Ano 08 nº 091/2020 – Uma releitura da Segunda Guerra Mundial
# TBT com resenha literária
Nosso TBT de hoje é com resenha publicada por Débora Mattos no Junipampa em 2012. A resenha foi escrita pela, então, acadêmica do Curso de Letras da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e Bolsista do Projeto de Extensão Leituras Orientadas de Textos Dramáticos – ProExt/MEC. Além de ter completado a graduação em Letras na UNIPAMPA, Débora é hoje Mestre em Linguística Aplicada, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, em São Leopoldo/RS e Pós-graduada em Psicopedagogia Institucional e Clínica, pela Faculdade Dom Bosco. Como a literatura nunca envelhece, a releitura de Débora se renova como incentivo à leitura!
Uma releitura da Segunda Guerra Mundial: ‘A Menina Que Roubava Livros’, de Marcos Zusak
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“Quando a morte conta uma história você deve parar para ler”. É com essa frase simples e provocante que Marcos Zusak nos convoca a mergulhar na leitura de um livro muito instigante e inteligente, um relato diferenciado da Alemanha Nazista, durante a Segunda Guerra Mundial, com foco nas famílias alemãs de classe baixa.
O livro ‘A Menina Que Roubava Livros’ conta a história de Liesel Meminger, uma garota que aos nove anos tem seu primeiro encontro com a narradora do livro – A Morte, e comete seu primeiro roubo: do livro “O Manual do Coveiro”, que um dos ajudantes deixa cair no chão no enterro de seu irmão. Filha de uma mãe extremamente pobre, Liesel é entregue a uma família adotiva, com um pai muito amoroso e uma mãe fechada e rabugenta. Sua história se desenrola com certa tranquilidade, numa vida normal de amigos, escola e auxílios à mãe, que lavava roupa para as famílias mais ricas da cidade. É com o despontar da guerra que a vida da pequena Liesel se transforma e sua família encara de frente grandes dificuldades geradas pela negativa de seu pai, Hans Huberman, a filiar-se ao partido nazista. Com o marido desempregado, a mãe de Liesel precisa trabalhar em dobro para manter a casa e a menina a ajuda fazendo as entregas de roupas nas casas dos clientes. O pai adotivo de Liesel a ensina a ler e escrever e cria com a menina um elo de cumplicidade e amizade.
Outros personagens são importantes e fundamentais na história de Liesel, como Rudy Steiner, seu melhor amigo e não declarado amor; a mulher do prefeito, de cuja biblioteca Liesel furta livros; e Max, um judeu que Hans esconde no porão e que desenvolve não apenas uma forte amizade com a menina, mas uma relação de companheirismo, confidência e proteção.
Liesel descobre nos livros uma paixão e uma ocupação. Em meio ao caos da Alemanha Nazista, sua sede de conhecimento e o encanto pela leitura a tornam uma pequena ladra e é justamente isso que salva a sua vida quando seu bairro é bombardeado. A sua relação com a literatura apresenta-se como uma forma de liberdade e salvação, em que a leitura muda a vida do leitor a partir do momento em que passa a ser parte integrante do seu mundo.
A ‘Menina Que Roubava Livros’ é um relato extremamente criativo e que provoca o emocional do leitor. É riquíssimo em figuras de linguagem, deixando-o assim com uma escrita muito particular e interessante, prendendo a atenção e despertando surpresa com a sagacidade das ligações que é capaz de fazer.
O autor relata um dos períodos mais cruéis da história e, apesar de ser um assunto muito comentado, analisado e desenvolvido em várias áreas, foi feita uma releitura que somente uma narradora tão incomum como a morte é capaz de fazer. Ele explora a emoção e surpreende quando posiciona a morte como uma personagem que se admira com aquilo que o ser humano é capaz de fazer, uma vez que normalmente o processo é inverso e a morte é sempre temida. Além disso, o foco de Zusak é numa realidade poucas vezes abordada quando se fala do Nazismo, que é a das famílias alemãs de classe baixa, que se compadecem com os judeus perseguidos e enfrentam as dificuldades de uma guerra sem razão.
“A estrada era fria e reta. Não demorou para que chegassem os soldados com os judeus.
À sombra das árvores, Liesel observou o menino. Como as coisas haviam mudado, de ladrão de frutas a doador de pão (…). Ela ouviu o estômago do amigo roncar – e ele estava dando pão às pessoas. Seria isso a Alemanha?
Seria essa a Alemanha Nazista?
(Zusak, 2008. Pág. 392)
É nesse enlaçar de fatos que o livro desperta encantamento e comoção, pois trata de um assunto cruel de forma dramática e, ao mesmo tempo, sutil, despertando dualidades de sentimentos no leitor. O autor foi criativo, inteligente e ousado quando se propôs a tratar de um tema tão comum sob um viés irreverente.
Realmente não posso negar que a Alemanha Nazista é um assunto que sempre desperta interesse em todo leitor, mas este livro em especial nos dá uma visão desse momento histórico de uma forma diferenciada, fazendo dessa obra uma leitura envolvente.