Ano 04 nº 043/2016 – Mulheres e Tecnologia

Mariana Dutra

“Mas tu vai fazer esse curso mesmo?”

“Bah, deve ser legal só tu de mulher lá, né?”

Perguntas como essa sempre fizeram parte da minha rotina desde que optei por cursar Engenharia de Computação. No começo, a falta de apoio e as piadas não me incomodavam porque a escolha do curso tinha ocorrido de forma natural. Com o passar do tempo, fui notando que as turmas ficavam cada vez mais masculinas, até o momento em que eu era a única mulher da turma.

Segundo o censo realizado anualmente pelo MEC, a quantidade de mulheres em cursos de tecnologia vem diminuindo. Em 2013, apenas 15,53% dos ingressantes eram do sexo feminino. O índice de desistência também é alto. Cerca de 87% não conclui ou  troca de área no meio do caminho. Segundo estudos, isso vem na contramão de outros cursos anteriormente considerados “masculinos”, por exemplo, Engenharia Civil, que contam com a presença cada vez maior de mulheres.

A situação do/no mercado de trabalho não é diferente. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (Pnad), cerca de 20% das mulheres trabalham com tecnologia no Brasil e 34% ainda ganham salários inferiores aos homens exercendo a mesma função.

Mas afinal por que ainda somos minoria nesses cursos?

A ideia que computação é uma coisa masculina ou que mulheres não têm habilidade com ciências exatas contribui para diminuir e afastar meninas da área conhecida como STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática, em inglês). Embora existam exemplos de mulheres à frente de grandes companhias, como Marissa Mayer, CEO do Yahoo e Sheryl Sandberg, COO do Facebook, quando se fala em tecnologia, nomes como Bill Gates e Steve Jobs sempre serão os mais lembrados, devido ao estereótipo do nerd (um cara anti-social e que não sai do computador).

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Mayer. Marissa Foto: Ethan Miller / Getty                                      Sheryl-Sandberg. Foto: makers.com

A baixa representatividade nessa área é relativamente recente, pois segundo o site, smithsonianmag.com, até meados dos anos 80 o mercado de tecnologia era predominantemente feminino.

A computação surgiu como um desdobramento da matemática e do secretariado, áreas consideradas femininas na época. A primeira turma de Ciência da Computação da USP, em 1971, contava com maioria de mulheres. Voltando um pouco mais no tempo, temos o ENIAC, considerado o primeiro computador digital, desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial (para fins militares), que foi programado por um grupo de mulheres da Universidade da Pensilvânia.

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Primeira turma ciência da computação USP 1971                                      Mulheres programando ENIAC

Já nos anos 80, com a chegada dos computadores pessoais, a publicidade mostrava os computadores como brinquedos masculinos ou ferramentas de trabalho para homens. A publicidade desses produtos era extremamente sexista na época, reforçando a ideia de que computador “era coisa de homem”. Essa lógica estendeu-se para as faculdades e consequentemente para o mercado de trabalho.

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Propaganda do Commodore 64

(Fonte: pinterest)

Esse tipo de discurso na mídia serve para reforçar estereótipos de gênero. Por isso não é raro as pessoas referiram-se ao ramo de tecnologia como hostil, pois é uma área que ainda tem muito sexismo.

Espaços só de mulheres

Devido à falta de credibilidade e o assédio em espaços mistos de compartilhamento de informações, como em comunidades virtuais, algumas meninas resolveram criar espaços predominantemente femininos. Essas iniciativas visam empoderar mulheres e estimular as mais novas a se interessarem pela área.

O  MariaLab é um desses espaços, e se intitula “hackerspace feminista. Surgiu da necessidade de se ter um ambiente feminino em que se aborde questões pertinentes às mulheres. Os espaços mistos acabavam intimidando as poucas participantes e desestimulando as que gostariam de iniciar na área tecnológica. Além de programação, o espaço ensina como aumentar a segurança de seus dados e proteger sua privacidade. Dentre os temas trabalhados estão roubo de dados e revenge  porn.

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Vanessa Tonini e Carine Roos, fundadoras do MariaLab

Há também outras iniciativas. Por exemplo, o PyLadies, que é um espaço que pretende reunir mulheres que já programam especialmente na linguagem Python. Outra iniciativa é o progra{m}aria, um espaço onde pessoas sem experiências prévias em programação (jornalistas, design entre outros) resolveram aprender e mostrar que é possível para qualquer um começar a programar do zero e iniciar seus próprios projetos.

Todas essas iniciativas visam combater os estereótipos, que são sociais, não construídos somente na universidade, mas por meio de discursos e ações em diferentes espaços das nossas vidas. O mercado de trabalho,o ambiente universitário são apenas um reflexo disso.

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Fonte: http://www.zazzle.com.br/geek_do_computador

*CEO – Diretor executivo ou presidente.

*COO-Diretor de Operações ou Executivo Chefe de Operações.

*Hackerspace Espaço virtual ou físico onde pessoas com interessem em comum reúnem-se para trocar conhecimentos.

*Revenge porn ou pornografia de vingança – É a publicação de conteúdo pornográfico na internet sem o consentimento dos personagens do vídeo como forma de vingança

 

Fontes:

http://www.newyorker.com/business/currency/yahoos-dynamic-ceo-boring-plan

http://www.makers.com/sheryl-sandberg

http://www.ime.usp.br/~song/ime/1turmaBCC.html

http://historiadopc1.blogspot.com.br/2014/06/historia-da-computacao-e-dos.html

http://motherboard.vice.com/pt_br/read/minas-e-codigos

 

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