Ano 13 Nº 37/2025 Primeiros Desafios: Hospitais e Escola Nova.
Por: Paula Diele Pereira Fonseca
Agora que já estávamos acomodados no nosso apartamento, podíamos iniciar a organização de uma vida nova. Como mencionei no texto anterior, fomos em busca de uma escola para o Samuel. Visitei duas escolas perto da minha casa, pois gostaríamos que fosse próximo de casa para facilitar de eu levar e buscar.
Fui a duas escolas internacionais: a primeira apresentava uma estrutura desde kindergarten (jardim de infância) até High School (Ensino Médio). A estrutura era enorme e com várias atividades para as crianças. Na escola maior, as crianças seguiam uma rotina mais estruturada, o uniforme era mais formal; a segunda era uma escola menor, o ambiente era mais acolhedor, sendo essa nossa opção.
Estávamos chegando, sem falar a língua e com muitos desafios. Então realmente precisávamos de um ambiente acolhedor. Na escola, informamos que eu não falava inglês e que as questões deveriam ser resolvidas com meu marido, e assim iniciamos nossa primeira semana na China.
Para iniciar à escola, a criança precisa realizar alguns procedimentos como: medir peso e altura, aferir glicemia em jejum, realizar hemograma e função renal e hepática. Samuel, meu filho, teve um processo difícil de tirar sangue. Ao chegar no hospital, todas as crianças estavam em fila, passando tipo linha de produção em cada setor, sem chorar uma lágrima. Eu expliquei ao Samuel o que iria acontecer, mas, na hora do sangue, esse menino colocou o hospital abaixo. Tinha quatro chineses o segurando, e claro, acredito que me xingando, pensando: ‘’que criança é essa?’’.
Esses exames são periódicos. A cada seis meses, vários profissionais vão até a escola, como o médico e a dentista. Até o laboratório é móvel. Somente a primeira vez é feita no hospital, assim evita-se choro e frustrações. Tudo é encarado como uma brincadeira.
Dentro do prédio, as crianças encontram uma farmácia, um mercado, um hospital e até um banco — tudo em tamanho reduzido, feito especialmente para elas. É como se fosse uma pequena cidade no universo infantil. Nos explicaram que cada aluno recebe um dinheiro de faz-de-conta para administrar durante esse período. O interessante é que cabe a eles decidir como usar: investir, gastar ou, caso não tenha cuidado, perder. Cada escolha gera uma consequência, e tudo é explicado de forma simples e divertida, para que aprendam brincando.
Na escola do Samuel, havia um estudante, filho de uma fillipina com um brasileiro. Fiz amizade com a filipina, já que ela falava ‘’Bom dia! Como vai?’’ e algumas outras palavras em português. Ela foi a primeira pessoa a me ensinar inglês e foi meu suporte em tudo. Então iniciei a rotina de acordar, tomar café da manhã, levar Samuel à escola e retornar para casa, maratonar uma série, limpar a casa, e descobrir os diversos aplicativos de compra possíveis aqui.
Dianne, minha amiga filipina, é casada com um gaúcho, veio ao Brasil e ficou quase um ano morando aqui. Então ela experimentou chimarrão e me falou que gostava, mas seu esposo não tinha o hábito de tomar.
Eu, como uma boa brasileira, a chamei para almoçar na minha casa. Deixamos os meninos na escola, e viemos juntas para minha casa. Fiz um chimarrão com uma erva pura folha, e iniciamos a conversa metade português, metade inglês. A gente se entendia assim. Depois de quatro ou cinco cuias, ela ficou branca e falou que não se sentia bem. Peguei o celular e falei com o marido dela. Ele me disse: “Ela tem problema de pressão, leva ela para o hospital agora!”.
Minha sorte é que eu já sabia usar o DIDI, que é o UBER chinês. Coloquei ali o hospital mais próximo, e fomos. Chegando lá, ninguém falava inglês, o que não ajudou muito, pois ela estava muito mal. Eu não falava inglês, então peguei o tradutor do meu celular e segui falando com o marido dela. Ela foi levada para uma sala e o seu celular estava sem bateria. Fui até o banheiro e o coloquei a carregar. Quando a enfermeira me chamou, saí e deixei o aparelho.
Falei com o médico, acredito que em torno de meia hora ou mais, pois era tudo no tradutor. Quando o médico me liberou, eu lembrei do celular, um Iphone, pensei “pronto, perdi o celular”. E não é que o celular estava lá?! No mesmo lugar, em um hospital com muitas pessoas circulando. Pensei que era sorte. Até entender que, na China, é assim: se não é seu, você não deve mexer.
Isso me trouxe uma lembrança de minha infância. Era comum ouvir o ditado: “achado não é roubado, quem perdeu é relaxado”. Aqui é transmitido o contrário: se foi achado, é responsabilidade do dono, e ele vai buscar em algum momento.
No final, minha amiga ficou bem, e eu nunca mais dei a ela chimarrão com pura folha.
Na semana seguinte, a vida ainda seguia com muitas novidades, tudo era novo, principalmente os cheiros. O mercado público tem um cheiro que mistura animais vivos, peixes, pão, frutas e legumes, é algo que não estamos acostumados a sentir.
No sábado pela manhã, Samuel acordou com muita dor, ficamos assustados, pois ele nunca reclama de nada. Tentamos falar com o Seguro de saúde para obter informação de onde levá-lo. Mas a nossa cidade, por ser interior, não tinha hospital internacional. Então fomos até o hospital da criança.
Meu esposo e eu estávamos bastante apreensivos, pois Samuel é uma criança muito saudável e, de repente, precisávamos levá-lo a um hospital em um país onde não se fala nossa língua, tampouco o inglês. Entretanto, fomos surpreendidos pela solidariedade dos chineses, que se mostraram verdadeiramente incríveis nesse aspecto. Entramos em contato com a professora dele e, prontamente, ela solucionou toda a situação por telefone: comunicava-se com o médico em chinês e repassava as informações ao meu esposo em inglês.
Samuel fez exames e consultas, e ainda fomos a um robô enorme pegar a medicação. Funciona assim: você escaneia um QR code e o robô, em segundos, entrega tua medicação. É incrível a agilidade de como as coisas acontecem.
Na saída do hospital veio a surpresa, pois a China não tem SUS, estávamos apreensivos com o que iríamos pagar. Mas a conta já com a medicação ficou em torno de R$ 35,00. Saí de lá sem acreditar, pois todo o processo, mesmo com a comunicação difícil, não durou 45 minutos e havia muita gente dentro do hospital!
Na semana seguinte, fui convidada para um almoço do Dia Internacional da Mulher. Era uma comemoração somente das brasileiras que vivem aqui. Fiquei animada. Já na minha segunda semana, um evento! E, neste dia, conheci oito brasileiras expatriadas, todas já vivendo a mais de quatro anos na China.
A troca de informações foi fundamental para eu me tranquilizar em relação a tudo, principalmente em relação ao Samuel, pois todas tinham filhos e me contaram tudo que haviam passado desde a chegada. Disseram também que a adaptação das crianças é incrível, pois elas se expressam de mil maneiras, se conectam em qualquer idioma e ainda assim são puras.
Entre hospital, escola nova e pequenos perrengues, a vida segue cheia de histórias para contar. Cada dia traz seus desafios e aprendizados, e é assim que vamos crescendo juntos. No próximo mês, compartilharemos mais sobre a vida na China e os pequenos obstáculos que tornam cada momento inesquecível.
Paula Diele Pereira Fonseca, médica veterinária, mãe e educadora. Formada pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP/Bagé). Mestre em Sanidade animal pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), possuo 13 anos de experiência com clinica e cirurgia de pequenos animais. E-mail pauladpflages@gmail.com.