Ano 08 nº 027/2020 – Poemas
Por Bruno Borin Boccia
Derrubada
Ah saudoso Jaguaribe, Rio de minha vida
Águas imaginárias em que nadei…
Águas em que correm a força de Tupã
O sangue do trovão sem tempestade!
Queria ver-te mais uma vez cirandando,
Sem o progresso da civilização
Arco e flecha sem rumo de morte
A pureza livre de um verso inocente!
Dançam nas cordas o hiato das eras
Yamandú catequizado reza o terço
Empurrando as nuvens do céu
Para dar sol às tíbias Caapongas
Botões de cura em tempos negros…
Mistérios da língua Tupi, caraguatá
Para quem sabe da chaga e do luto,
Mitos que morrem entre balas e anúncios
Mata derrubada, Adeus Poti…
Iracema é morta!
Rubra cor pinta as margens
Do saudoso Jaguaribe…
Derrota
A aprendizagem que me deram? Eu desci dela pela janela das traseiras da casa
– Álvaro de Campos – Tabacaria
Perdido em pequenos timbres de ouro
Navego no sonho com um luar errado
Eu sou o que falta na paisagem cristal
– Amontoado de vértices em verso branco
Onde singra rubro, o tropel das vibrações
Em ritmos iriados como mandamentos…
Ó luar errado, queria acreditar na ciência cosmopolita dos signos
– Mas esse cansaço, como uma súbita e inexplicável ternura
Bruma o meu entendimento desgraciosamente!
E como num grande espelho quadrangular, vejo-me
Sentado a sorver o pior da humanidade, e um punhado de @@@@
Que vértices cegantes! Que calor desumano!
Caiu um prédio na minha vida! Ninguém nem reclamou!
Eu só lembrei de baloiçar o pasmo de minha alma
Estirar uns tapetes para mais um assombro, como outros que receberei!
Mas o que sempre quis era vomitar a minha própria carne
E ver o Jaguaribe da minha vida escorrendo pela calçada
Que erro, eu nunca mais me imaginei enroscado nas serpentes do sentir
Mas estavam lá todas as mambas, Álvaro estava certo o tempo todo!
O Cansaço desbota os cetins do nosso espírito…
Ainda lembro das minhas garras de marfim e do sonho branco
Que me levavam para um êxtase infantil e prateado
Um Lord reduzido a imagens e montras com a minha dor estampada!
Hoje choram em mim cores perdidas, rimas rejeitadas
Todo um estilo de ouro esquecido, arrancado de memórias tristes
Dos poetas de outrora, gente desquitada da vida
Gente que queria virar gramaturas cansadas e arfantes
Acordes de uma Paris ainda viva e cintilante,
A latejar cristalizações enevoadas e difusas, e um cansaço
Um espasmo cardíaco que dói mais na alma que no corpo
´
Ó lua errado, me desculpe! Não tenho rituais a oferecer
Porque não há nada que possa fazer pelo Tehom do meu Vocabulário!
Veja, toda essa beleza inatingível… Não é para mim!
Eu que sou um punhado de cordas partidas
Queria atapetar uma escada, apenas para rolar nela o meu corpo torcido
Porque mesmo se levantasse da cadeira e vivesse
A Beleza passaria por mim, mas eu jamais me tornaria a Beleza…
Canção do errante
A vida é variável assim como o Euripo.
Apollinaire
I
Cruzando a ponte febril de nuvens
Me espargi como um rio no oceano
E como lembranças a flutuar, surge
A vida, em cartas de um baralho decano
Nas ruas sem número do meu epicentro
O sol dos dias brilha dilacerado, tentando
As cavalarias alcoólicas que, trotando
A esmo, fiscalizam os proclamados remendos
Em vagas faces, de sombras vivazes compondo
O cipreste oloroso e destituído de sentido;
Um monumento profano é soerguido
No lugar de uma proscita ruína sem rosto!
Enquanto dançáveis melodias variavam
Ditando os passos a serem dados
Esqueci dos comprados alambrados
Em um padecer que os céus me aleijavam…
II
Não sei o que é mais fugaz,
Se é a vida a nos entoar
– A final canção
Ou o coração a ditar
– A feroz paixão!
Em mãos de outono, se perdem
Os signos colhidos do junco
As queixas de verão cedem
Ao corado sumo
E acordes bailam nos yeah yeahs da vida.
Morrem muitos cantos, muitas melodias
As portas batem sorrindo terrivelmente
O amor dura um lapso de segundo
O tempo de uma visão subliminar
Ser esquecida, mas uma eternidade
Para ser posto de lado como uma memória
Vazia.
Feias são as beatitudes, senão compostas
De sonhos honestos e romances perdidos
Do sangue dos deuses que se compõem
As artes que ferem a alma dos astros
E revelam a mentira das estrelas.
Eu me eternizarei sob o espinhal em flores
Recuso a tenra grama e os campos lilases
Do verbo, quero o ritmo da existência
a bradar cem anos de consolo para uma dor
Que não se alcança.
III
Meu revelar é também um esconder.
Bruno Borin
Precisando de favos de azul
Vestido de incompletudes
E sentindo que perdi my soul
Reconheço essa tal solitude
No desamparado castigo
Nas próprias condolências
Acho as profundas essências
Do meu antigo postigo!
Distanciando do matiz verde
Segmentado em res urbana
Componho minha verve
Do intransponível engano;
Desejando o purpúreo lupanar
Das ideias fátuas e merencórias;
Proclamei sem dolo um pressagiar
Instaurando o ritmo destas rapsódias
Nos verbos de ação mais fantasiosa
Para mendigar cores que nunca tive
E não absconsar na mesmice,
Perdendo minha mocidade preciosa…
Nigredo
À Baudelaire
“Flectere si nequeo superos, Acheronta Movebo“
– Virgílio
Preso na noite de um verão gélido
Sonho, numa onda calma e negra
A quadra de uma soberania hedra
A galgar os céus num voar tépido:
Ansiando fazer sentidos de grandeza
Atrapado na densa, espagíria sensação
Baudelaire! Te penso em sua rudeza
A poesia é o único abrigo da invenção!
Mas não qualquer criação! O etéreo Eu!
Aquele de paletó ideal, A quem abraça
Somente o grande inverno do plebeu
Que cultiva a dor em campo de lavra!
Porque na folhagem incerta do destino
Floriu! Não um lugar no de todos, Mundo.
Onde o corpo do beijo dorme, bem fundo:
Fonte do vinho mais velho, bordô menino!
Esotérico lugar, de difícil entendimento,
E o pior! Sem óbolos para o barqueiro!
A estética é o único presente rudimento,
Das auroras roubamos cores pr’o tinteiro!
Fiz deste tinteiro meu estimado ébrio barco
Porque não quero do real, os parcos cobres
Estes só salgam os coágulos de meus odres;
Perdido em brumas violentas, reteso o arco…
Mirando nos lamentos, mataria mil sóis
Para agarrar apenas uma noite eterna!
Eu teria gostado de acordar nos arbóis
De uma nova percepção, e ser primavera
Eu teria gostado de despertar um povo…
De tecer hipocampos sem algum pranto
Mas prossigo num dançar pálido, covo…
Ainda faço do torpor, o meu querido antro.
Bruno Borin Boccia
As Bruxas
o Pacto
Por desejo da mais alta liberdade,
Por não mais chorarem na cruz,
Vítimas ofuscadas na sagrada luz,
Aceitaram uma profana paternidade!
Mas nem o velho bode templário
Foi capaz de proteger as mulheres,
Condenadas ao fogueiral sacrário
Por abraçar uma vida de prazeres!
Nova Jerusalém pelo mal sitiada,
Um combate de fé foi travado,
Venceram os homens de letras;
O mal expurgado caiu por terra!
o Sabá
No jantar da nova fé, a bonança
As tradições pagãs resistiram
O novo mundo aprendeu a dança
No tear das Moiras, rituais serziram
Hécate, na noite mágica passeia
Cantos e cirandas, deuses antigos
A bramir novas pulsões, nos enleia
Palavras da velha lei abrem postigos!
Noosfera refeita, brilha e encanta
Na noite de Beltane. Mosaico alado
Da imaginação carmim, que imanta
O poema da vida, sempre inacabado.
o Grimório
Do verbo fez-se grito, solário,
A salamandra tatua ensinamentos
De sangue, geometrias estranhas
A comunhão do iniciático rio!
Ninguém é o mesmo após lê-lo;
Asa de espanto e conhecimento
Perpetua segredos nas entranhas
Caminho de dor a tecer os elos!
Herança de estrelas escritas,
Dentro do prisma, universo
Abaixo o céu, dedilhado estro.