Ano 12 Nº 100/2024 Natal em meu peito
Por: Roberto da Paixão
e Deus nasce do chão como uma fonte.
Odylo Costa, filho
Sei que vive em mim um poder de luz
capaz de iluminar a áspera noite em que sinto o meu espírito
Afonso Felix de Sousa
Sendo, primariamente, um poeta, não sou dado à escrita em prosa na maior parte do tempo. Versos são a língua na qual verto meus requintes mais ocultos, meus anseios mais ardentes… e a alegria mais intensa que Deus pôs neste meu peito, transformando em arte as modulações que a mente, a emoção e a “febre de Além” geram nas muitas encarnações do misterioso ser que é a palavra em minha boca. Aliás, venho falar de uma Palavra específica, na ocasião em que escrevo estas linhas; Palavra que se encarnou vivamente entre os homens e habitou na terra por escolha própria.
Meu leitor deve se recordar vagamente, ao menos, da superfície desta história: num estábulo, em Belém, nasceu uma criança que veio para nos resgatar de nossas faltas e nos redimir diante de Deus Pai, nos céus. Seu nome, já anunciado àquela altura por um anjo, era – e continua sendo ainda hoje – Jesus. O pequenino na manjedoura, filho unigênito do Altíssimo, “era o Verbo” que, no princípio, “estava com Deus” e “era Deus”, encarnado na figura de um bebê cujo nascimento não poderia ter sido mais pobre e insólito. No entanto, ali, nos braços de Maria e aos olhos de José, viu-se a própria realeza da Eternidade se reduzir a uma forma temporal, voluntariamente, por amor daqueles que creem no seu nome.
Os quatro livros bíblicos do Evangelho narram muitos ensinos, feitos, parábolas e milagres de Cristo, os quais este realizou entre o povo prometido dos Judeus: curas de enfermos, ressurreição de mortos, comando sobre as tempestades para que elas se cessassem e outros mais. Nos dias de Natal, contudo, eu busco voltar meus olhos ao fato de um Deus incriado e sem fim ter assumido, por sua decidida vontade, as condições de vida de sua criatura desde a mais vulnerável temporada de nossa existência, quando, frágeis e miúdos, não sabemos ainda falar, mensurar, agir ou mesmo compreender as circunstâncias que constituem aqueles primeiros instantes de nossa jornada terrena. Somos dependentes daqueles que nos têm em suas mãos e, caso não haja quem cuide de nós e nos alimente, podemos conhecer a morte logo ao despontar da próxima aurora.
Jesus não tomou atalhos em sua vida mortal, meu leitor; não fugiu das dificuldades naturais ao homem aquele que, creio eu, criou a humanidade. Aceitou ser uma criança frágil para, em seguida, crescer, viver vários anos e, enfim, cumprir com sua missão: redimir os que põem nele a esperança de uma comunhão completa com o Pai, no poder do Santo Espírito. Não é impressionante, de fato, essa abnegada encarnação?
Sei que o meu leitor pode não acreditar no relato sagrado que os autores bíblicos nos dão, mas, caso estejas torcendo o nariz para mim neste momento, eu devo te dizer: calar-me-ei, eu, cristão, acerca da razão da minha alegria? No Natal? Não, não posso fazê-lo. Minha alegria é uma fonte que brota do chão e sai a povoar o solo com a floração de muitas ervas. Minha alegria é como uma tarde que expelisse ao léu o aroma de todas as frutas maduras das radiantes campinas. Minha alegria, posso bem dizer-te, leitor, é uma estrela que fulge como aquela que luziu no céu de Belém, convocando magos do Oriente para chegar até o menino que havia nascido não há muito.
E por isso, canto, assim como cantaram os anjos: “Glória a Deus nas alturas, e paz na terra entre os homens a quem ele quer bem”. É o que posso cantar, pois esse, com seu coro inefável, é o meu único cântico de Natal; o único que brilha e rebrilha, fundo, em meu peito deslumbrado de amor e gratidão.
Bibliografia lida durante a escrita deste texto:
BÍBLIA sagrada: traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e atualizada no Brasil. 2. ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
SOUSA, Afonso Felix de. Chamados e escolhidos: reunião de poemas. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.COSTA FILHO, Odylo. Poesia completa. 1. ed. Rio de Janeiro: Aeroplano: Fundação Biblioteca Nacional, 2010.
Roberto da Paixão é poeta, autor de “Tapeçaria”, obra de poesia publicada pela editora Mondrongo em 2024, e cursante da Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa e Suas Literaturas pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Atualmente, integra o PET-Letras como bolsista.