Ano 13 Nº 32/2025 – Ser observado é se conhecer pelo olhar do outro
Por: Flávia Azambuja; Fernanda Luiz Saggiomo; Ana Paula Castro Pinheiro
Quando pensamos em observação como uma metodologia de pesquisa, se pensa, normalmente sob a ótica do observador, nas transformações e nos impactos profissionais e pessoais que podem emergir nos observadores ao contatar novas práticas, novas formas de existir no mundo. No entanto, pouco se discute sobre as reverberações provocadas nos observados. Esse texto, se propõe a inverter essa lógica e refletir sobre o ponto de vista do observado, ou melhor, das observadas. São elas: três professoras de língua portuguesa que atuam na educação básica em três escolas diferentes, E. M. E. F. Dr. João Severiano da Fonseca, E.E.E.M. Luiz Maria Ferraz – CIEP e E.E.E.B. Prof. Justino Costa Quintana.
Ser observado traz uma consciência de si, um distanciamento de sua prática. É inevitável pensar sobre o tema, saber que alguém te observa, anota e irá escrever sobre isso, pode gerar ansiedade. Por outro lado, essa reflexão traz a possibilidade de uma explicitação da prática para si mesmo, uma busca pela sua melhor versão ao mesmo tempo que se busca mostrar quem se é.
Nesse sentido, a presença dos pibidianos na escola e, mais especificamente, na sala de aula, instaura uma nova dinâmica. O olhar investigativo deles, ainda que muitas vezes repleto de curiosidade e inseguranças típicas dessa fase inicial, provoca em nós, professoras, um olhar renovado para gestos que, no cotidiano, já nos são quase invisíveis. Aquilo que se naturalizou em nossa rotina pedagógica — a forma como organizamos a turma, como lidamos com o silêncio ou com a dispersão, como retomamos um conteúdo não aprendido — passa a ser ressignificado. Como se a nossa prática, no momento em que somos observadas, perdesse sua invisibilidade e adquirisse forma, despertando uma série de reflexões.
Ao mesmo tempo, o fato de sermos observadas por futuros professores nos faz pensar nesse caráter formativo da docência que extrapola a própria sala de aula. Se, de um lado, ensinamos língua, leitura e escrita aos nossos estudantes, de outro, acabamos por ensinar, quase de forma implícita, uma maneira de “ser/agir” como educadora. Isso nos faz questionar não apenas o que ensinamos, mas como transmitimos valores, gestos, afetos e reflexões que constituem a nossa profissão docente. O aspecto do currículo oculto fica evidente no excerto do diário de umas das professoras em formação quando escreve: “Sobre a atitude da professora frente aos problemas da turma, eu fiquei muito feliz em ver que ela chama a atenção deles quando necessário, não como um ser autoritário, mas porque ela gosta deles e quer que eles sejam melhores” (E, 21/04). Essa reflexão provocada por algo corriqueiro, mostra o impacto para a professora em formação, mas também explicita a influência da supervisora na maneira de agir frente aos desafios enfrentados em sala de aula.
É inegável dizer que a primeira observação nos causou uma inquietude. Certamente, mesmo com essa estranheza que nos motivou a dança das canetas que se movimentam incessantemente nos cadernos de anotações, canetas acompanhadas de olhos que observam e questionam, mas também contemplam nossa atividade docente, buscando um alinhamento entre a teoria adquirida nas salas da universidade e a formação de sua futura prática, entrelaçando o ser discente e o ser docente.
Assim, ser Supervisora do PIBID-Letras Português é ser facilitadora, também introdutora de sentidos, reflexões e de conexões; é conectar a escola básica com a universidade; é criar pontes entre os saberes, entre a sala de aula, a rotina docente e a concepção de um novo conhecimento. É ser, enfim, uma docente com olhar e sensibilidade de discente.
Desta forma, as observações dos professores em formação revelam aspectos fundamentais sobre a prática docente que, muitas vezes, passam despercebidos no cotidiano da sala de aula. Quando uma pibidiana, em seu diário, pensa acerca da importância da preparação de aulas como em: “pude perceber a importância da preparação de aulas, pois deixa o trabalho com mais fluidez e dá segurança ao professor, e traz interesse aos alunos” (J., 24/02), faz com que seja traçada uma reflexão não só sobre o fato de que o planejamento de aulas é fundamental para organizar as atividades educacionais, mas também nos leva a refletir sobre nossa responsabilidade em demonstrar, através de nossas práticas observadas, que o planejamento não é mera formalidade burocrática, mas um instrumento essencial para o professor elaborar sua metodologia conforme o objetivo a ser alcançado.
Já a reflexão de S. sobre a “sala de aula invertida”, questionando se “fazer uma lista dos conceitos dificulta o engajamento do aluno na função que ela possui?” (S, 19/03) demonstra como a presença dos pibidianos provoca questionamentos que nos levam a repensar nossas escolhas metodológicas. Uma vez que o questionamento levantado pela pibidiana sobre a possível rigidez conceitual versus funcionalidade pedagógica nos desafia a pensar criticamente sobre nossas práticas, buscando um equilíbrio entre a sistematização necessária do conhecimento e a flexibilidade que permite aos estudantes uma construção de significados de forma mais autônoma.
De forma geral, essas observações nos fazem, de fato, compreender que o fato de sermos observadas no contexto do PIBID nos convida a explicitar nossos saberes e a fundamentar teoricamente nossas escolhas práticas, transformando a reflexão em um instrumento dinamizador entre a teoria e a prática.