Ano 11 Nº 011/2023 – Percursos do poeta da consciência negra: Oliveira Silveira, sempre presente!
Adriano Ernesto Trindade
Fonte: Arquivo Pessoal (2023)
No último dia 11, a Universidade Federal do Pampa comemorou seus 15 anos de fundação. Na referida instituição de ensino superior, no campus Bagé, ocorreu, na mesma data, a Assembleia Universitária de entrega do título de Doutor Honoris Causa in memoriam a Oliveira Silveira, personalidade negra que atuou como poeta, professor, pesquisador e militante do Movimento Negro brasileiro. Na cerimônia, a honraria foi entregue à Naiara Rodrigues Silveira, filha única do homenageado.
Diante da importância da solenidade mencionada, eu, como membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) que leva o nome do consagrado poeta da consciência negra, assumo a responsabilidade de relatar algumas passagens do percurso da vida deste grande expoente do movimento de negritude, conhecido nacionalmente (ou deveria sê-lo) por ser um dos idealizadores do Vinte de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra e por sua caminhada de uma vida inteira na luta por igualdade racial.
A partir de pesquisa histórica, destaco que Oliveira, leonino nascido em 16 de agosto de 1941, no interior de Rosário do Sul (RS), veio de uma família humilde. Ele e sua família viviam da lida do campo, ofício desenvolvido por seu pai, Felisberto Silveira, e das costuras de sua mãe, Nair Ferreira.
Oliveira, segundo dos seis filhos do casal, recebeu suas primeiras lições escolares no distrito de Touro Passo, em um galpão com telhado de palha, construído por Dona Nair e Seu Felisberto, entusiastas dos estudos dos filhos. Com a construção do espaço destinado à aprendizagem das crianças, os pais de Oliveira contrataram uma professora que ensinasse aos filhos noções básicas de escrita e cálculos, o que poderia ser caracterizado como os primeiros anos do ensino fundamental que temos atualmente.
Quanto ao ingresso às séries finais, denominadas à época de ensino ginasial, Oliveira teve de prestar o famoso exame de admissão (assemelhava-se aos vestibulares para ingresso em institutos federais e universidades). Após muita dedicação, foi aprovado e adentrou no chamado Ginásio, onde atualmente é a Escola Estadual Plácido de Castro, localizada no centro de Rosário do Sul. Nesse período, bastante engajado socialmente desde criança, Oliveira participou do Hora Estudantil, programa fundado pelo grêmio estudantil de sua escola, transmitido em uma rádio local do município.
Com o objetivo de dar continuidade aos seus estudos, Oliveira Silveira, junto de seu amigo Alsom Pereira da Silva, foi viver na capital do Estado, Porto Alegre. Lá, no ano de 1959, ingressou no Colégio Júlio de Castilhos, considerada a maior escola pública do Rio Grande do Sul. No Julinho, optou por estudar o Curso Clássico, cujos componentes curriculares tinham foco nas Ciências Humanas.
Ao concluir os estudos no Ensino Médio, Oliveira Silveira ingressou no Curso de Letras – Português e Francês e suas respectivas literaturas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde recebeu o diploma em 1965. Na graduação em Letras, conheceu Julieta Maria Rodrigues, que se formou em 1967, ano em que casaram-se. Dois anos mais tarde, em 1969, nasceu Naiara, fruto desse matrimônio.
A partir do que foi exposto, podemos inferir que a juventude de Oliveira foi permeada por um cabedal de leituras e pela vontade de aquisição do saber. Inclusive, vale um adendo: ao ingressar na faculdade, em 1962, Oliveira realizou a publicação de Germinou, sua primeira produção literária.
Para além do seu fazer literário, que está fortemente ligado à militância antirracista, o comprometimento social de Oliveira por uma sociedade mais igualitária foi cada vez mais efetivo por meio das conexões que ele criou na capital dos gaúchos. Por exemplo, a partir de sua convivência com seu sogro, José Maria Rodrigues, Oliveira teve acesso à obra As guerras dos Palmares: subsídios para a sua história, escrita em 1938 pelo português Ernesto Ennes. Foi a partir dessa leitura que Oliveira tomou conhecimento mais aprofundado sobre a história de Zumbi dos Palmares, líder da resistência à escravidão, morto em 20 de novembro de 1695.
Suas vivências aumentaram, assim como seu grau de consciência. Então, se na faculdade sua reunião com outros alunos negros de diferentes cursos sobre temas relacionados à história dos negros no Brasil já eram frequentes, agora, com maior número de leituras, o poeta da consciência negra estava cada vez mais consciente (perdão pela redundância) de seu papel na transformação do mundo, tendo atuado ativamente em clubes sociais negros, teatros e publicações de textos em jornais. Junto ao ofício de lecionar e à dedicação da arte da palavra, a militância de Oliveira se tornou ainda mais assídua quando ele formou na casa dos sogros, em 1971, o Grupo Palmares, destinado a discussões sobre assuntos de negritude.
Na residência da família Rodrigues, aconteciam assíduas reuniões sobre as questões que valorizassem a população afro-brasileira e o combate ao racismo. Durante um desses encontros, discutiram sobre o 13 de maio ser uma data problemática para ser considerada comemorativa do povo negro. Foi posto o questionamento: como comemorar o dia em que os negros foram libertados sem a garantia de direitos e ainda ficaram à margem da sociedade?
Foi então que, em uma das reuniões do grupo, Oliveira fez a proposição de colocar o dia Vinte de Novembro como data oficial dos negros no Brasil, evocativa à data de morte de Zumbi dos Palmares. Tal proposta tomou proporções monumentais, o que fez com que a sugestão pela nova data fosse refletida pelos movimentos negros em escala nacional e fosse noticiada nos principais jornais do país, assim como em jornais de escala internacional, como no jornal francês Le Monde. Curiosamente, em 1971, ano da proposição feita por Oliveira, a Organização das Nações Unidas (ONU) o instituiu como o Ano Internacional da Luta Contra o Racismo e Discriminação Racial.
Recentemente, em 2021, em companhia dos membros do NEABI Oliveira Silveira, estive na exposição Palmares não é só um, são milhares em referência aos 50 anos da idealização e formulação do 20 de Novembro, ocorrida no Memorial do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Na ocasião, refletimos sobre todo o impacto positivo proporcionado a partir da instauração do 20 de Novembro como dia Nacional da Consciência Negra.
Observamos que, apesar de haver muita estrada a ser percorrida, obteve-se maior valorização das culturas negras, mobilizações nos movimentos negros no país, além de questões relativas à população preta, na Constituição Federal, por um mundo mais próximo da equidade de direitos às diferentes raças.
Façamos uma pequena reflexão sobre algumas lutas vencidas pelo povo preto, mesmo quando Silveira já havia falecido, em 1º de janeiro de 2009. Mencionemos as Leis 10.639/2003; 11.645/2008, bem como a Lei 12519/2011; as primeiras, sobre a obrigatoriedade da História e cultura africana e afro-brasileira nos componentes curriculares da escola; a última, institui o 20 de Novembro como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Não poderia deixar de citar aqui a Lei 12.711/2012, que possibilitou o acesso de alunos negros ao ensino superior público, por meio da reserva de vagas em instituições federais. Grandes vitórias ao povo preto!
Já me encaminhando para o final deste texto introdutório sobre a trajetória do poeta da consciência negra, registro que para mim, homem negro que também escolheu o caminho das letras, é uma imensa satisfação escrever sobre essa ilustre figura que foi Oliveira Silveira. Inquestionavelmente, sua trajetória vem pavimentando o caminho para que mais pessoas pretas tenham consciência de que suas histórias são importantes e que podem desenvolver ao máximo seus potenciais e lutar por igualdade de direitos. Afinal de contas, todo legado resiste ao tempo, principalmente quando se trata de humanidade e compromisso social por um mundo mais digno.
Assim, agradeço a quem leu até aqui e convido a ti, pessoa que me lê, a fazer leituras e reflexões sobre o percurso de militância de Oliveira Silveira, pois há muito a aprendermos com Oliveira. Poderia mencionar aqui poemas, entrevistas, depoimentos de quem conviveu com ele, textos jornalísticos e artigos científicos. E por último, mas não menos importante, recomendo fortemente que realizes, na plataforma Lúmina, o curso Oliveira Silveira: o poeta da consciência negra, lançado em novembro de 2019 em parceria entre a Universidade Federal do Pampa e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também, recentemente, na Casa da Cultura Mario Quintana (CCMQ) foi inaugurado o Espaço Oliveira Silveira, memorial que conta com materiais que pertenceram ao escritor, doados por sua filha Naiara.
Que o legado de militância de Oliveira por um mundo com justiça social se eternize. Oliveira Silveira, sempre presente!
Obs.: No Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas Oliveira Silveira, desenvolvemos algumas ações alicerçadas na temática de negritude, podes acompanhá-las em nossa página no Instagram @neabioliveirasilveira . Se tiveres interesse em participar, entra em contato conosco.
Adriano Ernesto Trindade é graduado em Licenciatura em Letras- Português e Literaturas de Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Pampa, no campus Bagé/RS. Na referida IES, integra o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) Oliveira Silveira.