa das ações do UniElas consistia na realização de uma pesquisa sobre os casos de assédio ocorridos dentro da universidade. Seus objetivos eram assim, coletar dados e relatos- sem identificação das vítimas- sobre tais casos, os divulgando em seguida e, a partir deles, tendo em mente suas próximas ações. Para isso, um questionário foi produzido, contando com perguntas objetivas, tais como haver sofrido assédio, qual (is) tipo (s) de assédio e quem o cometera. No questionário, também havia a opção de escrever um relato a respeito.

Além disso, um espaço virtual foi utilizado para aquela(e)s que queriam enviar seus relatos dessa maneira.

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Na imagem, urna e os questionários que eram preenchidos pelo público que aceitava participar da pesquisa O material ficou no saguão da universidade durante uma semana em um sistema de revezamento de horários, uma vez que devia ficar na responsabilidade de um ou mais integrantes da Ouvidoria Feminista. Toda (o) e qualquer  aluna (o), professora (or), técnica (o) e ou funcionária (o) terceirizada (o) podia participar. Dúvidas e esclarecimentos sobre assédio e outros comportamentos desta natureza também eram sanados ao público participante. Ao final desse tempo, que foi estipulado para que o resultado da pesquisa pudesse sair antes do início do período de férias, a urna foi aberta e todos os questionários foram analisados pelos integrantes da UniElas, contabilizando assim os números dos casos de assédio ocorridos na universidade de acordo com as respostas dadas pelos participantes.

(Foto: retirada da página do UniElas, no Facebook)

O resultado final da pesquisa foi publicado assim que os resultados foram contabilizados, ao final da semana em que foi realizada a pesquisa, e você pode conferi-lo na imagem a seguir:

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Após o final do período de férias, como afirma a coordenadora do projeto, o objetivo é seguir levantando o debate sobre o assédio na universidade. Os planos do UniElas para suas próximas ações são a realização do cadastro do projeto; realização de palestras e rodas de conversa sobre o assunto; realização de novas pesquisas a respeito, abrangendo um número maior de alunos. Além disso, os dados levantados nas pesquisas do UniElas serão encaminhados ao órgão competente da Unipampa sobre casos deste porte. O objetivo é buscar caminhos de se construir dentro da universidade um espaço seguro e que oferece suporte às alunas (os) e funcionárias (os) em geral que sofreram algum tipo de assédio.

Mas, afinal, como ocorre o assédio?
De acordo com a página da Ouvidoria Feminista da Unipampa no Facebook e com outras fontes a respeito, podemos resumir que os principais tipos de assédio são:
Moral: Quando alguém dentro do seu espaço de estudos e/ou trabalho, te xinga, debocha da sua capacidade intelectual e/ou profissional e/ou grita com você.
Sexual: Quando alguém toca seu corpo sem seu consentimento, aproveita oportunidades em que vocês estão próximos fisicamente e/ou tendo uma conversa, para tocar você sem que tenha permitido isso ou tenta te beijar ou abraçar à força.
Verbal: Quando alguém faz comentários depreciativos e /ou libidinosos a seu respeito.
Alguns outros comportamentos também podem ser entendidos como assédio, é o caso do assédio virtual, que acontece em casos onde alguém te persegue em redes sociais através de mensagens indesejadas e comportamento stalker. Tais atitudes quando recorrentes e com o objetivo de coação, intimidação e de forma insistente, podem ser caracterizadas como assédio virtual.

Um outro conceito-chave quando falamos de assédio são as relações de poder. Ou seja, casos em que, devido à relação hierárquica que há entre os sujeitos, aquele em posição superior, utiliza-se disso dentro de alguma esfera social para intimidar, humilhar, constranger, assediar as vítimas. Pode ser o caso de relações professor-aluno, por exemplo.

“Tá, mas agora tudo é assédio?”

Uma característica de qualquer abordagem que fale sobre comportamentos abusivos é a constatação de algumas pessoas de que agora “não se pode fazer mais nada” ou ” é tudo mimimi”. Participando, ouvindo e lendo debates sobre o assunto, principalmente depois da publicação dos dados levantados anteriormente, vimos que em muitos casos a falta de informação, a banalização do assunto e a naturalização de comportamentos abusivos levam a perguntas e afirmações, como essas. Obviamente não nos referimos a toda e qualquer pessoa que discorde de alguns tópicos dessas abordagens, mas a muitos dos discursos que se ouve  a respeito. Não se trata de não poder mais paquerar, de não poder mais fazer piadas, de não poder mais se expressar, mas de construir todas essas coisas de forma saudável. Em outras palavras, se ofende, agride ou humilha a outra pessoa, não é paquera, é assédio; se ofende, agride ou humilha a outra parte, não é brincadeira, é assédio; se ofende, agride ou humilha a outra parte, não é livre expressão, é assédio. Devemos repensar nossos discursos e ações, principalmente se eles culpabilizam vítimas de casos assim ou se são exatamente os discursos e ações que configuram casos de assédio dentro e fora do recinto universitário. Mais do que isso, também devemos ouvir essas vozes que, por medo ou vergonha, têm ficado em silêncio. É isso que a UniElas nos convida a fazer.

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