Ano 06 nº 047/2018 – Sobre trens que passam e o aqui-agora que jamais voltará

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Por Matheus R. dos Santos

O sol já raiava alto lá em cima e o calor emitido por ele teimava em queimar o couro de minha cabeça nua. Você bem disse pela manhã para que eu colocasse um gorro, ou que pegasse algo que a protegesse do sol, mas teimoso como sou, mais uma vez, prontamente recusei sua sugestão. Tinha pressa em partir, precisava ir de uma vez.

        Gostaria muito de ter recusado essa viagem que sou obrigado a comparecer. Não queria fazê-la, só que as coisas são porque são. Além disso, convenceram-me que andar de trem para lá de Curitiba pode ser mais um desses pequenos desafios a serem superados dia-após-dia em nossas vidas. Por favor, não ria de mim. Você sabe como eu odeio ficar em meio a multidões, e que ter de frequentar estas estações sempre tão lotadamente vazias é uma tortura para mim. Aqui as pessoas se olham, mas não se conhecem. E eu posso afirmar, com clareza, que enxergar provavelmente não é o forte delas. Faltam cinco minutos para que a condução chegue, estou ansioso, e ficar paralisado nesse local não ajuda em nada. Preciso esticar as pernas, caminhar. Ler um jornal pode ser uma boa. Se bem que as notícias dos últimos dias têm sido péssimas. Prefiro não me distrair com coisas que podem me fazer mal. Minha bateria vai acabar.

Uma mulher está chorando aqui perto. Droga. Irei ajudar. Ela me lembra você, e por estar sozinha em meio a todas essas pessoas, lembra a mim também. Aparentemente, acabou de perder seu trem. Não sei a qual destino ele a levaria, mas tenho certeza que ele jamais voltará para buscá-la. Entendo sua dor, perder uma passagem é sempre algo complicado. Não distorça o que estou dizendo, refiro-me às passagens que estão no paradigma dos verbos, que nada tem haver com aquelas que cobram dinheiro para vendê-las. Você sabe, eu sempre tive bloqueio em entrar nessas conduções.   Não deboche de mim. Pare de subestimar meu medo de trens, por favor. Você conhece minha dificuldade em sentir-me confortável no meio de estranhos. E dentro de um trem são tantos, tão próximos. Eu sei que deveria deixar disso, como sempre disseste. Afinal, o que é a vida se não uma grande plataforma de trens em que escolhemos um para embarcar a fim de vivermos cada segundo dessa aventura até que ela seja findada?

        Fique tranquila. Dessa vez estou convicto, por mais que não queira, preciso ir. Não o perderei novamente. Entrarei no próximo trem que chegar e deixarei um pouquinho de mim para trás. Não posso deixá-lo passar e assim farei. Gostaria que você pudesse ver o resultado dessa viagem, mas o celular estará sem sinal. A culpa não é minha, o tempo tem estado ruim para aquelas bandas.  As paredes deste local estão tão cinzas, desde que cheguei, e o rejunte quebradiço nos entremeios de seus azulejos lembram-me aspectos cotidianos da vida. Quase consigo imaginar perfeitamente como eles eram, logo quando foram postos. Infelizmente, hoje em dia eles se parecem muito com monumentos trincados pelo tempo, que perderam sua beleza inicial, mas que ainda assim as pessoas insistem em prestar a atenção e imaginar suas histórias passadas. Você sabe, eu sempre me interessei por essas historicidades dos fatos, coisa boba minha, das minúcias da vida, da possibilidade de vagar pela situação já ocorrida mesmo sabendo que uma vez que ela tenha sido findada, jamais voltará.

Aqui no meio desta inócua multidão, pairam sobre minha cabeça inúmeros pensamentos que me remetem as catracas encontradas, muitas vezes, nesses veículos, como o que embarcarei logo. Não me refiro as que servem única e exclusivamente para pormos nossas passagens e seguirmos em frente. Mas sim àquelas que nos deixam como um vaso quebrado e nos impedem de estar nos locais que mais gostaríamos de estar. Olha, eu sei que é frustrante quebrar alguns vasos por acidente, mas está tudo bem. Isso não é culpa sua, nada disso é.   O trem já deve estar chegando, é melhor pensar em outra coisa, o povo está se dispersando. Preciso dar um jeito de ir logo. Minha bateria acabou. Perdemos o contato.

        A música de Belchior vem em meu pensamento, o passado é uma roupa que não nos serve mais. Chegou o momento. Tenho certeza. Este é o meu aqui-agora que não mais voltará. Então fito mais uma vez o relógio, faz sete minutos desde a última vez que o tinha conferido. Estou confuso, eles nunca atrasam. Olho os trilhos em minha frente, fico frígido. Pareço surpreso. Meus espessos olhos se recusam a acreditar………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………. …………………………………………………………………………………………………………………………………….

Droga, perdi o trem mais uma vez.

Desculpa.

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